O Distrito Federal registra aumento significativo nos casos de agressão contra animais. Ocorrências mais que dobraram entre 2019 e 2023. Apesar do cenário, a solidariedade de tutores e o trabalho de ONGs ajudam a resgatar as vítimas
O Distrito Federal registrou um aumento significativo nos casos de maus-tratos e crueldade contra animais nos últimos anos. Os dados mais recentes da Polícia Civil (PCDF) revelam que, entre 2019 e 2023, o número de ocorrências desses dois crimes mais do que dobrou, saindo de 266 para 591 autuações, um salto de 122%. Apenas em 2023, foram registrados 524 casos de maus-tratos, um crescimento de 128% em relação a 2019, com 230 ocorrências. O aumento também reflete nos casos de crueldade, que passaram de 15 em 2019 para 20 em 2023, um aumento de 33%.
Os números de 2024, fechados até o mês de março desse ano, totalizam 99 ocorrências. Ainda não há dados de 2025. No entanto, recentes casos de maus-tratos e abandono têm reacendido um alerta quanto ao bem-estar e à segurança dos bichos na capital. Em um dos casos mais recentes, que chamou a atenção, um homem adotou 15 gatos, a fim de realizar experimentos com eles. Os felinos, porém, não foram vistos novamente.
Maus-Tratos de Animais(foto: Lucas Pacífico)
Para além de números, os casos de maus-tratos escancaram uma perversa realidade enfrentada pelos animais, que podem ter sequelas pela vida inteira e dificuldade de se reintegrarem a um novo lar ou voltar ao habitat, como ressalta Pedro Henrique de Souza, médico veterinário pós-graduado em clínica médica de pequenos animais. “Dependendo do ocorrido e de quanto tempo o animal sofreu, ele pode apresentar alterações físicas e comportamentais”, explica.
Segundo o delegado Jonatas Silva, da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra os Animais (DRCA), os casos mais frequentes envolvem cães mantidos presos em correntes ou amarrados, gatos vítimas de envenenamento e abandono de animais em residências e vias públicas.
Apesar do cenário preocupante, o combate aos maus-tratos a animais esbarra em desafios estruturais significativos. O delegado assinala que “a DRCA é uma unidade nova, com apenas um ano de existência, e carece de um lar temporário público para os animais resgatados, além de um hospital público para animais de grande porte”. Para aprimorar fiscalização e punição, ele sugere a aplicação da Lei Distrital das Carroças, a microchipagem e o fortalecimento da atuação policial, enfatizando o papel crucial da denúncia pela população.
Solidariedade
Embora algumas histórias tenham um triste começo, elas podem ter um desfecho feliz. A solidariedade de tutores da capital vai ao encontro de animais vítimas de agressões e dão a eles um bom futuro. A influenciadora digital Juliana Louise, de 33 anos e moradora de Ceilândia, adotou Pongo, um filhote de vira-lata de aproximadamente seis meses, que foi encontrado em uma situação deplorável em Samambaia. “Estava extremamente magro, comendo lixo, quando foi resgatado”, recorda.
Harper tinha medo de tudo quando foi adotada pela psicóloga Priscila Correia, até de se aproximar do prato de ração se alguém estivesse perto(foto: Redes sociais da Flora e Fauna)
De acordo com Juliana, Pongo está muito melhor, mas ainda fica tímido com estranhos e se esconde quando um desconhecido se aproxima. Como está com ele há pouco tempo, ela diz que ainda não sabe como ajudá-lo da forma ideal, mas está fazendo com dedicação e carinho.
A influenciadora, porém, destaca que um requisito para tudo isso é fundamental a qualquer um que queira contribuir para resgatar animais em situação de maus-tratos: adotar. “Um fator importante é diminuir a quantidade de animais em situação de abandono nas ruas. Sempre que puder, adote e não compre um bichinho. Castre seus animais, principalmente se eles têm acesso às ruas”, orienta.
O filhote de vira-lata Pongo foi adotado pela influenciadora digital Juliana Louise e melhorou das agressões, embora ainda se esconda quando desconhecidos se aproximam(foto: Bruna Gaston/CB/D.A Press)
Quem também ganhou um novo lar foi Harper, de um ano e meio, uma cadelinha boiadeira-australiana adotada pela psicóloga Priscila Correia, 53. A moradora do Guará 2 conta que, quando chegou, Harper apresentava traumas e medos. “Ela tinha pavor de homens, de fumaça de qualquer tipo, garrafa pet, movimentos bruscos com as mãos, tom de voz alto, de ir até o prato da ração se alguém estivesse próximo. Chegou até a parar de comer e também se afastava caso se aproximassem dela”, comenta.
Rede de proteção
Na outra ponta desta relação estão protetores de animais e Organizações não Governamentais (ONGs) que trabalham para resgatar bichos vítimas de ataques. O vice-presidente do abrigo Flora e Fauna, Well Fabiano, no Gama, descreve a alta demanda por ajuda animal, com cerca de 300 ligações diárias. “Preciso analisar cada pedido para determinar qual eu consigo ajudar. O nosso consumo de ração chega a 15 toneladas por mês”, afirma. Ele explica o processo de reabilitação, que inclui quarentena e adaptação para adoção: “É todo um trabalho de formiguinha em cima desse animal. Alguns levam anos para se readaptarem ao contato humano.”
Pongo foi encontrado em Samambaia, em condições deploráveis, muito magro e comendo lixo. Ele foi adotado pela influenciadora digital Juliana Louise(foto: Material cedido ao Correio )
Além disso, a protetora de animais Juliana Campos, 47, enfatiza que o resgate envolve, também, a conscientização da comunidade. “O que antes não era visto como maus-tratos, hoje é reconhecido como tal. Agora, as pessoas estão mais informadas e denunciam, e isso deve continuar”, salienta a ativista.
Denúncia
Nos casos envolvendo cães e gatos, a pena prevista é de 2 a 5 anos de prisão, além de multa. A DRCA investiga as denúncias e, em casos mais complexos, que envolvem grande quantidade de animais ou risco iminente, assume diretamente a condução das investigações. Operações são realizadas frequentemente para coibir os maus-tratos, especialmente quando há denúncias de grande número de animais em risco.
A Secretaria de Proteção Animal (Sepan-DF) explica que, em situações de abandono ou maus-tratos, as denúncias devem ser feitas por meio da Ouvidoria do GDF ou à Delegacia de Proteção Animal, pelo telefone 197. Em nota, a pasta também pontua que coordena o Programa de Castração, que oferece procedimentos gratuitos com o objetivo de controlar a superpopulação de cães e gatos e evitar o abandono. “Temos duas modalidades: uma destinada a protetores, com mais de 10 animais, e outra mensal, com agendamento pelo site Agenda-DF. Neste mês, foram liberadas mais de 800 vagas em clínicas conveniadas”, conclui a pasta.
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