Conecte Conosco

Saúde

Vermífugo é testado contra o coronavírus no Brasil

Publicado

em

Pesquisadores estudam nova dose e esquema de uso com medicamento para impedir que quadros moderados de Covid-19 evoluam para a forma grave

Cientistas brasileiros avaliam antiparasitário contra o coronavírus. (Foto: GI/Getty Images)

Antivirais, anti-inflamatórios, anticorpos monoclonais, anticoagulantes… Na busca por um tratamento seguro e eficaz contra a infecção pelo coronavírus, outra classe de remédios está na mira da ciência, os vermífugos ou antiparasitários. No Brasil, o laboratório Farmoquímica (FQM) e hospitais do estado de São Paulo começaram a testar o medicamento nitazoxanida em pessoas com Covid-19. O princípio ativo está em um dos vermífugos mais comercializados do país. Mas, no estudo que engloba 50 pacientes com quadro moderado, os pesquisadores se valem de uma dosagem e de um esquema de uso diferentes.

Assim, de antemão avisamos: não faz sentido comprar vermífugos na farmácia pensando na prevenção ou no controle do coronavírus, ok?

A ideia de usar a nitazoxanida na Covid-19 faz parte de uma estratégia maior chamada reposicionamento de medicamentos. A lógica é a seguinte: pega-se um fármaco já consagrado e aprovado contra outra doença e que teria potencial para debelar a infecção pelo vírus Sars-CoV-2 ou suas complicações e se avalia seu comportamento nesse novo contexto.

Foi o que aconteceu com a cloroquina (com resultados bem controversos por ora), com o antiviral remdesivir (aprovado para uso emergencial nos Estados Unidos)… E, agora, com o antiparasitário.

Mas de onde veio essa história de empregar um vermífugo contra o vírus? Vinicius Blum, gerente executivo de Assuntos Médicos e Pesquisa Clínica da FQM, conta que a nitazonaxida não mata só vermes lá no intestino. “Ela tem ação contra protozoários e contra dois vírus intestinais, o rotavírus e o norovírus, que costumam causar aqueles surtos de diarreia”, explica. 

Experimentos de laboratório mostraram, ainda, que a medicação consegue inibir o vírus Sars-CoV-1, o parente mais próximo do patógeno da Covid-19 capaz de provocar doença em humanos e associado a ataques sobretudo na Ásia nos anos 2000. “Em laboratório, existem indícios de uma atividade importante até contra o ebola e já foram realizados testes com humanos para o vírus influenza, que causa a gripe“, relata Blum.

Daí a sacada de experimentar a substância contra o coronavírus por trás da pandemia.

O médico conta que a nitazoxanida atua em três frentes de combate. “Quando você pega uma infecção viral, o organismo dispara uma reação imunológica e libera uma molécula chamada interferon que age em nossa defesa. Só que alguns vírus conseguem dar uma tapeada na nossa imunidade e, aí, o corpo não produz interferon como deveria. Ou seja, o vírus ganha terreno. Sabemos que o medicamento aumenta a capacidade de o organismo fabricar o interferon”, descreve Blum.

Segundo o gerente médico da FQM, esse primeiro mecanismo de ação seria vantajoso porque reduziria o risco de o vírus se tornar resistente à droga. O segundo efeito da nitazoxanida é mais direto contra o agente infeccioso. “Ela é tóxica para o vírus e interfere em algumas etapas da sua replicação”, aponta Blum. Com isso, haveria menos cópias para se alastrar e tomar as células.

Por fim, especula-se que o fármaco tenha um efeito particularmente proveitoso na Covid-19. “Temos dados de que ele inibe uma resposta exagerada do sistema imune“, diz o médico.

Isso seria significativo porque alguns pacientes com o coronavírus desenvolvem uma reação inflamatória fora de proporção — batizada pelos cientistas de tempestade inflamatória — e capaz de complicar a situação para os pulmões e outros órgãos. É em função dela que as pessoas tendem a parar na UTI ou mesmo morrer.

A prova de conceito

Com essas informações em mãos, pesquisadores testaram em laboratório a nitazoxanida contra o Sars-CoV-2, o inimigo da vez. E ela se saiu bem. É claro que há uma longa distância entre uma experiência com células ou cobaias e o efeito no corpo humano… E é por isso que, cientes de que o remédio tem baixo índice de toxicidade, a indústria e os médicos planejaram fazer um estudo clínico, aquele em gente como a gente.

Foram recrutados 50 pacientes com quadro de Covid-19 moderado. “São pessoas com sintomas como febre e tosse e que procuraram o hospital com falta de ar“, resume o infectologista Sérgio Cimerman, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, e um dos médicos participantes da pesquisa. Ou seja, eles não estavam bem a ponto de ter de procurar atendimento, mas não estavam tão mal a ponto de ir para a UTI.

Cimerman explica que metade dos voluntários recebe o remédio e o restante um placebo (comprimidos sem o princípio ativo). Trata-se de um estudo randomizado e duplo-cego. Traduzindo: pacientes são sorteados para receber remédio ou placebo e nem eles nem os profissionais que os administram sabem quem recebeu o quê. Isso evita enviesamentos que podem comprometer a validade dos resultados. A pesquisa foi aprovada por um comitê de ética e está registrada em órgãos competentes do governo.

Os pacientes receberão a nitazoxanida em dosagem diferente daquela encontrada no mercado com o produto antiparasitário Annita, cujos comprimidos têm 500 miligramas do princípio ativo e são usados por três dias. No estudo, a formulação conta com 600 miligramas de nitazoxanida e os remédios serão utilizados por mais tempo (de sete a 14 dias) em regime de 12 em 12 horas.

“A primeira pergunta que queremos responder é se a medicação reduz a carga viral. Sabemos que, na Covid, uma maior carga viral está relacionada a uma evolução mais grave e tormentosa”, conta Blum. A partir disso serão investigadas as melhoras dos pacientes.

“Vamos avaliar se a quantidade de vírus diminui e se os pacientes deixam de progredir com gravidade para insuficiência respiratória, o que exige UTI e está associado a maior risco de óbito”, diz Cimerman, que também é diretor científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). “O estudo é uma prova de conceito. Se o resultado for positivo, a ideia é fazer uma pesquisa com um número maior de pacientes e, se confirmado o efeito, poderemos ponderar se vale ou não associar a droga com outros remédios com potencial”, projeta o especialista.

Ainda no estudo, Blum explica que, se antes do prazo for detectado que alguns pacientes estão melhorando mais do que outros, pode-se quebrar o cegamento (aquele critério que ninguém sabe o que está tomando, nem os médicos) e administrar a medicação de verdade para os voluntários que estavam tomando placebo.

Os resultados preliminares devem sair nas próximas semanas. Lá fora, outros experimentos também estão em curso, inclusive avaliando a associação da nitazoxanida com outros remédios (caso da hidroxicloroquina). Também há estudos com outra classe de antiparasitário, a ivermectina.

Blum acredita que uma das vantagens da nitazoxanida, se ela passar pela prova de conceito, é o custo mais acessível em comparação com drogas como antivirais e anticorpos monoclonais. “Se tudo der certo nas pesquisas, uma nova medicação e uma nova marca devem surgir para esse novo momento”, contextualiza o executivo da FQM.

Isso reforça aquele recado anterior de que não adianta comprar vermífugos disponíveis hoje com o objetivo de se resguardar do coronavírus — o próprio Annita virou medicamento de uso controlado. Temos de esperar as respostas da ciência.

Clique aqui para comentar

Você precisa estar logado para postar um comentário Login

Deixe um Comentário

Copyright © 2024 - Todos os Direitos Reservados