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Greenpeace liga frigoríficos a criação ilegal de gado em área protegida

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O Parque Estadual Serra de Ricardo Franco, em Mato Grosso, já esteve algumas vezes sob holofotes. A unidade de conservação, numa região de encontros entre Floresta Amazônica, Cerrado e Pantanal, foi uma das inspirações para o britânico Arthur Conan Doyle no clássico O Mundo Perdido, de 1912. Mais recentemente, acusações de destruição ambiental na reserva por parte de fazendeiros, nas quais foram citados nomes como o de Eliseu Padilha, ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo de Michel Temer, rendeu ações na Justiça.

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Agora o parque volta ao centro de mais um escândalo. Fazendas localizadas ilegalmente dentro da unidade e com histórico de desmatamento são também fornecedoras indiretas de grandes frigoríficos, como Marfrig, Minerva e JBS, afirma um levantamento feito pelo Greenpeace divulgado nesta quinta-feira (04/06).

“A gente conseguiu mostrar o fornecimento de gado de lá de dentro do parque para uma fazenda de fora, e essa fazenda acaba vendendo para os três maiores frigoríficos, que, por sua vez, exportam para uma série de países, inclusive para a Alemanha”, comenta Cristiane Mazzetti, da campanha de Amazônia do Greenpeace.

As fazendas citadas são Paredão 1 e 2, que têm gado dentro da área de conservação e repassariam os animais para a fazenda Barra Mansa, fora dos limites do parque, que revende para os frigoríficos.

A investigação mostra ainda que pessoas alegam ser proprietárias de 71% das terras públicas que pertencem ao parque. O dado foi calculado com base nas declarações fornecidas no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

“Há uma omissão do Estado na fiscalização e implementação do parque. Por isso, fazendeiros exercem atividades que não são permitidas”, critica Mazetti. “Além disso, o mercado não controla sua cadeia de ponta a ponta, fomentando indiretamente uma atividade ilegal”, complementa.

As irregularidades do parque estadual não são um caso isolado. Em toda a Amazônia, a invasão de terras públicas e o desmatamento em unidades de conservação aumentam num ritmo alarmante.

“A grilagem de terra é muito grande. O grande problema do Norte é que estão entrando em terra indígena, e tudo com a autorização simbólica do presidente da República”, comenta Luiz Alberto Esteves Scaloppe, procurador que chefia o Ministério Público Estadual de Mato Grosso, sobre os impactos do governo de Jair Bolsonaro.

Em toda a Amazônia, os alertas para desmatamento em abril subiram 64% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A pandemia do novo coronavírus não inibe o crime.

“Quando vejo o ministro de Meio Ambiente se propondo a passar por cima da tragédia nacional para fazer a destruição da natureza, é lamentável”, diz Scaloppe sobre a declaração de Ricardo Salles numa reunião ministerial cuja gravação do vídeo foi divulgada com autorização do Supremo Tribunal Federal.

Grilagem tolerada

Criado em 1997 para proteger integralmente o ambiente, o Parque Estadual Serra de Ricardo Franco, que fica a 562 quilômetros da capital Cuiabá e próximo à fronteira com a Bolívia, já foi alvo de 50 ações do Ministério Público Estadual.

Dentro de seus limites, 137 fazendas privadas usam a área para pastagem, segundo o Greenpeace. A maioria delas foi “adquirida” depois da criação da reserva. “E muito provavelmente quem comprou pagou barato. Isso é grileiro. Comprou algo que sabia que não podia comprar”, comenta o procurador. “E quem tolerou isso? A administração pública de meio ambiente, governos, administradores.”

Questionado, o governo de Mato Grosso disse que, no momento, atua na implantação definitiva do parque. Segundo a nota enviada por e-mail à DW Brasil, a administração atual “irá realizar o diagnóstico de todos os imóveis que estão inseridos no parque” em busca da regularização da situação exigida pelo Código Florestal Brasileiro.

Antes que isso aconteça, porém, o Projeto de Lei 2633/2020, que tramita na Câmara dos Deputados, pode regularizar de vez ocupações ilegais de terras públicas. A proposta, que quase foi votada como uma Medida Provisória e ficou conhecida como MP da grilagem, é criticada por falta de transparência.

“Falta muita informação. Não se sabe quem está ocupando ilegalmente terras públicas no Brasil. Não se sabe o público que essa lei vai atingir. Falta um levantamento que mostre onde estão e o tamanho dessa terra de quem está reivindicando”, pontua Luis Fernando Guedes Pinto, pesquisador da ONG Imaflora.

Em parceria com cientistas de universidades públicas de São Paulo, Pará e Minas Gerais, ele assinou um estudo sobre a desigualdade da distribuição de terra no pais: 10% dos maiores imóveis ocupam 73% da área agrícola. “Pesquisadores e organizações entendem que regularizar área ocupada ilegalmente não deve ser feito em hipótese alguma. É um estímulo à grilagem e à desigualdade”, comenta Pinto.

A participação do mercado

Os frigoríficos Marfrig, Minerva e JBS, citados no estudo do Greenpeace, mantêm unidades próximas do Parque Estadual Serra de Ricardo Franco. As três empresas são signatárias de um Termo de Ajustamento de Conduta proposto pelo Ministério Público Federal, de 2009, em que se comprometem a monitorar seus fornecedores e a excluir aqueles que praticam ilegalidades na Amazônia, como desmatamento, uso de mão de obra análoga à escravidão e invasão de terras indígenas e áreas protegidas.

Sobre o abate de bois criados ilegalmente dentro do parque estadual em Mato Grosso, a Marfrig informou ter em seu cadastro os fornecedores Marcos Antonio Assi Tozzatti e a fazenda Barra Mansa, que atenderiam “a todos os critérios adotados no compromisso da empresa”.

“A Marfrig está consciente de que há um desafio a ser enfrentado, que é obter as informações desses fornecedores indiretos”, admitiu por meio de nota à DW Brasil. Até o momento, a empresa diz fazer esse tipo de acompanhamento por meio de um pedido de informações ao fornecedor direto em que ele declara, voluntariamente, produtores e fazendas onde os animais vendidos ao frigorífico passaram previamente.

Já a Minerva afirmou que vai apurar as acusações. “Caso seja encontrada qualquer irregularidade no processo de fornecimento do gado pela Fazenda Barra Mansa para a nossa unidade de Mirassol D’Oeste, as providências cabíveis serão adotadas”, diz a nota enviada por e-mail à DW Brasil.

A falta de acesso integral por parte das empresas ao sistema que cuida das Guias de Trânsito Animal (GTAs), documento que atesta a proveniência do boi, é apontada como um obstáculo ao monitoramento do ciclo completo.

Sem o acesso irrestrito às GTAs, justifica a Minerva, a empresa não tem “capacidade de monitoramento completo da cadeia de trânsito animal no território nacional para os mais de 2,6 milhões de pecuaristas”. “O monitoramento, desde o nascimento dos animais, carece de um sistema de rastreabilidade individual, algo que deverá ser conduzido e supervisionado pelas autoridades sanitárias competentes”, afirma.

A JBS, também citada no estudo do Greenpeace, não respondeu à DW Brasil.

Para Cristiane Mazzeti, do Greenpeace, os frigoríficos estão atrasados. “O compromisso assumido no TAC dizia que o fornecimento indireto seria monitorado a partir de 2011”, rebate. “A ‘‘lavagem de gado’ é comum. Não monitorar as outras fazendas por onde gado passou, ou foi criado, é deixar um rastro de destruição para trás”, adiciona.

No Serra de Ricardo Franco, ao menos 24% da vegetação nativa dos seus seus 158 mil hectares foram desmatados e deram lugar à pastagem. Com mais de 200 nascentes, 100 cachoeiras, paredões de rocha e habitat de animais em perigo de extinção, como tamanduá-bandeira e arara-azul, o parque está distante da proteção integral.

“Esse é um lugar muito importante para a conservação da biodiversidade, que é o tema do Dia Mundial do Meio Ambiente da ONU neste ano [comemorado em 5 de junho]. Mas não basta só criar as unidades de preservação. Tem que implementar”, afirma a porta-voz do Greenpeace.

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