Depois de 12 dias de “noivado”, o casamento pode enfim sair nesta quarta-feira (29/1). O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem, no Palácio da Alvorada, depois de voltar da viagem à Índia, que telefonaria para a atriz Regina Duarte para ver com ela a disponibilidade de nomeação para a Secretaria Especial da Cultura sair hoje. “Seria excepcional. Ela tem conhecimento e precisa de gente com gestão ao seu lado. Tem cargo para isso. Tem tudo para dar certo”, afirmou.
Regina foi convidada para o cargo para substituir Roberto Alvim, demitido no último dia 17, após divulgar um vídeo em que emulava Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, ao divulgar um edital de incentivo às artes no Brasil. O edital foi cancelado. Antes de dizer um “sim” categórico, a Namoradinha do Brasil pediu um tempo para conhecer a estrutura do órgão e as atribuições do cargo e definiu esse período como um “noivado”.
Bolsonaro disse que Regina apresentou para ele uma proposta “bastante atrativa”. “Conversei com ela. Como tratar a questão da cultura no Brasil sem o viés de esquerda que tinha aí, só dava minoria. Tá certo? E queremos cultura ao povo em geral”, afirmou. A atriz compartilhou no domingo passado (26), no Instagram, um vídeo no qual o jornalista mineiro e ex-BBB Adrilles Jorge critica o “marxismo cultural”.
(foto: Facebook/reproduçao)
No programa Jovem Pan morning show, da rádio Jovem Pan, Adriles afirmou que o marxismo cultural coloca “negros contra brancos, mulheres contra homens, homossexuais contra heterossexuais”. Ao compartilhar o vídeo, Regina Duarte disse que o depoimento era “bacana, profundo, super- real” e perguntou: “Quem é esse cara?!”. O vídeo que a atriz compartilhou é editado e não mostra o apresentador do programa, Guga Noblat, rebatendo as afirmações de Adriles com a afirmação de que “marxismo cultural” é uma “teoria conspiratória que ninguém leva a sério”.
Embora não tenha sido oficialmente nomeada, na semana passada Regina convidou a atual secretária de Diversidade Cultural, Jane Silva, conhecida como Reverenda Jane, para o cargo de secretária-adjunta da pasta. A Secretaria Especial da Cultura foi criada em janeiro de 2019, quando Bolsonaro extinguiu o Ministério da Cultura (MinC).
A secretaria passou a ser subordinada ao Ministério da Cidadania, comandado por Osmar Terra. Em novembro, quando Roberto Alvim assumiu o cargo de secretário, a entidade foi transferida para o Ministério do Turismo. Apesar de o governo nunca ter admitido isso publicamente, a mudança provavelmente se deu devido às divergências entre Alvim e Terra.
No entanto, a transferência não foi completa. O site da Secretaria da Cultura e sua assessoria de imprensa continuam ligados à pasta da Cidadania, que gere também os recursos da secretaria. Porém as nomeações, exonerações e decretos estão sob a responsabilidade do Turismo, cujo titular é Marcelo Álvaro Antônio.
O decreto da alteração afirma que “até a data de entrada em vigor da nova Estrutura Regimental do Ministério do Turismo, os órgãos transferidos permanecem integrando a estrutura do Ministério da Cidadania, mantidas as competências em vigor” e diz ainda que “o Ministério da Cidadania continuará prestando o apoio necessário ao funcionamento dos órgãos transferidos”.
Atribuições
Cabe à Secretaria Especial da Cultura atuar na formulação de políticas, programas, projetos e ações que promovam a cidadania por meio da cultura. São também de sua responsabilidade a promoção do acesso aos bens culturais, a gestão da economia criativa brasileira e a proteção dos direitos autorais. O setor audiovisual e a Agência Nacional do Cinema (Ancine) estão sob o guarda-chuva da secretaria, assim como o Programa Nacional de Cultura, o Programa de Incentivo à Leitura, o Programa de Cultura do Trabalhador e o Programa Nacional de Apoio à Cultura, este instituído pela Lei Rouanet.
Ao receber o convite para comandar a secretaria, Regina fez a reticência de que “há um ministério complicado aí”, sugerindo desconforto em atuar ao lado do ministro do Turismo, denunciado pelo Ministério Público por seu suposto envolvimento no esquema de desvio de recursos públicos por meio de candidaturas femininas de fachada nas eleições de 2018. Especula-se que Regina passaria a se reportar diretamente ao presidente, no que seria uma condição para a atriz aceitar o cargo.
A estrutura da Secretaria Especial da Cultura conta com sete entidades, sendo três autarquias e quatro fundações: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Agência Nacional do Cinema (Ancine), Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), Fundação Cultural Palmares (FCP), Fundação Nacional de Artes (Funarte) e Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Há ainda seis secretarias nacionais: Secretaria da Economia Criativa (SEC), Secretaria do Audiovisual (SaV), Secretaria de Diversidade Cultural (SDC), Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic), Secretaria de Difusão e Infraestrutura Cultural (Seinfra), e a Secretaria de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual (Sdapi).
O orçamento do órgão para 2020 é de R$ 2 bilhões. Desse total, estão previstos R$ 404 milhões para o Fundo Nacional da Cultura (FNC) e entidades vinculadas. O montante também inclui gastos com pessoal ativo e com custeio, como luz, aluguel e telefone. A assessoria de imprensa da Secretaria Especial da Cultura não soube precisar o número de funcionários de que dispõe.
Atuação política de Regina tem apoio a FHC e “medo” de Lula
Se de fato aceitar o comando da Secretaria Especial da Cultura na gestão Jair Bolsonaro, Regina Duarte, de 72 anos, assumirá o papel mais inusitado em sua trajetória. A atriz, um ícone da televisão e um dos principais nomes da teledramaturgia da Rede Globo, passará a receber R$ 17.327,65 por mês, abrindo mão do salário fixo de R$ 60 mil na emissora carioca – esse valor sobe para R$ 120 mil quando ela está no ar. Regina é um dos poucos artistas da Globo ainda contratados pelo regime da CLT. Seu trabalho mais recente foi a Madame Lucerne, dona de um bordel na novela das 18h Tempo de amar (2018).
Regina Duarte em Selva de Pedra
(foto: TV Globo / CEDOC)
Regina estreou em 1965 na extinta TV Excelsior. Quatro anos depois, foi contratada pela então iniciante TV Globo. Ganhou o título de “Namoradinha do Brasil” quando estrelou o folhetim global Minha doce namorada, em 1971, interpretando a órfã Patrícia. Ao longo de sua carreira, fez papéis memoráveis, como a doce Ritinha de Irmãos coragem (1970), a sofrida Simone da primeira versão de Selva de pedra (1972), a empoderada Malu, do seriado Malu mulher (1979-1980) – época em que conheceu Fidel Castro (1926-2016) em Cuba; a hiperbólica Viúva Porcina de Roque Santeiro (1985), a batalhadora Raquel Accioli de Vale tudo (1988), a emergente Maria do Carmo em A Rainha da sucata (1990), além de três Helenas de Manoel Carlos (História de amor, de 1995, Por amor, de 1997, e Páginas da vida, sua última protagonista na televisão).
Palanque
Sua aproximação com a política começou em meados dos anos 1970, durante a ditadura militar. Em entrevista ao Conversa com Bial, em maio do ano passado, ela declarou que chegou a “se enfiar debaixo de porta de loja na 25 de Março para fugir da cavalaria” e, anos depois, subiu em palanque no Vale do Anhangabaú ao lado de Lula pela campanha das Diretas já. Nessa época, passou a ter mais contato com Fernando Henrique Cardoso.
Quando ele se candidatou à Prefeitura de São Paulo, em 1985, Regina, que na ocasião estava no ar em Roque Santeiro, fez campanha para FHC. A popularidade que a trama e sua personagem tinham na época não foram suficientes para que o amigo vencesse, já que quem levou a melhor foi Jânio Quadros, por uma diferença de apenas 141 mil votos.
A relação com Fernando Henrique foi se estreitando e, em 1998, quando ele se candidatou à reeleição ao Palácio do Planalto, lá estava Regina Duarte de novo pedindo votos. Mas, dessa vez, o sociólogo venceu. No primeiro mandato do tucano, ela foi nomeada integrante do Conselho Consultivo do Programa Comunidade Solidária da Casa Civil. O colegiado, presidido pela então primeira-dama Ruth Cardoso – de quem Regina era muito amiga – tinha 21 representantes da sociedade civil e o objetivo de combater a pobreza e a exclusão social.
Nas eleições de 2002 Regina teve sua participação política mais lembrada e polêmica. Ela apoiou políticos do PSDB, incluindo José Serra, que disputava a Presidência da República. No programa eleitoral do candidato, a atriz declarou, em tom grave: “Estou com medo”.
O temor era de que Lula fosse eleito, o que acabou ocorrendo, e que isso implicasse revés para a economia. O vídeo motivou uma reação do PT em que a atriz Paloma Duarte (nenhum parentesco com Regina) diz ter procurado o partido para mostrar sua indignação com relação à campanha de Serra, a quem acusou de fazer terrorismo psicológico.
Em 2018, declarou seu voto em Jair Bolsonaro, que já a havia sondado anteriormente para assumir a Cultura no governo. De acordo com reportagem publicada pela revista Veja, a atriz deve R$ 319,6 mil aos cofres públicos por irregularidades no uso da Lei Rouanet.
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