Eram 7h20 da manhã do último dia de maio quando a vida do estudante Marcelo Gomes da Silva, de 18 anos, foi interrompida por agentes do Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês).
Dirigindo o carro do pai, a caminho do treino de vôlei na Milford High School, o jovem foi cercado pelos oficiais, que anunciaram em alto e bom som: “Você está preso porque é imigrante ilegal”. A partir daí, passaram-se seis dias de medo e incerteza. Ao Globo, o estudante, que foi solto pela Justiça americana no último dia 5, contou que dividia cela com mais de 30 pessoas, comia “comidas horríveis”, mas tinha fé.
Naquela manhã do dia 31, após ser preso, o estudante foi levado algemado pelos agentes do ICE para um estacionamento e, em seguida, colocado em uma van preta com outros quatro homens — dois equatorianos e dois brasileiros — antes de ser conduzido ao centro de detenção de Burlington.
— Eu estava em choque. Não sabia o que estava acontecendo e nem o motivo da prisão — contou Marcelo, ao Globo.
Na prisão, o jovem relatou que “dormia no concreto” dentro de uma cela “muito quente” com outros 35 homens. Ele afirmou que passou seis dias sem tomar banho, porque não tinha chuveiro, usando o vaso na frente de todos.
— Minha cela era um lugar triste. A gente dormia no concreto. Tinha outros 35 homens dividindo cela comigo, todos trabalhadores e gente boa. Era muito quente. A gente abria um pouco da porta pra poder respirar — detalhou. — Ficávamos o dia inteiro dentro da cela sem fazer nada. A comida que eles davam era horrível. Arroz velho e um macarrão ruim.
Marcelo tinha direito a uma ligação de dois minutos por dia. Nos primeiros telefonemas, decidiu falar com o pai, João Paulo Gomes Pereira, que chorava copiosamente na linha.
— Eles pegaram meu celular e só deixaram eu mexer quando fui solto. Mas, durante o tempo que fiquei preso, eu só tinha direito a um telefonema de dois minutos por dia. Nos primeiros dois dias, eu chorei muito. Ligava pro meu pai e ele só chorava — lembrou o jovem.
Marcelo disse que trocou de celas algumas vezes, pois muitos dos presos eram transferidos para outros centros de detenção. O ICE, inclusive, solicitou a transferência do rapaz para outro estado, mas um juiz negou, atendendo ao pedido da defesa.
Dias depois da prisão, o ICE afirmou que Marcelo, na verdade, não era o alvo da investigação e foi preso por engano. Em comunicado, a agência revelou que buscava pelo pai do rapaz.
— Estávamos procurando o pai. E, como disse a Diretora de Campo [Patricia] Hyde, eles pararam o veículo, que era o do pai. Ele estava dirigindo — afirmou Todd Lyons, diretor interino do ICE, na ocasião.
No entanto, em entrevista ao Globo, Marcelo refutou essa alegação, afirmando que os agentes sequer perguntaram sobre seu pai durante os seis dias que ficou preso.
— Eu não concordo com isso. Em nenhum momento eles perguntaram sobre o meu pai. Eles pegaram minha carteira, sabiam que eu estava indo pra escola jogar vôlei, sabiam que eu tinha 18 anos, mas não perguntaram sobre os meus pais. Definitivamente, eles estavam atrás de mim — afirmou.
‘Tentei ajudar todo mndo’
Apesar das condições precárias na prisão, Marcelo diz que buscou forças na fé. Além disso, como havia vários brasileiros e imigrantes de outras nacionalidades na cela — alguns não sabiam falar inglês —, Marcelo atuou como um intérprete, traduzindo documentos e o que os agentes do ICE falavam.
— Deus me guiou lá dentro. Eu sempre orava e tinha fé que tudo ia acabar. Tentei ajudar todo mundo lá. Traduzia os documentos e fazia de tudo pra ninguém ficar triste — acrescentou.
Para ele, a ausência de informações do mundo externo e o temor de deportação o acompanharam durante toda a detenção.
— Eu tive medo da deportação. Fiquei assustado, pois não sabia de nada que estava acontecendo aqui fora — afirmou.
Dentre os agentes do ICE que ficavam no centro de detenção de Burlington, apenas um “tinha coração”, segundo Marcelo. Ele contou que o oficial conversava e tentava acalmá-lo.
— Só tinha um guarda lá dentro que parecia ter coração. Um cara muito gente boa. Ele trabalhava de noite. Falava comigo, me acalmava e acreditava em Deus. Os outros não ligavam pra ninguém — contou Marcelo, acrescentando um episódio que o deixou com raiva. — Teve um que debochou. Sempre quando abriam a porta, os imigrantes já ficavam felizes, achando que seriam liberados. Teve um dia que um dos guardas abriu a porta, deu risada e fechou de sacanagem.
Marcelo continua a responder ao processo de deportação, mas sua advogada busca regularizar sua situação. Nascido no Brasil, Marcelo migrou com a família para os Estados Unidos com 5 anos e vive há 13 em Milford, no estado de Massachussetts, uma das regiões com maior número de brasileiros no país. Prestes a se formar na escola, ele mantém o sonho de seguir nos EUA para ajudar imigrantes.
— Eu cresci aqui e pretendo ficar aqui. Me formo ano que vem na escola e quero fazer Direito pra ser advogado de imigração — concluiu.
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