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Um crime que atravessa gerações é debatido em seminário no DF

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Aberto ao público, seminário Feminicídio em Debate promoveu palestras com promotores, magistrados e juristas

Apesar da crescente divulgação da Lei Maria da Penha na última década, muitas brasileiras ainda desconhecem seus direitos, o que dificulta a aplicação das normas previstas na Constituição, que garante igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres. A falta de reconhecimento da violência de gênero como uma questão transversal compromete a efetividade jurídica, social e política do direito à vida, à medida que o feminicídio afeta amplamente o país — atravessando gerações, classes sociais, etnias e credos.

O seminário integra a campanha Violência contra a mulher não é normal — abra os olhos, sua atitude pode mudar o final, da Comissão de Prevenção e Combate ao Feminicídio. Entre as iniciativas propostas, houve a apresentação do videoclipe da música inédita O Cravo e a Flor, composta pela banda de rap Tribo da Periferia, e o lançamento da cartilha Violência contra a Mulher: o que você precisa saber?, produzida pela Ouvidoria das Mulheres. A cartilha está no site do MPDFT e ficará disponível na Ouvidoria do órgão e nos canais de atendimento ao cidadão. Nos eventos promovidos pelo Ministério Público, ela também poderá ser retirada.

Origens

Na conferência inaugural Feminicídio em perspectiva histórica e o entendimento do Supremo Tribunal Federal, a ministra do STF, Cármen Lúcia, se debruçou sobre as origens das legislações brasileiras. A magistrada destacou um dispositivo específico, que trazia como bem jurídico protegido a honra masculina, prevendo que o homem poderia “matar licitamente” a esposa em adultério.

“A despeito disso, poucos dias antes da decisão do Supremo (ocorrida neste ano) que concluiu pela inconstitucionalidade do argumento da defesa de que a vida pregressa da vítima podia ser a defesa do assassino, uma jornalista perguntou para um criminalista: ‘O senhor vai continuar dizendo que a vítima é culpada até quando?’ Ele diz: ‘Até quando pegar'”, exemplificou a ministra do STF.

O objetivo de Cármen Lúcia era evidenciar como a desigualdade histórica das mulheres perante à lei afeta, até hoje, a segurança e a dignidade de vida das brasileiras em diferentes contextos sociais. “Levando em consideração o princípio da igualdade e as obrigações do Poder Judiciário, convidei os presidentes dos 27 tribunais de Justiça, em 2014, a comporem, comigo, uma campanha da Justiça pela paz em casa. Fui a lugares que fazia 17 anos que não havia um único júri, de nenhuma natureza. A despeito disso, os casos de feminicídio naqueles municípios eram enormes”, afirmou.

De acordo com Cármen Lúcia, o Distrito Federal está em uma posição “muito privilegiada” no combate à violência doméstica. “Desde 2013, o Conselho Nacional de Justiça determinou a criação obrigatória de varas especializadas e coordenadorias nos Tribunais de Justiça para lidar com esses casos”, destacou. No entanto, a Comissão de Prevenção e Combate ao Feminicídio no DF foi instituída em setembro do ano passado para reforçar a atuação do MPDFT, dado que os casos de feminicídio aumentaram quase 70% de 2022 a 2023, conforme explicou a promotora de Justiça Luana Costa Barreto.

“A comissão foi criada para entender por que, apesar de tantos serviços existentes no DF e de termos condenações em praticamente 100% dos casos de feminicídio, com condenações rígidas de mais de 20 anos de reclusão, os números ainda não estavam diminuindo. Uma das conclusões foi que é necessário aumentar a conscientização sobre as formas de violência, os mecanismos disponíveis e como as mulheres podem buscar ajuda. O seminário faz parte dessa estratégia”, explicou.

Crime de Ódio

O principal enfoque do debate foi tratar o feminicídio como um crime evitável. Somente em 2015, ele entrou com essa nomenclatura, como qualificadora, no Código Penal. “Infelizmente, ainda vemos casos em boletins de ocorrência em que a violência contra a mulher é classificada como crime passional”, destacou Adalgiza Aguiar, promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Gênero do MPDFT.

Essa visão que ainda persiste considera a violência contra a mulher como movida por paixões ou estados emocionais do agressor, e precisa ser desafiada. “Precisamos debater que o feminicídio se trata de um crime de ódio e, a partir disso, pensar em políticas públicas que realmente sejam estruturadas considerando que as raízes do feminicídio decorrem de uma violência estrutural, proveniente do ódio, do menosprezo, da discriminação contra a mulher, construída em cenário histórico-social”, completou.

Um aspecto simbólico desse crime é a “precariedade dos corpos”, conforme denotou a jurista. “Dados da Secretaria de Segurança Pública do DF mostram que, de 2015 a maio de 2024, 67% das vítimas eram pardas e 11% eram negras. Portanto 78% dos casos de feminicídios são perpetrados contra mulheres não brancas”, frisou.

Correio Braziliense

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