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Violência escolar provocou pelo menos 47 mortes desde 2001, mostra estudo

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Dados do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) mostram que foram registradas 3,7 mil vítimas de violência interpessoal nas escolas em 2003, valor que subiu para 13,1 mil, em 2023

O Brasil enfrenta um crescimento nos casos de violência no ambiente escolar, segundo dados da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fafesp). A desvalorização da atividade docente no imaginário coletivo, a relativização de discursos de ódio e o despreparo de secretarias de educação para lidar com conflitos derivados de situações de racismo e misoginia são hipóteses que podem explicar agressões em instituições de ensino, que provocaram ao menos 47 vítimas fatais desde 2001.

De acordo com a pesquisa da Fapesp, o Ministério da Educação (MEC) reconhece quatro tipos de violência que afetam a comunidade escolar.

O primeiro refere-se às agressões extremas, com ataques premeditados e letais; o segundo abarca situações de violência interpessoal, envolvendo hostilidades e discriminação entre alunos e professores; e o bullying, quando ocorrem intimidações físicas, verbais ou psicológicas repetitivas.

Ainda de acordo com o estudo, há a violência institucional, que conta com práticas excludentes por parte da escola. Por exemplo, quando o material didático utilizado em sala de aula desconsidera questões de diversidade racial e de gênero.

Por fim, o MEC também identifica problemas abrangendo o entorno da instituição, como tráfico de drogas, tiroteios e assaltos.

Segundo dados do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), em 2013, foram registradas 3,7 mil vítimas de violência interpessoal nas escolas, valor que subiu para 13,1 mil, em 2023.

Os números contemplam estudantes, professores e outros membros da comunidade escolar. Entre as ocorrências, 2,2 mil casos envolveram violência autoprovocada (automutilação, autopunição, ideação suicida, tentativas de suicídio e suicídios). Este tipo de agressão aumentou 95 vezes entre 2013 e 2023.

Violência no ambiente escolar

Pessoas atendidas em serviços públicos e privados de saúde com lesões autoprovocadas, vítimas de agressões físicas e verbais:

  • 2013: 3.771
  • 2014: 3.746
  • 2015: 3.880
  • 2016: 4.250
  • 2017: 5.647
  • 2018: 6.242
  • 2019: 7.100
  • 2020: 1.720
  • 2021: 2.282
  • 2022: 9.240
  • 2023: 13.117

Fonte: ObservaDH (Governo Federal)

O Atlas da violência de 2024 indica que houve um crescimento na proporção de estudantes que reportaram sofrer bullying. A análise foi feita com base em dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde e da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 2009, o percentual de alunos de escolas brasileiras que relataram ter sido vítimas de bullying era de 30,9%, número que subiu para 40,5% em 2019.

“Além disso, no mesmo ano, a proporção de estudantes do ensino fundamental que deixaram de ir à escola por sensação de insegurança chegou a 11,4%, mais do que o dobro dos 5,4% registrados em 2009”, informou Daniel Cerqueira, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O pesquisador destacou que declarações de figuras públicas relativizando a violência ajudaram a criar um ambiente em que discursos agressivos e intolerantes foram naturalizados, o que pode ter afetado negativamente a convivência escolar.

Outro aspecto apontado por Cerqueira diz respeito ao aumento da violência doméstica contra crianças e jovens.

De acordo com o Atlas da violência, em 2009, 9,5% dos alunos do ensino fundamental de capitais brasileiras relataram ter sido agredidos por algum familiar. Em 2019, esse percentual subiu para 16,1%.

Desvalorização do magistério

A desvalorização do magistério, a descontinuidade de políticas educacionais e a precarização da infraestrutura escolar também contribuíram para o aumento da violência no ambiente escolar, de acordo Angela Soligo, psicóloga da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A especialista coordenou um estudo nacional sobre violência e preconceitos na escola, publicado em 2018 e realizado em parceria com universidades federais de inúmeras regiões do país.

Na pesquisa, preconceitos institucionais presentes no currículo, no material didático e nas relações pedagógicas foram apontados como fatores de agravamento do cenário.

De acordo com Soligo, as leis federais nº 10.639, de 2003, e nº 11.645, de 2008, que obrigam a inclusão do ensino de história da África e sobre povos indígenas, muitas vezes não são respeitadas nas escolas.

Além disso, segundo a psicóloga, os estudantes que são vítimas de racismo, machismo e homofobia nem sempre são acolhidos pela gestão escolar.

Em relação à falta de visibilidade de experiências negativas de alunos, o psicólogo João Galvão Bacchetto, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), desenvolveu uma análise baseada em questionários aplicados a diretores de escolas por meio do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

Ao todo, o levantamento reuniu 63 mil respostas. Um dos achados mais marcantes foi o alto número de escolas que afirmam não enfrentar nenhum tipo de violência: 40% das unidades declararam não registrar incidentes. Já 20% das instituições de ensino relataram apenas episódios pontuais de baixa gravidade.

Para Bacchetto, os dados evidenciam que há um descompasso entre o sofrimento dos alunos e seu reconhecimento por parte da gestão escolar. “A violência também é uma questão de percepção. Muitas escolas não sabem como reconhecê-la”, afirmou.

Confira abaixo o vocabulário de conflitos:

  • Bullying: Intimidação que envolve atos de violência física ou psicológica, caracterizados como agressões intencionais, repetitivas e persistentes. O fenômeno pode se manifestar por meio de ataques diretos, insultos e humilhações no ambiente escolar.
  • Cyberbullying: Variante digital do bullying, cyberbullying ocorre em redes sociais, aplicativos de mensagens e fóruns on-line. A prática envolve divulgação de mentiras, imagens constrangedoras, ameaças, montagens depreciativas, disseminação de fotos íntimas e comentários ofensivos.
  • Clima escolar: O conceito refere-se ao conjunto de percepções, expectativas e experiências compartilhadas por alunos, professores, funcionários e gestores escolares. O ambiente é influenciado por normas institucionais, valores, relações interpessoais e estruturas organizacionais.
  • Comunidades mórbidas virtuais: Grupos on-line organizados em torno de temas perturbadores e destrutivos, como violência extrema, automutilação, suícidio, assassinatos e crimes. Essas comunidades atuam em fóruns, redes sociais e grupos de mensagens.
  • Discurso de ódio: Comunicação que incita hostilidade ou a violência contra indivíduos ou grupos com base em discriminações e preconceitos relacionados à raça, etnia, religião, gênero, nacionalidade e orientação sexual.

Fontes: MEC/ONU/ Telma Vinha (Unicamp)

Com a proposta de investigar como o bullying e o preconceito se manifestam no ambiente escolar, o psicólogo José Leon Crochíck, da Universidade de São Paulo (USP), uma coordenou pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que envolveu outras 12 universidades nacionais e instituições da Argentina, Espanha, México e Portugal.

Realizado entre 2018 e 2021, o estudo abrangeu cerca de 3 mil estudantes de 89 escolas públicas e particulares de ensino fundamental e médio de todos os países participantes.

Os resultados indicaram que alunos com bom desempenho acadêmico raramente são vítimas ou autores de bullying, enquanto aqueles que enfrentam dificuldades em sala de aula, mas se destacam em atividades físicas competitivas, podem estar entre os agressores.

CNN

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