O projeto para a construção do novo viaduto na Galeria dos Estados tem risco de ferir o tombamento de Brasília. Os croquis elaborados pelo governo foram levados ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para análise. Para o órgão não dar a palavra final sozinho, a Universidade de Brasília (UnB) foi consultada sobre o risco de ameaça ao ideais da cidade.
De acordo com os esboços do novo viaduto, os oito pilares da estrutura ficarão com dimensões – e desenho – maiores do que o original (veja ilustração acima). Em vez de ficarem com um formato em “Y”, eles vão ganhar em extensão, ficando em um formato mais retangular. O governo afirmou que o projeto ainda está em fase de finalização, mas não justificou o porquê da mudança.
Esse projeto está em análise no Iphan desde 12 de abril. O órgão tem até 90 dias para dizer se ele fere ou não o tombamento. Caso entender que as modificações feitas no projeto original são significantes, o governo terá de se justificar porque uma alteração “só poderá se realizar na perspectiva de promover melhorias e benefícios ao espaço urbano”.
“A preocupação do Iphan, em consonância com os critérios de preservação estabelecidos para a área tombada pelo governo federal, é que não se promova alterações urbanísticas, arquitetônicas e paisagísticas desnecessárias naquele setor”, explicou ao superindentente do instituto, Carlos Madson Reis.
Nas próprias palavras do Iphan, seria possível reconstruir o viaduto nos mesmos moldes do original. “Acredita-se que, com a tecnologia estrutural de hoje, mais avançada que a da época de sua construção, é possível manter-se à tipologia e à forma arquitetônica original para durar bem mais tempo.”
Além da preocupação com o tombamento, o instituto também tem questionamentos quanto à segurança. “Antes de tudo, o viaduto tem que ser seguro sob o ponto de vista estrutural”, declarou o Iphan.
Consulta à UnB
Oficialmente, o Iphan alega que a consulta aos institutos de engenharia e arquitetura da UnB é um procedimento “natural”. No entanto, professores ligados à análise do projeto do GDF ouvidos dizem que o chamamento foge do padrão.
“Em mais de sete anos em que trabalho aqui, isso nunca aconteceu”, declarou um professor de arquitetura, sob condição de anonimato. “Isso mostra a peculiaridade do assunto”, continuou.
Segundo um professor de engenharia que também preferiu não revelar o nome, a UnB confirmou ao Iphan que o projeto feito pelo governo é diferente do que existia antes da queda do viaduto no Eixão Sul, em 6 de fevereiro.
“Ele não está voltando ao projeto original. O traçado é claramente diferente. Esteticamente falando, seria possível, sim, voltar ao mesmo desenho de antes. Como engenharia, mudaria totalmente. Existem várias outras técnicas e tecnologias, que poderiam trazer um desempenho melhor.”
Até a publicação desta reportagem, os professores da UnB já tinham feito ao menos uma reunião com o Iphan para explicar esses pontos.
Polêmica
Dentro do próprio meio acadêmico, não existe consenso sobre o conceito de ferir o tombamento de Brasília. Por exemplo, se um projeto tiver como proposta o de fazer uma “restauração”, então a reconstrução deve ocorrer nos mesmos moldes da original. Porém, se a ideia é fazer uma nova “intervenção”, o desenho pode ser modificado.
Segundo o professor de arquitetura da UnB Frederico Flósculo, a polêmica sobre o tombamento é “irracional”. “Eu entendo que em determinados casos, a geometria poderia, sim, mudar. Isso não causaria prejuízo algum. O Iphan deveria era ser muito mais ativo e se preocupar em exigir do governo uma planilha com cronograma de manutenção das estruturas.”
Já o professor de engenharia da UnB aposentado João Carlos Teatini de Souza qualificou o projeto do GDF de “monstrengo” e “aberração”. “Do jeito que os pilares eram, você tinha grande visibilidade pelos dois lados. Esse novo pilar vai impedir a visibilidade. Vai precisar de um reforço violento de fundação.”
Segundo o governo, a licitação para a reforma do viaduto só deve sair após conclusão do projeto – que depende do aval do Iphan. “A licitação para reforma do viaduto será realizada pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER), utilizando os recursos do orçamento do governo de R$ 50 milhões previsto para obras emergenciais.”
Tombamento
No Brasil, o respeito ao tombamento – e à preservação desse legado – é fiscalizado pelo Iphan. Em Brasília, Ouro Preto, Olinda, Rio de Janeiro, há o tombamento reconhecido pelo Iphan e pelo governo local. Em Brasília, o tombamento também é reconhecido pela Unesco como patrimônio mundial.
“O que é tombado são as características urbanísticas, os valores, os atributos que dão cara a essa cidade”, explicou o superintendente do Iphan em entrevista ao portal G1 DF em fevereiro.
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