A nova etapa da reforma tributária em estudo pelo governo vai modificar o modelo de tributação de profissionais liberais que prestam serviços por meio de empresas e conseguem receber remunerações em forma de lucro livre do pagamento de impostos. Escritórios de advocacia, contabilidade, assessoria econômica e de comunicação, que hoje pagam alíquota de 3,65% de PIS/Cofins e distribuem cerca de 85% do que faturam sem pagar impostos, estão se mobilizando contra a proposta de criação da nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e, principalmente, contra a volta da tributação sobre lucros e dividendos (pagamentos que os acionistas recebem pelo lucro gerado).
O modelo atual levou à famosa “pejotização”: trabalhadores mais qualificados deixam de ser contratados como pessoa física por uma empresa e passam a prestar serviço como pessoa jurídica. O PJ, pessoa jurídica, paga cerca de um terço, ou até menos, de tributos em comparação a um empregado registrado, mesmo exercendo tarefas idênticas. Para o consultor Thales Nogueira, o fenômeno da “pejotização” contribui para aumentar a desigualdade de renda no Brasil nos últimos anos ao tributar menos quem ganha mais.
De acordo com os dados mais recentes do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), o porcentual médio de renda isenta dos profissionais liberais chega a 76% entre os advogados, 75% entre economistas, 71,6% entre agentes e representantes comerciais, e 68,6% entre produtores rurais (ver quadro).
Embora a proposta do governo federal só esteja tratando do PIS/Cofins, a alíquota prevista de 12% é muito maior do que os 3 65% pagos atualmente por esses profissionais. No caso do novo imposto que deve substituir o PIS/Cofins, especialistas ouvidos pelo Estadão lembram que essas empresas poderão usar o crédito que vão gerar ao longo da cadeia produtiva (à medida que forem comprando produtos) para abater no pagamento do imposto, mas quando o serviço for prestado a uma pessoa física (consumidor final), não haverá crédito a ser abatido e, portanto, a carga tributária será mesmo maior.
Arrecadação
Já a retomada da tributação dos lucros e dividendos, que existia até 1996, deve ser incluída na reforma tributária do ministro da Economia, Paulo Guedes, com o objetivo de aumentar a arrecadação para bancar o novo programa social estudado pelo governo, o Renda Brasil, que deve substituir o Bolsa Família, com um benefício maior e mais famílias contempladas. Essa tributação deve ser progressiva, ou seja, quem distribuir mais lucros, pagará uma alíquota maior – nos moldes do Imposto de Renda.
Hoje, esses profissionais pagam imposto sobre o lucro da empresa mas os porcentuais são bastante baixos em função dos regimes simplificados de tributação. “É praticamente um caso de dupla não tributação dos lucros”, diz o economista Sérgio Gobetti, lembrando que o Brasil é um dos poucos países do mundo que isenta os dividendos distribuídos pelas empresas.
As propostas de reforma que estão sendo discutidas na comissão mista do Congresso não alteram a tributação de lucros e dividendos, mas o debate se acirrou na esteira das Criticas de profissionais liberais de que haverá aumento da carga tributária com a alíquota mais alta da CBS de 12%.
O descontentamento foi maior entre os advogados. O presidente do Conselho Federal da Ordem de Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, chegou a declarar que a entidade “iria à guerra” no Congresso contra a proposta.
“Os dados da Receita para 2018 mostram que nenhuma ocupação se beneficiou mais do privilégio do que os advogados”, disse Pedro Fernando Nery, consultor do Senado. Segundo ele, com a isenção vigente sobre lucros e dividendos, os brasileiros mais ricos se livram de pagar o imposto de renda sobre a pessoa física.
O procurador tributário da OAB, Luiz Bichara, rebate às críticas e argumenta que é preciso entender que o uso da sistemática não é uma prerrogativa dos advogados. “O que alguns burocratas entendem por ‘benefício’ nada mais é do que um regime válido para a esmagadora maioria dos empreendedores brasileiros”, diz.
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