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Poluição mata 50 toneladas de peixes em SP; usina é multada em R$ 18 milhões

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Segundo estimativa da Cetesb, morreram ao menos 235 mil espécimes nativos em decorrência da poluição

O despejo de uma substância poluente causou a morte de 50 toneladas de peixes entre os dias 7 e 15 deste mês, no Rio Piracicaba, no interior de São Paulo, de acordo com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). A maior mortandade aconteceu na região do Tanquã, reserva ambiental conhecida como Mini Pantanal Paulista.

Segundo estimativa da Cetesb, morreram ao menos 235 mil espécimes nativos em decorrência da poluição. A agência informou ter identificado a relação direta entre o extravasamento de resíduos da cana-de-açúcar na Usina São José e a morte dos peixes. A substância poluente resulta do processo industrial e do melaço da cana-de-açúcar utilizado na fabricação de açúcar e álcool.

O montante da multa foi agravado pelo alto volume de peixes mortos e pelo atingimento de área de proteção ambiental. A agência ambiental vai estabelecer exigências técnicas e medidas corretivas a serem adotadas pela usina.

Conforme a agência, com o extravasamento na usina, no dia 7, as águas residuárias com mel de cana-de-açúcar, substância densa e de difícil diluição, foram arrastadas para o Ribeirão Tijuco Preto, afluente do Piracicaba. A água ficou ácida e a carga orgânica foi levada até o Rio Piracicaba, reduzindo o nível de oxigenação da água a zero e inviabilizando a vida aquática. A poluição foi arrastada por cerca de 60 quilômetros, se acumulando no Tanquã, onde causou outro grande evento de mortandade na última segunda-feira, 15.

A agência usou imagens de satélite e colhidas por drones para quantificar o número de animais mortos e realiza tratativas para a retirada das carcaças, objetivando interromper a contaminação do local. Uma força-tarefa que reúne outros órgãos do governo, como a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística e Fundação Florestal, além da Cetesb, atuará em parceria com a prefeitura de Piracicaba para remover os peixes mortos.

Segundo a empresa, termo de vistoria ambiental da Polícia Militar Ambiental de 8 de julho conclui não ter havido “apontamento de danos ambientais no ato da vistoria”. O mesmo documento, segundo a usina, aponta a existência de uma galeria pluvial sob a Ponte do Funil, que estaria “despejando um líquido perene com volume alto, amarelado e odor forte, através de uma manilha de plástico de 10 polegadas”.

O local fica a 12 quilômetros da usina, entre Santa Bárbara d’Oeste e Limeira, e não foi considerado no relatório final apresentado nesta sexta, segundo a empresa.

Ainda conforme a usina, o relatório aponta “lançamento de efluentes de cor escura e odor característico de esgoto sanitário” e “carreamento de material flutuante” em saídas de estações de tratamento de efluentes no Ribeirão dos Toledos, em Santa Bárbara d’Oeste, mas não aprofunda investigações a respeito. “As operações da usina estavam interrompidas desde 2020, tendo sido retomadas somente em maio de 2024; nos últimos 10 anos houve pelo menos 17 ocorrências dessa natureza na região”, afirma.

A Usina São José informou ainda que não tem produção de etanol e, portanto, não gera a vinhaça, subproduto presente em vários dos casos registrados anteriormente. “O relatório não menciona inspeção e monitoramento em empresas que tenham sido autuados anteriormente, nem em outros trechos do rio onde possa ter havido eventuais despejos irregulares.”

50 toneladas de peixes mortos

A prefeitura de Piracicaba informou que usa tratores aquáticos para remover as 50 toneladas de peixes mortos, segundo cálculos de seus técnicos. Os trabalhos começaram na tarde desta sexta-feira e devem prosseguir durante o fim de semana.

As máquinas vão recolher o material e levá-lo até a margem, onde caminhões farão o carregamento e o transporte até o aterro sanitário, em Piracicaba, para fazer o descarte do material. Os peixes que morreram na área urbana do município, no início da mortandade, já foram recolhidos e totalizaram 2,97 toneladas.

O Ministério Público, através da promotoria cível de Piracicaba, abriu inquérito nesta quinta-feira, 18, para apurar a mortandade. O MP informou ter acionado o plantão da Cetesb quando os primeiros peixes apareceram mortos. Na terça, 16, os promotores do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) estiveram em vistoria na Usina São José, em Rio das Pedras. Segundo o MP, a extensão dos danos está sendo avaliada.

O inquérito está em trâmite no Gaema de Piracicaba. “Além das medidas administrativas de caráter urgente e necessárias responsabilizações civis (reparação de danos materiais e morais) e criminais, mais uma vez essa nova mortandade de peixes demonstra a necessidade de recuperação da qualidade e das condições do Rio Piracicaba, que se encontra em preocupante situação de vulnerabilidade”, disse, em nota o MP.

O ecossistema úmido, com lagoas e braços de rios, semelhante ao Pantanal sul-mato-grossense, abriga 290 espécies de aves, muitas delas aquáticas, 12 de répteis, 19 de mamíferos, 25 de anfíbios e 89 de peixes. Muitas aves são migratórias e fazem escala no local para se alimentar. Desde 2018, o Tanquã é considerado Área de Proteção Ambiental (APA) do governo estadual, sendo de uso sustentável, podendo ser explorada por atividades de baixo impacto, como a pesca e o turismo.

Pesca comprometida

O pescador Francisco Chagas, de 43 anos, da Colônia de Pesca Z-20 de Barra Bonita, disse que a mortandade vai comprometer a pesca no Rio Piracicaba e no lago de Barra Bonita nos próximos cinco anos ou mais. “Morreu dourado de 10 quilos, um peixe que leva dez anos para chegar a esse peso. Morreu curimbatá, pacu, corvina, mandi, traíra e piapara, que são peixes nativos, que demoram para crescer. É diferente do peixe criado em tanque-rede, tratado com ração”, disse.

Chagas, que é filho de pescador e “nascido na beira do rio”, conta que já viu quatro ou cinco mortandades de peixes no Rio Piracicaba, mas nenhuma tão grande como esta. “Essa peixada toda estava voltando da piracema, tinha subido o rio para desovar e voltava para povoar a área onde pescamos. Morreu tudo. São centenas de pescadores como eu que vão ficar sem trabalho por três, quatro, ou mais anos. Os barcos da nossa e de outras colônias estão todos parados”, disse.

De acordo com o professor Flávio Bertin Gandara Mendes, do Departamento de Ciências Biológicas da Esalq/USP, o impacto na fauna aquática pode ser revertido, mas é um processo contínuo e deve durar vários anos. “A mortandade foi muito grande e matou peixes de grande porte, como pintados e dourados, que levam anos para crescer. Na próxima piracema, virão poucos filhotes e haverá uma redução drástica na oferta de peixes, não só para a pesca, mas para uma fauna grande que depende dessa cadeia alimentar”, disse.

Segundo ele, além de aves aquáticas que vivem na região, como o gavião-caramujeiro e a águia-pescadora, serão afetadas as aves migratórias que fazem escala no Tanquã para se alimentar. Entre elas estão aves de grande porte do Pantanal, como o tuiuiú e o cabeça-seca. “As migratórias menores, que fazem longos percursos, vão fazer escala em outros locais, mas ficarão mais vulneráveis até que o rio volte a ter peixes. Uma estratégia para abreviar esse tempo é fazer a soltura de alevinos”, disse.

Para isso, segundo o especialista, é preciso aguardar que as condições do rio melhorem. Os poluentes que passaram pelo Tanquã podem estar agora contaminando o lago de Barra Bonita e descendo pela calha do Rio Tietê. “Como o volume de água no lago é maior, essa poluição ficará mais diluída, porém deve continuar causando impacto. É preciso que a bacia seja monitorada”, disse.

Correio Braziliense

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