Centro-Oeste
Defesa contra alteração no FCDF ganha força no Congresso Nacional
PSD fechou questão e se oporá a mudanças que acarretem perdas ao Fundo Constitucional do Distrito Federal
O Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) é a fonte de recursos financeiros que mantém a estrutura da segurança pública da capital federal, além arcar com boa parte das despesas de outras duas áreas fundamentais para a região: educação e saúde. Semana passada, o Executivo federal encaminhou ao Congresso proposta para reformar a base de cálculo do ajuste anual desse repasse. A iniciativa despertou preocupações no Palácio do Buriti com possíveis perdas no DF nos três campos estratégicos para seus moradores. Especialistas e secretários ouvidos pelo Correio alertaram sobre a gravidade das consequências caso ocorra a transformação que o Palácio do Planalto quer. A situação também pôs em alerta forças políticas. Nesta segunda-feira (2/12), o Partido Social Democrático (PSD) fechou questão: se oporá a qualquer alteração do FCDF que traga prejuízos. O governador Ibaneis Rocha agradeceu a postura e disse que espera o mesmo de outras legendas.
Atualmente, o cálculo do percentual para atualização do recurso é feito de acordo com a arrecadação líquida da União, ou seja, quanto mais o governo federal recebe, maior é o valor do fundo repassado ao DF. A proposta, que foi enviada à Câmara dos Deputados na última sexta-feira pelo líder do governo, José Guimarães (PT-CE), quer que a correção passe a ser pela variação acumulada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou de outro índice que vier a substituí-lo. Para se tenha uma ideia de quanto a transferência representa, a projeção do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2025, remetida pelo GDF à Câmara Legislativa, é de que o FCDF fique acima dos R$ 25 bilhões no ano que vem.
Articulações
Nos bastidores, lideranças políticas estão se movimentando para defender a manutenção das regras do Fundo Constitucional. O presidente do PSD-DF, Paulo Octávio, afirmou que garantiu apoio da legenda no Congresso Nacional. “Conversei com o governador Ibaneis Rocha e com o nosso presidente, (Gilberto) Kassab. O PSD vai estar ao lado de Brasília, mais uma vez”, ressaltou.
Paulo Octávio destacou que o FCDF foi responsável por mais de R$ 24 bilhões do orçamento do DF, este ano. “A gente vai ter uma nova batalha em defesa de Brasília e, novamente, quero convocar todos para nos ajudarem. O líder do governo é nosso, o senador Otto Alencar (PSD?BA), que esteve com a gente semana passada, e vamos procurá-lo para evitar que isso aconteça”, pontuou.
O governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), disse que recebeu a notícia “com muita alegria”. Ele comentou que estava conversando com Paulo Octávio desde a última semana passada. “Não esperava outra decisão do presidente Kassab e da bancada do PSD no Congresso. Brasília e o Brasil agradecem”, comemorou. Ibaneis destacou que se sente “honrado” com esse reconhecimento.
“Aguardo que o meu partido (MDB), o partido da vice governadora Celina Leão (PP), o Republicanos, que compõe a nossa base de sustentação, com três deputados federais e a nossa querida senadora Damares, o União Brasil, do deputado distrital Eduardo Pedrosa, que se comprometeu em buscar o apoio do presidente e dos congressistas do partido, e o PL, dos deputados Bia Kicis e Alberto Fraga e do senador Izalci Lucas, nos apoiem contra esse absurdo”, pontuou. “Também esperamos contar com o apoio, senão da bancada, pelo menos dos deputados e senadores que, atualmente, estão na oposição ao nosso governo”, acrescentou o governador.
Questionado se a vice-governadora ficará à frente das negociações novamente, Ibaneis disse que ainda não conversou com Celina, mas ressaltou que ela conhece bem o Congresso e seus líderes. O chefe do Executivo local, no entanto, afirmou que “sempre gosta” de articular nos bastidores. “Tenho muitos amigos que construí ao longo de muitos anos de atividade jurídica e, ao longo desse período à frente do governo, sempre atendi a todos os deputados e senadores em seus pleitos junto ao DF”, comentou. “Vou usar todas as minhas amizades e meu conhecimento jurídico para convencer os parlamentares”, garantiu.Impactos
O Correio ouviu os gestores das três secretarias que recebem valores do Fundo Constitucional. O secretário de Segurança Pública (SSP-DF), Sandro Avelar, ressaltou a importância do FCDF para o financiamento das ações à proteção dos cidadãos. “A redução impacta, diretamente, na qualidade dos serviços prestados à população e na manutenção de diminuição dos índices criminais que temos atingido”, observou.
Avelar disse que o repasse é essencial para a preservação da ordem pública, especialmente devido às “peculiaridades” da capital. “Ela é diferente dos demais entes da federação, uma vez que cabe ao Distrito Federal manter a segurança não somente de sua população, mas também atender aos interesses da União, na medida em que as sedes dos poderes estão concentradas aqui, assim como embaixadas e representações diplomáticas”, explicou. “A segurança pública integrada e integral, aliada a uma legislação orçamentária que leve em conta as diferentes realidades e que não permita o contingenciamento de recursos, é de extrema importância para o enfrentamento dos desafios da segurança pública no país”, comentou o secretário.
A secretária de Educação (SEEDF), Hélvia Paranaguá, afirmou que a possibilidade da mudança no cálculo do reajuste do Fundo Constitucional pode trazer impactos negativos para a rede pública. “O uso desses recursos, para a nossa pasta, é vital. Se houver mudança, teremos uma redução de programas, ações e projetos da Secretaria de Educação”, pontuou. “Além disso, a medida inviabilizaria, fortemente, os avanços das políticas públicas e ainda impactaria em qualquer futura melhoria salarial para as categorias. Em resumo, vamos virar uma secretaria só com recursos para pagar folha”, alertou Hélvia.
Segundo Lucilene Florêncio, secretária de Saúde (SES-DF), as abordagens de mudança no cálculo do Fundo Constitucional podem dificultar o segmento e a entrega de serviços de saúde à população do DF. “Não temos indústrias nem fábricas. Somos uma cidade administrativa que, ao longo do tempo, evolui, com ocupação territorial, uso do solo e aumento da densidade demográfica”, argumentou. “Nossa formação é diferente do restante do país, pois não temos municípios, e o Fundo Constitucional tem sido uma grande fonte para a manutenção das nossas políticas públicas”, acrescentou a gestora.
O secretário de Economia, Ney Ferraz, disse que pediu, à área técnica da pasta, a elaboração de uma estimativa de perdas, com base na medida. De acordo com o gestor, retirar qualquer quantia do Fundo Constitucional, acaba refletindo na população, que deixa de ter mais políticas importantes para o seu desenvolvimento. “O Fundo é 40% do nosso orçamento, por isso que a gente vê tantas lideranças se manifestando, seja no setor produtivo, dentro do executivo local ou entre os parlamentares distritais e também federais”, pontuou.
Segundo Ferraz, o governador Ibaneis está articulando com muitos políticos e lideranças, na tentativa de rever o posicionamento do governo federal. “Não que a gente seja contra todas as medidas, o que queremos é ser convidados a construir juntos. Não pode só anunciar e entubar. A conta é paga pela base, pelas unidades federativas e pelas economias das cidades”, avaliou o secretário.
Avaliações
Professor de governança e gestão de custos da Universidade de Brasília (UnB), José Marilson Dantas classificou como um erro considerar o FCDF como parte do ajuste fiscal, sem entender que essa fonte faz parte do financiamento das políticas públicas. “A economia gerada será muito menor que o impacto na sociedade e na qualidade dos serviços prestados, gerando a necessidade de mais recursos no futuro para recuperar os níveis atuais das políticas de saúde, educação e segurança, que serão degradados com esses cortes”, alertou.
Economista e MBA em planejamento, orçamento e gestão pública, Wilson Ferreira Bandeira alertou que, quanto menor forem os recursos do Fundo Constitucional, maior será o comprometimento com as despesas de pessoal, o que acarretaria na redução dos investimentos no Distrito Federal.
O que é o FCDF?
O Fundo Constitucional é uma verba da União destinada anualmente ao Governo do Distrito Federal (GDF) para ser utilizada nas áreas da saúde, educação e segurança pública. O fundo foi instituído em 2002, por meio da Lei nº 10.633/02, e o recurso passou a ser repassado a partir de 2003. De acordo com a legislação, o FCDF tem a finalidade de prover os recursos necessários à organização e manutenção das forças de segurança da capital do país, além de dar assistência financeira para execução de serviços públicos de saúde e educação.
Distribuição FCDF (PLOA 2025)
Segurança Pública – R$ 11.495.233.954
Saúde – R$ 8.135.677.660
Educação – R$ 5.447.311.547
Total – R$ 25.078.223.161
Fonte: GDF
Perda dupla para o DF
Wilson Ferreira Bandeira – economista e MBA em planejamento, orçamento e gestão pública
A correção do Fundo Constitucional com base na Receita Corrente Líquida (RCL), regra atual, traz uma evolução muito mais acentuada do que a com base no IPCA. Para se ter uma ideia, em 2013, o repasse foi de R$ 10,69 bilhões e, em 2023, foi de R$ 22,97 bilhões — um aumento de, aproximadamente, 115%. Nesse mesmo período, o IPCA variou 88,18%. Ou seja, o FCDF teria uma redução de 13,20%.
O IPCA é um dos índices (dos diversos existentes) que medem a inflação. Ele pode, por si só, não acompanhar a inflação global da economia. Historicamente, taxas altas de inflação aumentam a arrecadação do governo, impactando diretamente na RCL. O Distrito Federal perderia duplamente: uma com a queda do repasse do FCDF e outra com o aumento dos seus custos por conta da elevação da inflação.
Além disso, existem carreiras da segurança que estão pressionando por aumento salarial, como por exemplo a Polícia Civil. Recomposição para uma delas, produz efeito em cascata para a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros. Essas categorias são muito fortes e sempre conseguem atendimento aos seus pleitos. O fato é que a queda do FCDF trará o congelamento das remunerações das forças de segurança, a precarização dos serviços de saúde e educação.
A proposta do governo federal para reduzir seus gastos com base na redução do repasse do FCDF atingirá em cheio a população carente, pois os recursos do FCDF desafogam o GDF e permitem investimentos em equipamentos e medicamentos com recursos próprios. Segundo a Secretaria de Economia, 53,7% dos recursos do FCDF são para o pagamento de pessoal, por isso, quanto menor forem os recursos do Fundo, maior será o comprometimento dele com as despesas de pessoal, o que acarreta na redução dos investimentos no Distrito Federal.
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