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Internações psiquiátricas aumentaram no DF nos últimos quatro anos

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Especialistas destacam que a intervenção deve ser feita apenas em casos graves, como última alternativa

“O tempo que passei na clínica foi doloroso, mas também necessário”, lembrou Fernando (nome fictício), de 23 anos, que vivenciou a internação psiquiátrica após sofrer surtos derivados do transtorno afetivo bipolar (TAB), em 2023. “Passei quase uma semana com o pensamento e a fala acelerados, paranoia, agitação e ansiedade. Por conta da instabilidade de humor, ficava agressivo”, continuou, relacionando os sintomas a um estado de euforia, típico dos episódios de mania. Levado ao hospital, ele passou seis dias em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), antes de ser encaminhado para a internação, onde permaneceu por três meses.

No ano passado, ocorreram 638 internações por TAB, segundo dados do portal Infosaúde, da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES/DF). O número, que permanece dentro da média registrada nos últimos quatro anos, destoa do quantitativo observado em outros transtornos mentais, como a ansiedade generalizada e o transtorno ansioso e depressivo, que aumentou significativamente. No primeiro caso, as internações pularam de cinco, em 2019, para 34, em 2023. No segundo, triplicaram, de 2020, quando foram registradas 15 intervenções, para 2023, com 45.

Além das consequências da pandemia de covid-19 e do isolamento social, a disparada de transtornos mentais tem como possíveis causas o estresse diário e o excesso de informação. É o que defende o psiquiatra Raphael Boechat, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB). “O isolamento social foi necessário naquele momento (pandemia), mas deixou sequelas. Muitas pessoas, por trabalharem em home office, por exemplo, permanecem nessa condição”, afirmou.

“Por outro lado, recebemos diariamente uma enxurrada de informações, em sua grande maioria, negativas. Isso nos desgasta e marca nosso inconsciente. Para completar, as redes sociais trouxeram sentimentos de competitividade e fracasso”, listou o especialista. “Tudo isso precisa ser revisto, pois essas situações trazem mais malefícios do que benefícios”, opinou Boechat.

Recuperação

Fernando, internado após continuadas crises de mania, recordou que, no primeiro surto psicótico, quando ainda não tinha o diagnóstico de TAB, passou por um tratamento ambulatorial pouco eficiente. “Não havia transparência quanto ao diagnóstico ou ao plano de tratamento. O médico receitou antipsicóticos, mas não havia a intenção de investigar a fundo e fazer exames. É muito difícil passar por crises quando não se sabe ao certo o que se tem”, desabafou.

Durante o tratamento na clínica, o jovem passou por diferentes profissionais, desde psicólogos até arte educadores. “Percebi que terapia não se restringe a um consultório”, disse o rapaz, estudante de artes visuais. Estável há pouco mais de um ano, ele se sente mais saudável e confiante. “A recuperação envolve o autoconhecimento e a compreensão de que a saúde mental deve ser tratada com o mesmo cuidado que qualquer outro aspecto da saúde física”, declarou Fernando.

Fiscalização e qualidade

Internações psiquiátricas ocorrem somente em casos graves e como última alternativa, pois são indicadas para situações em que há risco de a pessoa em surto psicótico ou em depressão profunda atentar contra si ou contra outros, devido à alteração do juízo de realidade, conforme explicou o psiquiatra Raphael Boechat. “Na grande maioria dos casos, essas pessoas apresentam resistência, justamente por estarem em delírio e não enxergarem a necessidade dessa internação. Nesses contextos, a intervenção ocorre, sim, de forma involuntária”, completou.

O médico reforça que instituições e clínicas sérias preconizam que as internações sejam as mais breves possíveis, para permitir que a pessoa siga o tratamento e mantenha o acompanhamento psiquiátrico e psicológico fora do ambiente de institucionalização. “A contenção química e, principalmente, física, assusta. Por isso, deve ser a última alternativa e no menor tempo possível, além de seguir critérios estabelecidos pela equipe médica”, elucidou.

“Certamente, o ideal é termos a abordagem mais humanizada possível, no entanto, quando há risco para o paciente e para os profissionais envolvidos, é preciso conter, infelizmente”, defendeu Boechat. É preciso, segundo o profissional, pensar nas internações como uma ferramenta para melhorar a situação de uma pessoa em sofrimento psíquico, “desde que, claro, esse atendimento seja feito de forma correta, com fiscalização, tempo de internação adequado e profissionais capacitados, priorizando-se a qualidade dessa institucionalização”, ressaltou.

Luz no fim do túnel

Na história da policial militar reformada Leika Verônica Botosso de Souza, 56 anos, e da tatuadora Layane Monize Botosso Gonçalves, 28, a internação psiquiátrica foi a ferramenta responsável por salvar suas vidas. Ao Correio, mãe e filha, moradoras da Asa norte, contaram que vêm de uma família marcada por diagnósticos de transtorno de bipolaridade e esquizofrenia, que fizeram com que a internação fosse alternativa em muitas ocasiões.

Leika passou pela experiência cinco vezes, tendo uma breve passagem — de apenas uma noite — pela rede pública. Diagnosticada com transtorno de bipolaridade, buscou ajuda, voluntariamente, pela primeira vez em agosto de 2003, quando foi internada em um hospital público de Goiânia. “Fui trazida para Brasília em uma ambulância e me levaram para uma clínica particular, onde permaneci por seis meses”, lembrou.

A última internação de Leika ocorreu em 2012, cerca de 12 anos antes da primeira da filha Layane, que precisou recolher-se em uma clínica em 9 de fevereiro deste ano, devido a um episódio depressivo profundo. A filha contou que crescer presenciando as questões da mãe fez com que ela amadurecesse sem estigma e preconceito. Apesar disso, não esperava passar pela mesma situação.

A internação de Layane foi compulsória e durou dois meses. Mesmo com medo, recusar o acolhimento não era uma opção. “Faço terapia desde os 6 anos e, ainda sim, quando houve a situação, tive medo e pedi para minha mãe para voltarmos para casa e fingir que nada tinha acontecido, mas ela explicou que não tinha como fingir. Foi algo que, de início, fiquei receosa, com medo, pensando, inclusive, em questões de abuso, mas depois percebi que era algo totalmente diferente do que eu imaginava.”

Mãe e filha reforçaram que o processo torna-se menos doloroso quando o paciente entende que essa é uma ferramenta do bem, quando administrada da forma certa, que está ali para ser usada, como no caso de qualquer outra doença. “Hoje estamos bem, frequentando a terapia semanalmente e medicadas, sabendo que os remédios melhoraram nossa vida em 100%. A questão da autoaceitação e de saber que doença mental é realmente uma doença é o que faz a diferença no tratamento”, falaram.

Acolhimento

Procurada pelo Correio, a Secretaria de Saúde do DF (SES/DF) informou, por meio de nota, que os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são peça central da Rede de Atenção Psicossocial do DF. “Eles desempenham um papel fundamental no cuidado continuado e integral de pessoas com transtornos mentais e dependência química, evitando internações desnecessárias e promovendo a reintegração social dos pacientes.”

Além dos 18 CAPS, as Unidades Básicas de Saúde (UBS) atuam como rede de atendimento complementar, que inclui cuidados primários, com foco na promoção da saúde mental e identificação precoce de sintomas. Além disso, a pasta destacou que o DF conta com ambulatórios especializados, hospitais gerais com leitos psiquiátricos para os casos mais graves, e serviços de urgência e emergência psiquiátrica para atendimentos em situações críticas. Está prevista a implantação de mais cinco CAPS até 2026.

O DF tem duas residências terapêuticas, inauguradas há três meses. Os espaços atendem pacientes com transtornos mentais graves que passaram mais de dois anos institucionalizados. “Desde a inauguração, os resultados têm sido muito positivos. Temos visto uma melhora considerável na qualidade de vida dos residentes, que estão se beneficiando do convívio comunitário e das atividades de reinserção social”, apontou a SES. O edital de credenciamento para as residências terapêuticas está aberto.

Denúncia

Em agosto deste ano, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) divulgou um relatório expondo a ocorrência de violações de direitos humanos, como contenções mecânicas como práticas disciplinares, na Comunidade Terapêutica Salve a Si — Instituto Eu Sou, na Cidade Ocidental (GO), e no Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo, em Taguatinga (DF).

As condições dos locais foram identificadas pelo órgão durante inspeções realizadas em março. O documento do MNPCT recomenda o fechamento imediato das unidades e sugere a readequação do modelo de atenção psicossocial na região, conforme os parâmetros estabelecidos pela Lei da Reforma Psiquiátrica.

O Correio questionou a SES sobre as informações apresentadas no relatório. Em resposta, a pasta disse que “em relação ao Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), a SES/DF esclarece que está tomando as providências para a averiguação e, se necessário, correção imediata das situações. Estão em andamento ações de grupo de trabalho que tem como objetivo a elaboração de um plano de ação para reorganização do atendimento hospitalar em saúde mental na rede pública de saúde, revendo os leitos psiquiátricos para o cumprimento da legislação vigente. O objetivo é a ampliação da rede e acesso ao atendimento de urgência”.

Três perguntas para:

Thales Caetano, psicólogo e médico especialista em psiquiatria

1. Tivemos um salto expressivo de internações psiquiátricas nos últimos quatro anos. O que sugere como possíveis causas para esse aumento?

Internações psiquiátricas são sempre questões delicadas e de alta complexidade. Antes mesmo da pandemia de covid 19, a OMS (Organização Mundial da Saúde) já previa um aumento no número de casos de depressão. São causas multifatoriais, mas um dos pontos que salta aos olhos está na mudança de padrões, principalmente relacionadas ao trabalho. É muito comum observarmos pessoas completamente imersas nas atividades profissionais, nas quais sentem a percepção de “recompensa” da sociedade, abrindo mão de momentos de lazer e convivência. Isso acaba gerando uma pressão demasiada, que se reflete na piora em aspectos emocionais das pessoas.

2. Diante desses dados, o que podemos esperar para os próximos anos?

O cenário é desanimador. O aumento de casos deveria ser seguido por mudanças no cuidado dessas pessoas. Se existisse um atendimento preventivo da população antes de se estabelecer a gravidade do quadro poderíamos contornar a grande maioria desses casos, porém o atendimento dessas pessoas necessita do envolvimento de uma equipe multidisciplinar, não apenas com profissionais médicos, mas principalmente profissionais de psicologia, com foco no acompanhamento psicoterápico.

3. Ainda há muito estigma em relação às internações psiquiátricas? O que você pode dizer sobre isso?

O estigma ainda existe e contribui para a banalização dos casos. Precisamos trabalhar na informação das pessoas em geral, para que esses transtornos emocionais sejam de fato percebidos por todos como doença. Todos se sensibilizam com um paciente que teve um AVC (acidente vascular cerebral), por que um paciente deprimido é ridicularizado?

Cuidado humanizado

A Lei Antimanicomial, também conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, estabelece os direitos das pessoas com transtornos mentais e redefine o modelo de assistência à saúde mental, cujo foco está no cuidado humanizado e na liberdade. A principal diretriz é o fechamento gradual dos manicômios e hospícios.

Correio Braziliense

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