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Desigualdade de gênero na ciência faz mal à saúde

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A ciência não é neutra. O conhecimento científico produzido reflete a visão de mundo de quem o constrói. Por isso, é essencial ampliar a participação das mulheres na ciência, agregando mulheres negras, indígenas e de diferentes etnias

Este ano completa-se uma década que a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o 11 de fevereiro como o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. A criação da data chama atenção para a importância de buscar a equidade de gênero nas carreiras científicas, espaço onde ainda prevalece, por exemplo, o “efeito tesoura”: o fato de que, apesar de já haver mais mulheres do que homens ingressando em muitas áreas, são eles, e não elas, que ocupam a maioria dos cargos de liderança.

Especialmente na última década, houve avanços importantes no enfrentamento a essa desigualdade. Podemos citar, por exemplo, os editais de fomento voltados a pesquisas de cientistas mulheres e de cientistas mães e os programas criados em instituições, públicas e privadas, para buscar estratégias de promoção da equidade de gênero. Esse é o caso do Programa Mulheres e Meninas na Ciência, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), criado em 2019. As ações do programa são desenvolvidas a partir de seus três eixos: a valorização das mulheres na Fiocruz, o incentivo ao interesse de meninas pela ciência e a promoção do debate sobre gênero, ciência e saúde. No entanto, ainda há muito a avançar.

A luta pela igualdade de gênero é, sobretudo, pela defesa dos direitos das mulheres para que elas ocupem os lugares que desejarem na sociedade, sejam eles na política, sejam nos cargos de gestão e, também, na ciência. A sub-representação feminina nesses espaços vem agravando as desigualdades que afetam diretamente o bem-estar delas. Por isso, até mesmo para alcançar mais segmentos da sociedade nessa luta, é essencial compreender os impactos da desigualdade de gênero na ciência nas diversas áreas.

Por exemplo, na saúde, as mulheres têm maiores taxas de morbidade do que os homens, mesmo controlando fatores, como idade, renda, educação e raça. São elas que relatam, com mais frequência, problemas crônicos, sintomas graves e de saúde mental, o que as mantêm 25% mais tempo em sofrimento por razões de doença. É o que mostra artigo publicado na revista Nature Medicine, de autoria de Cristiani Machado, Cristina Araripe e Maria Auxiliadora Gomes. Essa disparidade torna-se ainda mais evidente durante os anos produtivos, quando algumas condições ginecológicas impactam diretamente a capacidade das mulheres de trabalhar e prover o sustento de suas famílias. Acrescente-se a essa realidade a sobrecarga de trabalho decorrente das tarefas domésticas e responsabilidades do cuidado com crianças, idosos e familiares doentes, papel atribuído a elas socialmente.

No entanto, as prioridades de pesquisa historicamente dada pelos homens ainda focam em doenças com alta mortalidade, negligenciando outras condições debilitantes, que têm um impacto significativo na qualidade de vida das mulheres.

O racismo também tem impacto direto na saúde. Mulheres negras nas Américas enfrentam taxas de mortalidade materna cinco vezes maiores que as de mulheres brancas, uma realidade que reflete desigualdades estruturais. Soma-se a isso a falta de dados que considerem recortes por raça. No campo da pesquisa científica para a saúde, a situação não é diferente: a participação feminina em ensaios clínicos é limitada, e mulheres de alguns grupos são ainda menos representadas. Isso cria uma dupla exclusão, uma vez que as mulheres continuam sendo invisibilizadas tanto como pesquisadoras quanto como objetos de estudo, perpetuando-se as disparidades de gênero e étnico-raciais na saúde.

A ciência não é neutra. O conhecimento científico produzido reflete a visão de mundo de quem o constrói. Por isso, é essencial ampliar a participação das mulheres na ciência, agregando mulheres negras, indígenas e de diferentes etnias. Essas pesquisadoras enfrentam barreiras agravadas por diferentes formas de preconceito, que limitam seu acesso a oportunidades. Reduzir essas desigualdades exige mudanças nas instituições e criação de políticas públicas que promovam uma ciência mais inclusiva e diversa. Isso inclui valorizar saberes tradicionais e combater práticas que reforçam desigualdades históricas.

Avançar rumo à equidade depende de iniciativas concretas. Por meio da adoção de práticas e ações voltadas para a promoção da equidade de gênero, as instituições têm o potencial de influenciar políticas públicas mais amplas e impulsionar mudanças sociais. Isso pode ser alcançado com a implementação de iniciativas que fortaleçam a participação das mulheres em posições de liderança e ampliem a sua inclusão na produção do conhecimento. Esse esforço é essencial para ampliar a diversidade na forma de se produzir ciência e enfrentar desigualdades históricas que limitam a presença de mulheres em espaços de liderança, inclusive. na ciência e na saúde.

Pesquisadora da ENSP/Fiocruz e vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC/Fiocruz)*;

Pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães (IAM-Fiocruz)**;

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública do IAM-Fiocruz

Correio Braziliense

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