Especialistas analisam riscos de convulsão social em caso de condenação e culpam Madri por não responder
(foto: AFP / Josep LAGO)
Há pouco mais de um mês, nove líderes separatistas da Catalunha foram condenados a penas que variam de 9 a 13 anos de prisão. As sentenças deflagraram uma onda de violentos protestos que paralisaram Barcelona e cidades do entorno. As cenas de vandalismo e os protestos multitudinários podem se repetir hoje, quando o presidente catalão, Quim Torra, será levado por Madri ao banco dos réus para responder pelo crime de desobediência. Ontem, ao completar um ano e meio frente à liderança do movimento secessionista, ele reafirmou a promessa de “fidelidade à vontade do povo da Catalunha, representado pelo parlamento. Torra agradeceu “a confiança recebida” e reafirmou o compromisso de “trabalhar sem trégua para concluir o processo de independência”, escreveu no Twitter. Ainda que a sentença demore a ser conhecida, um veredicto de culpado, hoje, pode custar a inabilitação política de Torra e impactar a causa separatista.
Morador de Barcelona, o escritor e procurador catalão Jordi Vázquez lembrou ao Correio que Torra conta com o apoio dos partidos Juntos pela Catalunha (Junts x Cat) e Esquerda Republicana da Catalunha (ERC). Por serem claramente opostos a qualquer tipo de protesto violento, Vázquez minimiza o risco de una convulsão social nas próximas horas. “A inabilitação do presidente de um país é uma humilhação, mas não a pior. Ela simplesmente se somaria às decisões judiciais inéditas da Espanha. No entanto, como a classe política espanhola tem mil imputados por corrupção e nenhum inabilitado, uma condenação de Torra poderá intensificar as tensões”, comentou.
De acordo com Vázquez, na prisão ou no exílio, o movimento nacional catalão foi decapitado de políticos com liderança clara e carisma, como Jordi Cuixart, Carles Puigdemont, Jordi Sánchez e Raúl Romeva. “As condenações debilitaram o movimento, sob o ponto de vista qualitativo. Não existe uma direção coordenada. A ERC quer evitar um choque com a Espanha, o Junts x Cat não pretende dar nem um passo atrás, e o Candidatura de Unidade Popular (CUP) defende uma revolta social”, diz o escritor. Vázquez cita múltiplas ações de reforço à causa separatista: protestos nas ruas, o voto do parlamento pela autodeterminação, vitórias nas eleições europeias e locais, entre outras.
(foto: AFP / Josep LAGO)
Para Salvador Cardús i Rios, sociólogo da Universitat Autónoma de Barcelona, a sentença imposta a Torra pode demorar a ser anunciada. “Pode haver algum protesto nas ruas, mas não comparável às condenações anteriores. Um grave problema será a necessidade de substituir a figura de Torra dentro do parlamento catalão, algo difícil de resolver. Talvez as autoridades da Catalunha convoquem novas eleições”, disse à reportagem. Cardús analisa Torra como um intelectual que assumiu um papel complicado, sem ter ambições políticas. “Isso torna pouco comuns sua linguagem e seu estilo. O carisma emprestado pelo cargo, a sinceridade e a ausência de arrogância o fazem muito próximo do povo”, comenta.
Segundo ele, o movimento independentista segue com muita força e com capacidade de mobilização. “Isso pode ser comprovado a cada dia. O movimento utiliza inovadores mecanismos de auto-organização, como o Tsunami Democràtic, que atrai a atenção da comunidade internacional”, afirmou. Cardús entende que a incapacidade do governo espanhol em responder politicamente ao desafio secessionista fortalece as manifestações.
Assimilação
Andrew Dowling, especialista em história espanhola contemporânea pela Universidade de Cardiff (País de Gales), acredita que o movimento independentista catalão ainda não assimilou a derrota de outubro de 2017. Apesar de 90% dos 2,2 milhões de eleitores que saíram às urnas no referendo terem votado pela secessão, a independência não se tornou realidade. “Ainda mais importante é o fato de que a condenação dos líderes independentistas produziu um profundo sentimento de frustração, cansaço e injustiça. No caso de novas condenações, incluindo a de Torra, novas ondas de protestos são quase certas, segundo o gaulês. “Elas virão ao sabor do vento da expressão da emoção política.”
Dowling recorda que o movimento independentista teve caráter pacífico e cívico até outubro de 2017, mas o fracasso da separação resultou em uma fratura do movimento. “Alguns creem que se necessite de mais apoio social para tentar a independência mais uma vez. Outros, incluindo Quim Torra, defendem que a luta deva seguir até o fim. Até agora, as sentenças favoreceram essa última categoria. Podemos esperar por mais ações e desobediência. A tranquilidade não está no horizonte”, advertiu.
Político por acidente
Joaquim Torra i Pia, mais conhecido como Quim Torra, é advogado, editor, escritor e político catalão. Nascido em 28 de dezembro de 1962, foi eleito presidente da Catalunha em 14 de maio de 2018, ocupando o cargo deixado por Carles Puigdemont, hoje refugiado na Bélgica. Em 17 de outubro passado, depois da condenação imposta por Madri aos seus colegas, ele chegou a propor novo referendo sobre a independência da Catalunha ainda durante seu mandato. Torra prometeu encerrar a legislatura, no início de 2022, “validando a independência” e “reexercitando o direito à autodeterminação”.
Pontos de vista
Por Jordi Vàzquez
Sem carisma e muito culto
“Quim Torra é um intelectual, não um político carismático. Foi eleito presidente depois de três tentativas de outras pessoas, como Carles Puigdemont. Ele trabalhou na Suíça para a seguradora Zurich e foi editor, mas não é um homem de massas. Nos meses em que governou, conseguiu simpatias: é independente, tenaz, trabalhador, um homem de conversação, culto e honesto. Também acredita, realmente, que luta pelos direitos fundamentais dos catalães e pela democracia.”
Escritor e procurador catalão, morador de Barcelona
Por Andrew Dowling
Estranho na política
“O presidente Quim Torra é um ativista, um escritor que jamais esperava ingressar no mundo da política. Ele não a conhece e ela não é o seu ambiente. Tem um compromisso absoluto com a causa independentista e com a independência da Catalunha,s em sua prioridade. Ele tenta combinar o papel institucional como presidente regional e o apoio do ativismo de rua. Politicamente, é conservador e católico. Não se trata de um líder carismático.”
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