Centro-Oeste
Distrito Federal completa 150 dias consecutivos sem chuvas
Último registro de chuvas ocorreu em 23 de abril. Segundo o Inmet, não há previsão para o calor ir embora. Enquanto os focos de incêndio se multiplicam, oito pessoas foram detidas no DF por queimar a vegetação. Quem pode busca alívio no Lago Paranoá
O Distrito Federal completa hoje 150 dias consecutivos sem chuva. É a segunda estiagem mais longa da história e, com isso, o reservatório de Santa Maria registra o menor nível dos últimos cinco anos, chegando a 44,2% do volume útil, percentual duas vezes menor do que em 2020, quando bateu 94,5%. A barragem, localizada no Parque Nacional de Brasília, é responsável pelo abastecimento do Plano Piloto, Lago Sul, Cruzeiro, Sudoeste, SIA, Guará e SCIA/Estrutural, atendendo cerca de 19% da população de Brasília.
Segundo José Francisco Gonçalves, professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), o baixo volume no reservatório de Santa Maria é resultado da redução na disponibilidade de chuva. “Chove-se muito em pouco tempo e, depois, passamos por vários dias de estiagem. O ideal seria haver precipitações mais fracas com uma frequência maior, possibilitando a maior infiltração da água no subsolo e, posteriormente, no reservatório”, explicou.
A alteração no regime de chuvas se deve à exploração inadequada dos recursos naturais, conforme reforçou o especialista. “Águas Claras, por exemplo, é uma área de recarga — manancial que irriga com mais facilidade o subsolo — plenamente ocupada. Isso reduz o espaço disponível para que as chuvas se infiltrem nos solos”, completou Gonçalves, que também é presidente da Aliança Tropical de Pesquisa da Água.
Abastecimento seguro
“Em menos de um mês, as chuvas devem começar. Por isso, ainda não há possibilidade de o reservatório secar ou de haver um período de racionamento”, ponderou o professor. “No entanto, se essa disponibilidade de chuva for cada vez menor ou concentrada em poucos dias, nos próximos anos, é provável que soframos, sim, com uma crise hídrica”, concluiu.
Questionada sobre o baixo volume da barragem de Santa Maria, a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) informou que, de fato, o nível previsto para este mês seria de 48%. Mesmo assim, “o abastecimento de água potável está normal em todo o DF, não havendo risco de racionamento”, destacou a empresa, em nota. O reservatório do Descoberto e o Lago Paranoá também abastecem a região e, segundo a companhia, estão em plena operação.
A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (Adasa) reforçou que os reservatórios Descoberto e Santa Maria operam de forma conjunta com o reservatório Corumbá IV, Lago Paranoá e outros mananciais, em um sistema integrado de distribuição de água para o DF, visando garantir a segurança hídrica local.
“O somatório dos estoques reservados atualmente representa um volume satisfatório para o enfrentamento do rigoroso período de estiagem. Ainda assim, destacamos a importância de todas as instituições, órgãos de governo, setores produtivos e, sobretudo, a população manterem postura consciente e responsável com relação ao uso da água”, afirmou a agência, em nota.
O calor continua
O último registro de chuvas no DF ocorreu em 23 de abril. Até o momento, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o calor que deixa os brasilienses inquietos não tem previsão para ir embora. O meteorologista Olívio Bahia apontou que os modelos, usados pelos especialistas para desvendar a previsão do tempo, não apontam possibilidade de chuvas ao longo da próxima semana.
Bahia lembrou que na noite da última quarta-feira, houve registro de chuvas no Entorno do DF, na região de Águas Lindas. “A questão é que o volume registrado é muito baixo, cerca de 0,4 a 0,6 milímetros de volume. Isso não anuncia, efetivamente, o fim da seca. Ainda que chova no DF nas próximas semanas, os cuidados em relação às queimadas e à saúde da população devem continuar”, explicou o meteorologista.
Nesta sexta-feira, a mínima deve variar entre 15°C e 16°C. À tarde, porém, os termômetros devem atingir, mais uma vez, os 34°C. A umidade baixa, que fica entre 70% e 15%, fará com que o alerta laranja seja emitido. A mesma previsão vale para o fim de semana, uma vez que o tempo seco e a ausência de precipitações tem impedido o tempo de “refrescar”.
Com o fechamento da Água Mineral por conta dos incêndios no Parque Nacional, brasilienses e turistas em busca de alívio para o calor acabaram recorrendo à Prainha do Lago Norte. A moradora de Samambaia Vitória Rebeca, 27 anos, levou a filha Estela, de oito meses, e a sobrinha Júlia, de dois anos, para curtir o lago pela primeira vez. “Está quente demais, estamos tomando banho de lago, mas priorizando a sombra. Sofremos com a secura, estou dando o dobro de água para ela beber”, comentou.
Para aproveitar o dia de folga, o servidor público Alex Fabiano, 53 anos, e a esposa Rosemari Roguski, 43, levaram o neto para tomar banho de lago na Prainha. “Muito filtro solar, muita água, muito suco natural é o que está salvando. Umidificador em casa e ar-condicionado para melhorar o calor”, afirmou Alex.
Combustível para o fogo
De acordo com o Corpo de Bombeiros do Distrito Federal (CBMDF), na última quarta-feira, a capital federal contabilizou 120 ocorrências de focos de incêndio. No dia de ontem, foram atendidos 46 casos, totalizando 75,65 hectares de área destruída pelas chamas. Em setembro de 2023, a área queimada alcançou 1.421,2 hectares, enquanto, neste ano, apenas até meados do mês, esse número saltou para 5.879,69 hectares de vegetação atingida pelo fogo.
A corporação ressalta que, no ano passado, o número de incêndios em vegetação foi significativamente baixo devido às chuvas que começaram em agosto, aumentando a umidade do solo e do ar e dificultando a propagação de incêndios.
Neste ano, a falta de chuva resultou na acumulação de uma grande quantidade de matéria orgânica—plantas secas que se tornam combustível para o fogo. Segundo a instituição, o incêndio que começou no Parque Nacional no último domingo foi extinto, e atualmente há um Posto de Comando preventivo na administração do parque.
Atrás das grades
Na última quarta-feira, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) realizou coletiva de imprensa, pela manhã, para falar sobre os três criminosos já presos e repassar à sociedade as medidas tomadas para punir os acusados de provocar fogo no Cerrado. Na noite do mesmo dia, porém, outros três homens foram presos.
Dois deles foram flagrados por atear fogo em uma área de mata na marginal da BR-020, próximo ao Ribeirão Sobradinho. De acordo com a Polícia Militar do DF (PMDF), a área incendiada estava sendo preparada para uma possível invasão. Com os suspeitos, os policiais encontraram dois facões, um isqueiro, um celular e um veículo. Os dois foram levados para a Delegacia de Combate à Ocupação Irregular do Solo e aos Crimes contra a Ordem Urbanística e o Meio Ambiente (Dema).
Mais tarde, por volta das 20h, um homem foi preso, em Planaltina, acusado de atear fogo em vegetação. A ação também foi executada pela PMDF. De acordo com a corporação, as equipes estavam realizando patrulhamento, quando visualizaram um homem colocando fogo na vegetação próximo ao cemitério. Ele portava um isqueiro. O suspeito também foi encaminhado à Dema.
Ontem, durante a Operação Curupira, da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), outros dois homens foram presos em flagrante enquanto ateavam fogo em uma área de vegetação no Núcleo Rural Nova Vitória, em São Sebastião. A polícia conseguiu deter a ação da dupla antes que fogo se espalhasse ainda mais. O Corpo de Bombeiros do Distrito Federal (CBMDF) foi acionado e conseguiu conter o fogo.
Prisão convertida
Um dos investigados por atear fogo no Cerrado, Jefferson Wender Alves dos Santos, 19 anos, preso, na terça-feira, por, supostamente, ter sido o responsável por provocar chamas, usando gasolina, no Parque Burle Marx, entre o Noroeste e a Asa Norte, teve a prisão em flagrante convertida para preventiva nesta quarta.
Ao justificar a manutenção da prisão, o juiz contou que, com o autuado, foi apreendida garrafa com produto inflamável utilizado no delito. “Crimes assim colocam em risco a vida, a integridade física e o patrimônio de toda uma comunidade, principalmente no caso dos autos, em que o incêndio foi ocasionado em local movimentado nesta capital e com diversos prédios e pessoas próximas, inclusive, uma escola”, manifestou. Assim, para o magistrado, o modo de agir do custodiado demonstra especial periculosidade e ousadia ímpar, o que torna necessária a prisão para garantia da ordem pública.
A pena para os condenados por provocar incêndio em mata ou floresta, crime ambiental definido no artigo 41 da Lei de Crimes Ambientais, pode variar entre dois e quatro anos de prisão. Causar queimadas que ameacem a vida, a integridade física ou o patrimônio de terceiros leva os infratores a condenações de três a seis anos de reclusão (artigo 250 do Código Penal). Se o fogo atingir lavoura, pastagem, mata ou floresta, a pena tem o tempo de detenção aumentado em um terço.
Piscinas fechadas na Água Mineral
Além de destruir a vegetação e prejudicar a qualidade do ar, os incêndios no Parque Nacional de Brasília afetam também o lazer da população que busca se refrescar em meio à seca severa. Desde segunda-feira, o local está fechado para visitas, incluindo a área de piscinas.
Há três dias, quando os incêndios se intensificaram, o Parque emitiu um aviso pelo Instagram de que a visitação estaria suspensa. De acordo com uma funcionária da bilheteria da reserva, não há previsão para reabertura ao público.
Nível do reservatório de Santa Maria
19/9/2024: 44,20
19/9/2023: 61,47
19/9/2022: 80,05
19/9/2021: 86,87
19/9/2020: 94,50
Filhote de anta resgatado
Um filhote de anta foi resgatado na última quarta-feira no Parque Nacional de Brasília. O animal do sexo masculino pesa cerca de 73 kg e foi encontrado com as quatro patas queimadas e sem as unhas. O resgate foi feito pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), em conjunto com os brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O animal foi levado para a Fundação Zoológica de Brasília (ZOO), onde os veterinários constataram que ele estava desidratado e havia inalado fumaça. De acordo com o ZOO, a anta, apesar dos ferimentos, responde a estímulos, tomou bastante água e está sendo medicada e alimentada, mas não tem previsão de alta.
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