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Após polêmica, Damares diz que abuso não se justifica nem se explica, se pune
A polêmica mais recente com a senhora é uma proposta para construir uma fábrica de calcinhas na Ilha do Marajó (PA), entre as medidas para enfrentar a violência sexual.
A questão do abuso sexual foi um dos principais temas da entrevista da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, ao programa Impressões, da TV Brasil, que vai ao ar na próxima terça-feira (6).
Na conversa com a jornalista Roseann Kennedy, a ministra foi incisiva ao rejeitar qualquer tentativa de justificar uma violência sexual. “Abuso não se justifica, não se explica, não se minimiza e não se relativiza. Abuso é abuso. E o abusador tem que ser contido, preso e punido”, disse.
Damares fala também dos altos índices de abusos sexuais registrados na Ilha do Marajó (PA) e do programa de prevenção e combate a este tipo de crime que começou a ser desenvolvido na região. Explica, ainda, a polêmica em torno do projeto de levar uma fábrica de calcinhas para o local.
Outros temas abordados na entrevista foram o trabalho da Comissão da Anistia e a disputa pelo comando da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Em dado momento a ministra conta, ainda, como é viver sempre escoltada e sem endereço fixo e até brinca com o fato de estar solteira. Confiram, abaixo, os detalhes da entrevista.
A questão do abuso sexual é um tema que, obviamente, custa muito caro para a senhora. Mas a polêmica mais recente com a senhora é uma proposta para construir uma fábrica de calcinhas na Ilha do Marajó (PA), entre as medidas para enfrentar a violência sexual. Então, faz a gente entender o que foi isso.
Veja só, eu entendo que abuso não se justifica, não se explica, não se minimiza e não se relativiza. Eu rejeito qualquer justificativa para abuso. Abuso é abuso. É o abusador tem que ser contido, tem que ser preso e tem que ser punido. E nós, numa região no Brasil em que o abuso acontece de uma forma muito maior em relação a todo o país, que é a região da Ilha do Marajó, inclusive, usa-se o que acontece lá para justificar. Por muitas vezes eu recebi o seguinte recado: você nunca vai conseguir resolver o problema do abuso no Brasil porque é cultural. Já existe até alguns pesquisadores querendo defender a tese de que pedofilia no Brasil é cultura. Eu rejeito que pedofilia seja cultura do povo brasileiro. Eu rejeito essa afirmação. E muitas vezes disseram que lá na Ilha do Marajó, é comum o estupro de meninas, o abuso e o incesto. Incesto não pode ser cultura. Inclusive a questão do incesto, ela é tão comum no Brasil que ela está em nossas lendas. Sabe a lenda do boto? Que no passado a gente via falar que lá na região ribeirinha as pessoas acreditavam que o boto engravidava menina? A história do boto é uma grande farsa. Era o pai que engravidava a menina e botava a culpa no boto. E aí a Ilha do Marajó é usada como exemplo. Lá é cultural e eu tenho um amor ao arquipélago do Marajó. Há quinze anos, estou envolvida com ações de enfrentamento ao tráfico de mulheres que acontece lá, à violência sexual contra mulheres e meninas, mas à violência doméstica também.
Quando ministra, nós temos que ter uma região para a gente desenvolver projetos e o presidente da República deu uma ordem para irmos atrás dos invisibilizados (sic). Vamos buscar aquelas pessoas que nunca foram alcançadas. Então resolvemos ir para lá. E aí, conversando com os agentes envolvidos com o arquipélago, uma autoridade me disse “olha, ministra, abuso lá é tão grande e há um estudo que falam que um dos motivos de abusar meninas é porque elas são tão pobrezinhas que elas não têm calcinha” Aquilo me irritou demais. Como é que tu vais justificar o abuso por falta de calcinha? Aí em uma reunião eu disse, olha, se o problema da ilha do Marajó é fome, vamos levar comida. Se estão abusando de meninas por falta de emprego, vamos levar empresas para lá, vamos levar a fábrica. Inclusive me disseram que o abuso é por falta de calcinha, vamos levar calcinha. Na verdade, levar não, levar uma fábrica de calcinha. Pegaram quando eu estou irritada falando que eu não aceito nenhuma justificativa para o abuso, pegaram só essa frase, de novo. Editaram. E disseram que eu falei que o abuso lá é por falta de calcinha. Inclusive essa autoridade que levou a informação, ela quer se pronunciar. Eu disse, não, fica quieto. O problema é comigo. O problema não é que eu falei, o problema é torcer para não dar certo. O problema é uma torcida muito grande que este governo não dê certo.
A senhora se sente perseguida?
Não, não me sinto perseguida. Não sou eu que estou sendo perseguida, é a ideologia que estamos trazendo. É a proposta que estamos trazendo. São as iniciativas que estamos trazendo. É o Governo. Então assim, como eu estou mais em evidência hoje, daqui a pouco não serei mais eu, será um outro ministro, vamos atacar o que ela fala. Então eu já estive em lugares onde as pessoas ficam de plantão, assim, com a câmera, esperando uma palavra. O lance do cabelo. É tão incrível. Por que que ela cortou o cabelo? Ministra a senhora cortou o cabelo por quê? A senhora vai entrar no Tinder? Eu falei para um repórter, não, Tinder é de adolescente. Eu vou abrir um site para receber currículos. Olha, isso eu falei para um repórter depois de quatro horas de enfrentamento em uma comissão na Câmara. Um debate acirrado onde eu chorei, parlamentares choraram, abrimos o coração, falamos do enfrentamento à violência. Depois de quatro horas o repórter sai comigo da sala, eu achando que ele ia perguntar alguma coisa de tudo sério que falamos, e perguntou “ministra, a senhora vai entrar no Tinder mesmo? ” Eu fiquei tão irritada que eu disse assim: não, Tinder é para adolescente. Eu vou abrir um site. Duas horas depois espero a manchete sair desse jornalista. Ministra abre site para receber currículo. Mas o bom é que tá chegando. Vai que cola. (risos)
Roseann – Eu vou continuar com a brincadeira para saber uma coisa: quem é o marido que vai aguentar o ritmo da sua agenda e essa própria questão de segurança? A senhora não pode ter endereço fixo, vive escoltada.
Damares – Vai ser difícil, vai ser difícil alguém querer se arriscar. Um já foi embora. E eu não era nem ministra, né? É difícil. Inclusive eu queria falar sobre isso porque quando o presidente instituiu o Ministério da Família disseram que ele ia querer, agora, uma família tradicional, natural, que só isso é a família para ele. Não! Eu sou uma família diferente, eu sou uma mulher sozinha, e somos milhões no Brasil, de líderes da família, mulheres como chefe de família. Eu sou uma mulher sozinha, mãe de uma filha indígena. Tem família mais diferente que a minha? Não tem. E mãe socioafetiva, porque eu não oficializei a adoção de minha filha, né? E porque não oficializei? Porque minha filha tem pai e mãe na aldeia; ela ama o pai e a mãe na aldeia. Então nós somos uma grande família. Essas famílias existem e elas precisam ser fortalecidas. Então o governo vem pensando em todas as configurações familiares.
Essa parte indígena, aliás, foi alvo de mais uma polêmica do ano, sobre quem fica com o comando da Funai, que ficou com o Ministério da Justiça. A senhora disse que será guarda compartilhada. Não abre mão?
E eu tenho legitimidade para trabalhar com os índios. Mas quando a Funai veio para este ministério, foi muito pensado, o Ministério da Justiça mudou. Hoje é um Ministério de Segurança Pública, Justiça. O ministro Moro foi convidado para combater corrupção, para garantir segurança pública e para fazer o enfrentamento ao crime organizado. Não foi dito a ele que ele iria cuidar de índios. Então, quando se constituiu o novo Ministério da Justiça, dois organismos que estavam lá ficaram perdidos, que foi a Comissão da Anistia e a Funai. E era isso que queríamos fazer a discussão. O índio tem que ser cuidado, amparado e protegido. Apesar que eu encontrei muita corrupção na Funai. Então assim, índio tem que ser cuidado como um todo, o anistiado tem que ser cuidado. Nós temos que ter muito cuidado com as pessoas que se sentiram com os direitos violados lá atrás na época do Regime Militar. Então esses dois organismos vieram para o nosso ministério. Então eles foram agasalhados e era o lugar certo. Mas aí, a briga no Congresso Nacional e alguns opositores “não, a Funai tem que voltar para o MJ”. O bem mais precioso de uma área indígena não é a terra, é o índio. E houve nos últimos anos uma política pública muito voltada só para a terra. Esquecemos da mulher indígena. Sabia que tem estupro em aldeia? Nós temos que cuidar dessa mulher indígena. Mas hoje nós temos terra, temos processo de homologação de terra. Estamos há trinta anos, brigou-se tanto e não se fez nada. Se essas áreas estivessem todas homologadas, muitos dos problemas teriam sido resolvidos. Mas a gente vem com essa outra proposta. O índio como um todo. A mulher, o idoso. Deixa-me te perguntar uma coisa. Você já viu um índio cego?
Não.
Você já viu um índio em cadeira de rodas? índio com síndrome de down? Você nunca se perguntou se todos eles nascem sem deficiência física ou mental? Esse questionamento eu tenho feito com o Brasil há vinte anos. Eu descobri, há vinte anos, que alguns povos do Brasil matam crianças com deficiência. Quando eu descobri, eu tinha duas reações, duas atitudes a tomar: me silenciar, como era o recomendado pelos antropólogos – não toque nesse assunto que é cultura – ou me levantar para salvar essas crianças. E eu optei por salvar essas crianças. Por quê? Parte de sacrifício de criança no Brasil, 90%, quem faz é a mãe. Você tem ideia do que é você impor a uma mãe a condição de carrasca de seu próprio filho? Porque olha, não vamos romantizar isso. Não existe nenhum romance, nenhum glamour, nenhuma delicadeza em enterrar uma criança viva, é assassinato! Imagine a mãe de uma criança de um ano que ela amamentou, que ela cuidou, que ela ama, e ela descobre com um ano que ele é surdo – porque a surdez não descobre quando nasce, é com oito meses, dez meses. Imagine essa mãe fazendo um buraco no meio da floresta, a criança brincando, achando que ela está brincando, e ela pegar o bebê olhar nos olhos dele e enterrar essa criança viva. Você acha que essa mãe é feliz? Não dá para imaginar. Nós temos que entender que não é uma índia, eu estou falando de uma mãe. Então a gente relativiza tudo, porque foi com um índio. Não, pera aí, é um ser humano. Nós temos uma estimativa, isso não é oficial, inclusive a gente tá criando agora uma notificação, que mais de 1500 crianças são assassinadas por ano nas aldeias do Brasil. Mas eles matam por que são cruéis? Não. É uma questão cultural. Mas a gente tem que começar a conversar com esses povos. Dá para avançar nesse item? Dá pra salvar essas crianças? Tá enterrando porque ele é surdo? Olha, tem um aparelhinho, olha, tem libras (linguagem brasileira de sinais), dá pra dialogar com os povos.
A senhora falou de outro tema polêmico, o trabalho que está sendo feito na Comissão da Anistia. Já houve uma série de cortes e vai ter mais. Qual é o entendimento nesse momento?
Damares – Resolver este problema de uma vez. Veja só, a Comissão de Anistia foi criada por lei para anistiar pessoas que num período do Brasil se sentiram com os direitos violados. Mas é um período lá atrás, que se a gente for contar a idade, muitos são idosos e muitos já morreram. Então, as pessoas que tiveram seus direitos violados, que abriram um requerimento e querem ser indenizadas, a maioria já morreu e o requerimento não foi analisado. Gente, eu não consigo imaginar vinte anos um requerimento em uma comissão e não deram resposta a essa pessoa. Isso sim é violação dos direitos humanos. Então, qual é o meu papel? Reunir um time forte. Chamei um time. Sabe quantos requerimentos eu ainda vou analisar? Mais de sete mil.
Vai haver um rejulgamento?
Damares – Veja só, os que foram concedidos já foram concedidos. Eu não vou fazer revisão. Apenas um segmento que eu quero de revisão, os cabos da FAB. Você sabia que o maior valor que está empenhado para pagar é dos cabos da FAB? Em torno de 2.500 cabos se sentiram prejudicados com a mudanças dentro da FAB, de uma portaria e entraram dentro da comissão. Mais de R$ 7 bilhões para esses cabos da FAB. Pera aí, e eu estou questionando. Eles foram mesmo perseguidos ou tiveram seus direitos violados por um regime? Não. Era uma questão trabalhista. Que se resolva lá no Ministério do Trabalho. Você sabia que nós temos indenizações de mais de um milhão, dois milhões, para uma única pessoa? Então esse segmento eu quero rever. Os sete mil que estão lá eu vou olhar com lupa. Eu vou saber se merece ou não. Mas eu quero agilidade. Já está na hora de a Comissão de Anistia acabar. Ela tinha um prazo de validade. Ela tem que acabar. E o que eu vi na comissão da anistia? Esqueceram os requerimentos – ela foi constituída para isso – e começaram a publicar livros, publicar obras, até mesmo um museu a comissão estava construindo. Quer dizer, o objetivo da comissão foi totalmente esquecido e outras atividades foram feitas. E, olha, tá em auditoria. Nosso ministério está na auditoria das contas; a Polícia Federal tá envolvida; a CGU; e vou dizer uma coisa, tem muito dinheiro desviado da comissão de anistia.
São muitos temas e a senhora sofre ameaça de morte desde muito antes de ser ministra. Para viver nessa agonia que não pode nem ter endereço fixo, o que realmente te dá a satisfação de dizer que vale a pena?
Me foi dada uma missão e eu preciso cumprir essa missão. Eu sou nordestina. Não nasci no Nordeste não, mas me criei lá. Sabe? A nordestina que não desiste nunca.
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