Centro-Oeste
As dificuldades dos idosos fora do Plano Piloto
Pessoas acima de 60 anos que moram longe do centro do DF se queixam do tratamento no transporte coletivo, além de problemas envolvendo o atendimento à saúde. GDF destaca políticas públicas para essa população
A rotina de idosos que residem nas regiões fora do Plano Piloto é marcada por dificuldades que vão desde problemas de saúde agravados pelas condições do ambiente, até a falta de transporte público adequado para consultas médicas, por exemplo. Vivendo em regiões com infraestrutura precária e com poucos recursos financeiros, muitos enfrentam dificuldades para ter qualidade de vida, justamente em uma idade vulnerável.
Há 426.238 idosos no Distrito Federal, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa e Estatística (IPEDF). No Plano Piloto, são 49.498 pessoas com 60 anos ou acima. Os demais, que são a maioria, vivem nas outras regiões administrativas. As quatro maiores concentrações fora do centro da capital são Ceilândia (49.134), Taguatinga (41.094), Samambaia (29.215) e Guará (24.272).
O Correio ouviu pessoas nessa faixa etária sobre suas dificuldades e buscou respostas do Conselho dos Direitos do Idoso e das pastas do governo do DF ligadas a esse público, que destacaram o esforço para ampliar políticas públicas nessas áreas.
Santa Luzia, na Estrutural, é uma das regiões mais pobres do DF, onde 2,65% da população de 35 mil habitantes, são idosos. Com uma rotina extenuante de consultas e exames, Nelson Luiz Pereira, é um lutador. Aos 77 anos, sobrevivente de um câncer de próstata, atualmente vive com uma sonda para conseguir urinar e tem dificuldade em se expressar. Ele mora com uma irmã, os três filhos dela e uma neta. Mas a irmã Maria Santana, 54, relata que o acesso ao transporte público é um dos problemas para a família. “Às vezes, a gente liga para o Samu, mas, quando eles demoram muito, temos que chamar um motorista de aplicativo para levá-lo ao hospital. Já tentamos ir de ônibus, mas andar com uma pessoa idosa no transporte público não é fácil. Uma vez, ele até caiu, e precisei chamar os bombeiros”, relatou Maria.
No período de seca, Nelson fica ainda mais debilitado, segundo a irmã. “A poeira agrava a saúde dele, e aqui tem muita. Os melhores dias que a gente passa são quando está chovendo”, ressalta. Maria explica que a aposentadoria do irmão não é suficiente para cobrir todas as despesas dele. “Ele toma remédios controlados e tem problemas nos rins, respiratórios e de pressão”, detalhou.
Jucileide Cordeiro, 64, mora em Ceilândia e reclama da “falta de respeito e atenção para com os mais velhos”. No transporte público, principalmente no metrô, ela conta que sempre lida com o descaso e a desconsideração. “Não querem ceder o lugar e, em várias ocasiões, fingem estar dormindo”, completa.
Ela reclama da demora no atendimento de serviços essenciais, como no posto de saúde e em consultas para cirurgia cardíaca, pois é cardiopata. “Estou esperando há meses para trocar a válvula no coração, o que deveria ser prioridade, pois minha vida depende disso”, lamenta.
De acordo com a Secretaria de Saúde (SES-DF), a Política Nacional da Pessoa Idosa é a base do atendimento pela secretaria, com ênfase na promoção do envelhecimento ativo. A pasta destaca que a assistência acontece em todos os níveis de atenção (primária, secundária e hospitalar). A pasta oferece 10 ambulatórios de geriatria no DF. Aqueles que necessitam de algum tipo de reabilitação podem ser assistidos nos centros especializados em reabilitação, além dos ambulatórios de saúde funcional.
Mobilidade
A aposentada Rosadalia Vieira, 62, moradora do Sol Nascente, reclama da mobilidade na região onde mora. “Resolvo minhas coisas sempre a pé”, afirma. Porém, a condição das calçadas a preocupa. “Elas têm muitos buracos e não seguem um padrão. Algumas são muito altas, outras muito baixas. Isso me deixa com medo, porque se recuperar de uma queda nessa idade é difícil”, observa.
De acordo com a Administração Regional do Sol Nascente e Pôr do Sol, 80% das calçadas na cidade ainda estão em execução, pois fazem parte da fase final do contrato com o consórcio responsável pelo andamento das obras em todo o Sol Nascente. De acordo com o GDF, calçadas e meios-fios estão sendo instalados nos trechos em que as obras de drenagem e pavimentação estão concluídas. “Importante destacar que, por se tratar de região de ocupação irregular e desordenada, as calçadas atualmente existentes não foram construídas conforme as normas de acessibilidade”, explica, em nota.
A pasta acrescenta que cerca de 70% do Sol Nascente conta com infraestrutura, incluindo drenagem, pavimentação e redes de água e esgoto. A meta é cobrir toda a região com infraestrutura até o fim de 2025.
Cleonice Raimunda da Silva, 64, do P Sul, em Ceilândia, relata frustração com o Centro de Referência de Assistência Social (Cras). “Tentei agendar a renovação dos meus documentos várias vezes, mas não consegui resolver o problema”, lamenta.
Idosos ou outros públicos em situação de vulnerabilidade não são, “a grosso modo”, cadastrados no Cras. É o que explica a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes). Eles são inseridos no Cadastro Único do governo federal, que permite acesso a políticas nacionais e locais. Nesse sentido, hoje são 87.197 idosos inscritos no DF.
Ao Correio, a direção do Cras destacou programas como o DF Social, que atende 3.139 idosos com parcelas mensais de R$ 150; o Cartão Gás, por meio do qual 3.480 pessoas nessa faixa etária recebem R$ 100 a cada dois meses; e o Cartão Prato Cheio, que beneficia 11.243 idosos com nove parcelas de R$ 250 para aquisição de alimentos. Também são atendidos 1.219 idosos no Serviço de Fortalecimento de Vínculos (SCFV) nos centros de convivência (Cecon). A pasta atua ainda no acolhimento institucional de idosos, com quase 400 vagas.
Direitos
O professor Otávio de Toledo Nóbrega, titular do Conselho dos Direitos do Idoso do DF, destaca que a distância geográfica da área central da capital prejudica significativamente as pessoas com mais de 60 anos que moram longe. “Muitas especialidades médicas, como geriatria, estão disponíveis apenas no centro, assim como medicamentos de alto custo”, explica. Ele também observa que o contraste entre a área central e a periferia é evidente. “No Plano Piloto, há calçadas amplas e bem conservadas; na periferia, muitas vezes, elas sequer existem”, opina.
Otávio aponta que os idosos em comunidades vulneráveis enfrentam condições ainda mais difíceis. “O Estado não está preparado para lidar com a longevidade”, analisa, defendendo maior conscientização sobre o tema. Além disso, cita denúncias de violência recorrentes recebidas pelo Conselho em relação ao transporte: “Apesar de terem direito a um lugar exclusivo no ônibus, motoristas frequentemente não param ao ver um idoso no ponto”, exemplifica. O Conselho não contabiliza as denúncias. “Nós as recepcionamos e encaminhamos aos órgãos competentes de apuração, como Polícia Civil, Ministério Público e Tribunal de Justiça”, informou.
Políticas públicas
Na Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), há a Subsecretaria de Políticas para Idosos, oferece apoio psicossocial, programas e ações voltados para o grupo. Criado em 2024, o projeto Viver 60+ beneficiou mais de sete mil pessoas idosas, com ações como caminhadas, ginástica, aulas de dança, bailes, passeios a pontos turísticos, cinema, grupos de convivência e apoio psicológico.
“O Programa 60+ é fundamental para garantir direitos, promover a inclusão e valorizar o papel ativo dos idosos na sociedade, reforçando sua dignidade e contribuição para o desenvolvimento social. É um compromisso com a dignidade e com a construção de um futuro mais justo e humano para todos”, disse ao Correio a secretária Marcela Passamani.
A Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) afirmou que tem adotado medidas para facilitar o acesso gratuito das pessoas com mais de 60 anos ao sistema público — ônibus e metrô. Para isso, basta apresentar documento com foto. Todos os assentos dos coletivos são preferenciais para idosos e, para assegurar o respeito à legislação, a pasta promove campanhas educativas.
Correio Braziliense
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