Um dia após ter defendido o afrouxamento na emenda do teto de gastos – instrumento de política orçamentária que proíbe que as despesas cresçam acima da inflação de um ano para o outro -, o presidente Jair Bolsonaro foi convencido pela equipe econômica a desistir da ideia. “Seria uma rachadura em um transatlântico”, disse nesta quinta-feira, 5, o presidente. Na quarta-feira, 4, o porta-voz da Presidência havia afirmado que Bolsonaro defendia o abrandamento do teto.
Em conversa com o presidente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, acertou que sua equipe vai negociar com o Congresso uma “calibragem” apenas nas normas para o acionamento dos chamados “gatilhos”. Previstos na regra do teto, eles são mecanismos que permitem ao governo reduzir despesas obrigatórias, por meio de medidas como suspensão de aumentos salariais dos servidores, da concessão de benefícios e de reajustes de despesas acima da inflação, inclusive do salário mínimo.
Hoje, do jeito que a emenda do teto foi aprovada, o acionamento dos gatilhos não é tecnicamente viável. Isso porque há uma contradição nas regras vigentes: pela norma, um gatilho só pode ser acionado após estouro do teto. Ao mesmo tempo, a lei define que o presidente pode ser responsabilizado criminalmente caso o teto de gastos seja descumprido. Diante disso, a equipe de Guedes tentará garantir o acionamento antecipado das medidas de ajuste, sem que seja preciso estourar o limite de gastos.
Além de tentar destravar o uso dos gatilhos, a equipe econômica trabalha em outras medidas para reduzir, em pelo menos R$ 10 bilhões, as despesas obrigatórias, como pessoal e Previdência, e abrir espaço no teto de gastos. Essa abertura permite aumentar a margem para os chamados gastos discricionários (não obrigatórios como despesas com o custeio da máquina e investimentos).
Em Fortaleza, o ministro Paulo Guedes garantiu que o governo e o Congresso estão prontos para “resolver o problema” fiscal do País. Para o ministro, os congressistas “entenderam a armadilha em que caíram” e estão com um diálogo maduro sobre a necessidade de reformas fiscais no País. “A armadilha do gasto obrigatório encurralou a classe política inteira”, disse.
Ele criticou os altos salários de servidores e citou o gasto com pessoal como um dos que pressionam as despesas. “O teto de gastos é um aviso dizendo o seguinte: não pode furar o teto mais. Então nós preferimos propor no pacto federativo o controle das despesas em vez de simplesmente furar o teto. Porque furar o teto é o que fazemos há 40 anos, e não deu certo.”
O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, confirmou ao Estado que a área técnica do governo está preparando medidas para reduzir as despesas obrigatórias – que respondem por 96% do Orçamento – e garantir o acionamento antecipado das medidas de ajuste. “A causa do problema é o crescimento das despesas obrigatórias, que avançaram R$ 200 bilhões em três anos”. Segundo ele, nesse ritmo não vai haver “espaço para mais nada”.
Bolsonaro teme “risco de inanição” no governo
O encontro entre Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, que serviu para o presidente voltar atrás na posição de flexibilizar a regra do teto de gastos, ajudou os dois a alinharem o discurso. Na conversa, Bolsonaro se disse “agoniado” por estar “amarrado à política econômica”, segundo seus auxiliares. Ele afirmou à equipe do ministro da Economia que teme o “risco de o governo morrer por inanição”.
Bolsonaro tem sido pressionado pelos políticos para que atenda as demandas regionais, mas não encontra espaço no Orçamento de nenhum ministério. Embora tenha entendido e concordado com a posição de Guedes de manter inalterado o teto de gastos, quer que as medidas para aumentar o espaço das despesas discricionárias, que tratam de investimento e custeio da máquina sejam apresentadas o mais rápido possível.
O timing do presidente e o do ministro da Economia são diferentes. Enquanto Guedes pensava em buscar uma solução só no ano que vem, Bolsonaro vê a necessidade de tirar a Esplanada do arrocho fiscal ainda este ano. O bloqueio orçamentário de R$ 34 bilhões já paralisa as atividades de alguns ministérios.
Auxiliares de Bolsonaro compararam a situação atual à de um hospital que tem uma ambulância parada no pátio, mas deixa o doente morrer sem transportá-lo para outro local que lhe dê atendimento simplesmente porque existe uma proibição de usá-la. Com esse raciocínio, o presidente tenta convencer a equipe econômica de que a solução tem de ser rápida porque “a chiadeira” está grande.
A conversa entre os dois, no gabinete de Guedes, aconteceu logo após o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, ter reiterado as falas de Bolsonaro criticando o teto de gastos. Rêgo Barros chegou a dizer que o presidente tinha encomendado ao ministro estudo para ajustar o teto, criado no governo do ex-presidente Michel Temer.
No Planalto, fontes disseram que o porta-voz não teria sido devidamente preparado para falar sobre o tema, o que ampliou o problema – embora o próprio Bolsonaro tenha dito, pela manhã, que rever o teto era “questão de matemática”. O presidente foi questionado depois de o Estado revelar que havia pressão da Casa Civil e da ala militar para que a regra fosse afrouxada.
Junção de ministérios
Nas conversas sobre o que pode ser feito para aliviar o Orçamento chegou a ser sugerida, e imediatamente descartada, a possibilidade de redução de três ministérios, unindo-os. Foi rejeitada pela economia pífia que poderia gerar e pelos problemas políticos que desencadeariam.
Para mostrar o tanto que está sendo pressionado e que é preciso encontrar uma solução rápida, Bolsonaro tem lembrado que recebeu a bancada de Santa Catarina para um café da manhã, quando foi pedido recursos para completar obras em estradas importantes do Estado, e considerou a reivindicação justa e viável de ser atendida.
No entanto, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, o alertou de que não teria como atender ao pedido, mesmo em 2020. Para Bolsonaro, a equipe econômica não pode ser tão inflexível e precisa ajudá-lo a garantir uma margem para atender às demandas políticas.
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