Pesquisadores do Distrito Federal ligados a um laboratório privado desenvolveram o primeiro teste do país capaz de identificar, em uma unica testagem, a presença dos vírus da dengue, da zika e da febre chikungunya no corpo humano. O teste detecta traços do material genético dos micro-organismos no sangue e serve para a fase aguda da doença, quando o paciente apresenta sintomas.
“A gente procura áreas específicas do material genético que identificam cada espécie. O zika, por exemplo, tem uma parte de RNA exclusiva, diferente de todos os seres vivos. Com essa reação, quando o exame dá positivo para um determinado conjunto de reagentes, a gente sabe qual vírus está no corpo”, diz o diretor técnico do Laboratório Sabin, Rafael Jácomo.
A testagem tripla está disponível na rede de laboratórios e custa R$ 337. Segundo a empresa, o valor já era aplicado em uma versão mais antiga do teste, que identificava apenas dengue e chikungunya. A pesquisa foi dividida em duas fases e durou cerca de seis meses.
O exame usa a técnica de reação em cadeia de polimerase (PCR, na sigla em inglês), similar à empregada em testes de HIV, HPV e hepatite B. “Como as doenças do Aedes são muito parecidas para o médico na análise clínica, a diferença desse exame é que ele ‘corre’ de uma vez só. Se tiver vírus circulando, a gente identifica”, diz Jácomo.
O resultado é liberado no dia seguinte à coleta do sangue. Segundo o pesquisador, a detecção do vírus da zika é um pouco mais complicada que a dos outros vírus transmitidos pelo Aedes aegypti, porque a concentração dele no sangue da pessoa infectada costuma ser mais baixa.
Percalços
Rafael Jácomo afirma que a maior dificuldade encontrada pelo grupo de pesquisadores foi na obtenção de amostras. A decodificação do material genético estava disponível em bases de dados públicas, mas as amostras de sangue infectado para os estudos em laboratório tiveram que ser coletadas dos próprios pacientes da rede.
“No início, a gente pegava amostras ‘do zero’ em pacientes suspeitos e mandava testar fora do Brasil, para saber se tínhamos um sangue com zika para trabalhar. Isso afeta o tempo de desenvolvimento, principalmente. A gente via os casos aumentando e ficava na dependência. Na época, ainda eram poucas notificações, agora é que surgem mais casos suspeitos”, afirma.
Em março, o Sabin realizou entre 130 e 150 testes por semana. Agora, o laboratório tenta avançar com a tecnologia para reduzir a interferência humana nas etapas manuais do exame. “Não faz muita diferença para o paciente, é uma questão de procedimento interno. Temos os reagentes, os primers para uso próprio, tudo certo.”
Como o laboratório não produz o teste para revenda, não há expectativa de que esse exame chegue a outros laboratórios. A equipe se diz aberta para colaborar com as pesquisas de outros grupos, se convidada. Outros centros de exames do país como o Hermes Pardini, em Belo Horizonte, já oferecem o teste isolado de zika na fase aguda da doença.
Pesquisa pública
Enquanto isso, as pesquisas incentivadas pelo governo federal em universidades e laboratórios públicos seguem em ritmo mais lento. A Fiocruz, por exemplo, trabalha na fase final de um exame molecular semelhante, capaz de identificar zika, chikungunya e os quatro sorotipos de dengue. O teste só deve chegar à rede pública no fim de maio.
O teste é ainda mais importante em estados como Rio de Janeiro e Pernambuco, que têm sobreposição de epidemias de zika, dengue e chikungunya. A Fiocruz pretendia desenvolver o teste sem registro, para repassar a tecnologia aos laboratórios públicos, mas o Ministério da Saúde não adotou o mesmo entendimento.
“O ministério pediu que a gente fizesse o registro, estamos fazendo os lotes e, por isso, houve atraso. Os lotes registrados e comerciais devem sair a partir do fim de maio”, diz Stabeli. O custo de cada teste deve ficar entre R$ 60 e R$ 80. A necessidade de registro também atrasou o teste sorológico (pós-infecção) do vírus da zika, que deve ser produzido a partir de maio em parceria com uma empresa internacional.
O pesquisador afirma que os exames privados, como o oferecido pelo Sabin, não foram testados em laboratórios de referência do Ministério da Saúde e, por isso, não são levados em consideração no desenvolvimento de tecnologias pela Fiocruz. “Nosso teste tem alta qualidade, já está desenvolvido, não há porque acessar outras informações. Seguimos o que é colocado pela Organização Mundial de Saúde e buscamos o padrão de qualidade.”
Burocracia
A dificuldade de viabilizar os projetos ainda é um problema para laboratórios públicos e privados, segundo os pesquisadores. Em março, a presidente Dilma Rousseff anunciou investimento de R$ 1,2 bilhão para pesquisas ligadas ao vírus da zika mas, até agora, pouco foi disponibilizado de fato.
“Nós estamos há mais de 130 dias em emergência sanitária. O país lançou o Plano Nacional de Ciência e Tecnologia com promessas de editais, mas o único aberto é o da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], institucional. É um vírus novo, a gente não sabe a dinâmica epidemiológica, os estudos de correlação para entender isso estão atrasados”, diz Stabeli.
Segundo ele, o atraso na liberação das verbas aumenta o tempo de resposta do Brasil às infecções e impede ações mais rápidas da vigilância sanitária, dos tratamentos clínicos e do desenvolvimento de vacinas. Para o vice-presidente, “não adianta prometer vacina sem entender o comportamento da doença”.
A pesquisa privada não depende do dinheiro do governo, mas também sofre com a falta de cooperação. “Isso acontece por burocracias diversas, não acredito que seja um desejo de boicotar nada. Não traria benefício para ninguém. Existem até entraves de relacionamento. Você não pode entrar num hospital privado pedindo sangue de gente doente”, afirma Jácomo.
Você precisa estar logado para postar um comentário Login