Centro-Oeste
Mulheres são maioria em unidades de atendimento médico na capital do país
Na linha de frente da saúde pública, elas já são maioria nas funções mais básicas e nos altos cargos em órgãos e unidades de atendimento médico no Distrito Federal, onde representam 69% da força de trabalho nos serviços de emergência
Apesar de a medicina ainda ser a profissão mais masculina entre os serviços em saúde, o número de mulheres médicas vem crescendo desde 2009, de acordo com estudos demográficos da Associação Médica Brasileira e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de 2023. As projeções da pesquisa para este ano apostam que, pela primeira vez, teremos mais médicas do que médicos no país (50,2%).
Na Secretaria de Saúde do Distrito Federal, não somente o cargo mais alto está ocupado por uma mulher, Lucilene Florêncio, como a maioria dos postos da alta gestão. Em 2019, a enfermeira Amanda de Mello Climaco, 35 anos, participou de um processo seletivo, tendo se tornado, no mês de dezembro, coordenadora da UPA de São Sebastião. O avô dela era médico e a avó, dona de casa. “Nós estamos mudando esse antigo fato no mercado de trabalho. Agora, nós, mulheres, somos maioria na área da saúde”, afirma. Essa realidade pode ser comprovada por índices. Atualmente, 60% das UPAs do DF são coordenadas por mulheres, segundo o Iges.
Em três meses, Amanda viveu um dos maiores desafios da vida: chefiar uma equipe de atendimento intensivo e 24 horas durante a maior crise sanitária do século. À época da pandemia de covid-19, as UPAs foram a porta de acesso ao serviço de saúde para os casos mais graves de coronavírus.
“O mais difícil foi gerir uma equipe com tanto medo ao redor de nós. Tínhamos medo de adoecer, de levar o vírus para casa e infectar nossos familiares, de morrer. Foi muito difícil”, conta a enfermeira. O jeito que ela arrumou para tranquilizar a equipe foi se mostrar próxima e acompanhar todos os procedimentos. “Então, começaram as perdas, e essa foi a parte mais dolorosa. Muitas pessoas da equipe traziam seus parentes para a UPA e alguns faleceram.
A parte mais assustadora para Amanda era a possibilidade de levar o vírus para casa. Na época, morava com os pais e a avó, todos os três faziam parte do grupo de risco. “Durante um tempo, eu não voltava para casa. Passei a dormir no hotel ou na casa do meu namorado, que é médico e também estava na linha de frente dos serviços de saúde.” As filhas dela precisaram morar na casa dos avós, já que não tinham aulas presenciais na escola nem podiam ter contato com a mãe. “Quando eu ia para casa, chegava e tirava a roupa toda, já colocava para lavar e tinha o mínimo de contato possível com a família”, lembra.
Assim como foram essenciais durante a pandemia de covid-19, as UPAs continuam sendo a porta de entrada para os casos mais graves durante a atual epidemia de dengue. A UPA de São Sebastião, por exemplo, já atendeu mais casos do que o Hospital do Paranoá, segundo a assessoria de imprensa do Iges.
Gerir a UPA durante a epidemia da dengue também está sendo um desafio para a enfermeira. Com o aumento da demanda de atendimentos e agravamento dos sintomas, ela afirma que o mesmo quadro de perdas de familiares pela equipe de trabalho já é uma realidade. “A dengue não está para brincadeira”, lamenta. No cargo de coordenação, Amanda trabalha, de segunda a sexta, das 8h às 18h. Quando chega em casa, ainda precisa fazer o jantar, limpar e organizar a casa. A mesma realidade de muitas mulheres brasileiras, independentemente da atuação profissional. Amanda relata, no entanto, que conta com a parceria do namorado para dividir as atividades domésticas.
Enfermagem não foi a primeira graduação de Amanda. Primeiro, formou-se em gastronomia. “Essa, sim, é uma área muito masculina. Nós, mulheres, não temos espaço e é muito difícil se inserir no mercado de trabalho”, reflete. Por conta de tais dificuldades, decidiu se aventurar na área da saúde, com a qual flertava desde adolescente. Iniciou o curso de enfermagem na Centro Universitário de Brasília (Ceub) e concluiu a graduação com um internato na Escola de Enfermagem da Universidade de Coimbra, em Portugal. De volta ao Brasil, a enfermeira passou algum tempo trabalhando em hospitais particulares até realizar a seleção do Iges para se tornar enfermeira assistencial na UPA. Em pouco tempo, assumiu o cargo de coordenação.
Segundo ela, em oposição à gastronomia, área na qual vê muito demarcadas as relações e diferenças de gênero, na área da saúde, por ter funções integradas, não se sente oprimida pelo fato de ser mulher. “A saúde é um mundo muito feminino, praticamente toda a minha equipe é formada por mulheres, e na alta gestão das unidades de saúde também”, comemora. “Estamos mostrando a nossa força para o mundo, na linha de frente da saúde pública”, completa.
Especialistas
Na capital, as mulheres também representam a maioria dos profissionais de saúde. Nos serviços de emergência, no Hospital de Base, no Hospital Regional de Santa Marta (HRSM) e nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), elas representam 69% da linha de frente nos atendimentos. Na rede particular de saúde, a presença de mulheres em cargo de chefia também é marcante.
No Hospital Sírio-Libanês, localizado na Asa Sul, 62% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. Esse número inclui a presidência do hospital em Brasília, composta pela Sociedade Beneficente de Senhoras Sírio-Libanês, com cargos passados de mãe para filha, de tia para sobrinha e assim por diante. A presidente do hospital é sempre eleita internamente, apenas com votos de mulheres.
Em termos de médicos especialistas, os homens ainda predominam. Eles são maioria em 36 das 55 áreas médicas. Na neurologia, as médicas contabilizam 43% dos profissionais.
A médica Luciana Mendonça Barbosa, 37 anos, é coordenadora do serviço de neurologia de Brasília no Hospital Sírio-Libanês desde o mês de janeiro. Ela também coordena a pós-graduação de cuidados ao paciente com dor da instituição.
Formada em medicina pela Universidade de Brasília (UnB), a médica se especializou em neurologia na Universidade de São Paulo (USP), onde também cursou o doutorado em ciências da dor. De volta à capital federal, ingressou no Sírio-Libanês como neurologista. A partir do atendimento a pacientes, ela foi indicada a cargos de gestão, de forma “quase natural”.
A rotina diária da médica é dinâmica, ela precisa se dividir entre as atividades administrativas do cargo de gestora, as consultas de pacientes e a assistência à equipe. “A minha parte preferida é o aprendizado. Gerir tudo isso requer muitas habilidades”, avalia a neurologista, que reparou um padrão entre as pacientes atendidas: são mulheres, na idade ativa de trabalho, multitarefas, sofrendo com dor crônica.
“A sobrecarga com as milhões de tarefas que nós, mulheres, temos, acaba nos adoecendo. O tempo que não tiramos para dormir e cuidar de nós mesmas, descontamos na ansiedade e no estresse, o que acaba trazendo a convivência com a dor”, afirma. E completa: “Preciso me observar para não acabar sobrecarregada e doente”.
De família mineira, Luciana nasceu em Brasília. Morou a vida toda na Asa Sul. Segundo ela, fez o vestibular de medicina “às cegas”, com 17 anos, só porque gostava de estudar e enxergou uma potência no curso. Hoje, é a primeira médica da família. Olhando para trás, enxerga que o perfil de gestora sempre esteve dentro dela. Desde os tempos de escola, sempre era eleita representante estudantil. Na faculdade, esse perfil se desfez, ela queria focar nos estudos. Quando começou a trabalhar, por todos os empregos onde passou, resolvia todos o problemas que iam aparecendo.
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