Economia
COP30 prioriza maior participação da sociedade em vez de negociações entre países

A postura do governo dos Estados Unidos durante o segundo mandato de Donald Trump, que anunciou sua saída do Acordo de Paris, juntamente com as crescentes tensões globais, torna difícil alcançar avanços significativos nas negociações diplomáticas da COP30, a conferência anual da ONU sobre mudanças climáticas, que acontecerá em Belém (PA) em novembro.
Algumas divergências já se manifestaram em Bonn, na Alemanha, onde foram realizadas as principais reuniões diplomáticas da UNFCCC, organização da ONU responsável pelas mudanças climáticas, antes do evento no Brasil.
As tensões internacionais se agravaram nos últimos meses, impulsionadas pela guerra comercial iniciada pelos EUA em abril, o conflito entre Rússia e Ucrânia e a escalada militar no Oriente Médio, intensificada pelos ataques de Israel ao Irã. Os ataques recentes dos EUA a instalações nucleares iranianas são um exemplo grave dessa escalada.
Neste contexto, especialistas consultados pelo GLOBO destacam o valor da agenda paralela, da sociedade civil e do setor empresarial. Como nas edições anteriores, os eventos que ocorrem paralelamente às negociações ganham importância crescente.
Diversos fóruns compõem a Agenda de Ação, um conjunto de compromissos voluntários propostos pela Presidência da COP30 para países, governos regionais e setor privado, adotado inicialmente na COP20, conforme o blog Central da COP.
Alinhamento de esforços
Preparando-se para essa realidade, a Presidência brasileira da COP30 vem destacando publicamente a relevância dessa agenda. Em Bonn, o Brasil publicou a quarta carta da Presidência da COP30 à comunidade internacional, expressando sua perspectiva para a Agenda de Ação Climática Global.
“Nosso objetivo é impulsionar uma nova dinâmica para a ação climática global, integrando esforços de empresas, sociedade civil e todos os níveis governamentais em uma ação coordenada”, afirma o documento, assinado pelo embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30.
Em um evento no Rio de Janeiro, semanas antes, Corrêa do Lago enfatizou o papel do empresariado e da sociedade civil:
“O Brasil entende que isso tem uma importância especial na COP de Belém, pois as principais questões que precisavam ser negociadas entre países para definir nossas ações contra as mudanças climáticas já foram discutidas.”
Segundo ele, a COP de Dubai em 2023 fez um balanço do Acordo de Paris, firmado na COP de 2015, e a COP em Baku, em 2024, avançou em aspectos como o mercado de carbono e o financiamento internacional.
“Belém precisa ser uma COP de soluções e, nesse sentido, os participantes da Agenda de Ação são os principais atores. Eles são os responsáveis por implementar as decisões dos governos.”
Especialistas consultados concordam com essa visão. A líder da World Climate Foundation (WCF) no Brasil, Flora Bitancourt, ressalta que o ritmo dos governos é mais lento, enquanto empresas e setores corporativos tendem a adotar metas de descarbonização e ações de forma mais ágil.
“Belém é a primeira COP com a Presidência adotando a linguagem do mutirão, da ação coletiva, do chamado para implementação. Esse é o diferencial da COP30, pois implementação envolve indústria. A abertura do setor privado para a COP30 é enorme.”
Há 15 anos, a WCF participa dos eventos paralelos nas conferências anuais da ONU. Seu foco é fomentar parcerias intersetoriais para financiar investimentos em adaptação e transição para uma economia de baixo carbono.
Dez anos após o Acordo de Paris, em Belém a entidade terá um pavilhão coorganizado com o Instituto Clima e Sociedade (iCS) para acompanhar negociações, realizará a 16ª edição do World Climate Summit (dias 14 e 15 de novembro), com executivos globais discutindo ações de descarbonização, e organizará a Investment COP (em 13 de novembro) em parceria com a Converge Capital, funcionando como hub de investidores.
Maria Netto, diretora executiva do iCS, destaca a importância da COP30, principalmente por marcar os dez anos do Acordo de Paris e a necessidade de fortalecer o multilateralismo em um cenário de tensões globais.
Ela comenta que as discussões da Agenda de Ação ganharam força na COP26 em Glasgow, quando o governo do Reino Unido, então presidente da conferência, ampliou o espaço para plataformas paralelas dedicadas à mobilização de setor privado, sistema financeiro, governos regionais e sociedade civil.
“Devido ao caráter transversal da agenda climática, definir metas, ações e marcos de colaboração pelo setor corporativo e financeiro pode ser fundamental para alavancar investimentos para mitigar e adaptar às mudanças climáticas”, destaca Maria.
Com as metas do Acordo de Paris, a Agenda de Ação se tornou ainda mais significativa. Por isso, ela avalia positivamente a estratégia da Presidência brasileira da COP30:
“Considerando o papel crucial da implementação nos próximos dez anos e o foco estratégico da COP30, uma agenda sólida com propostas e compromissos de atores não estatais pode fortalecer significativamente a confiança internacional e a cooperação multilateral.”
Adriana Ramos, secretária executiva do Instituto Socioambiental (ISA), aponta que a sociedade civil tem papel vital no debate sobre enfrentamento das mudanças climáticas, mas acrescenta que o ideal é que a participação ocorra de forma livre e autônoma.
“A sociedade acompanha as negociações, promove debates e mobilizações, incluindo espaços próprios como a Cúpula dos Povos, prevista para Belém”, explica Adriana.
Para ela, “a Agenda de Ação representa o debate que ocorre fora das salas de negociação, quando setores da sociedade apresentam suas ideias e propostas para avançar nas ações climáticas.”
“É uma etapa essencial no debate climático global e idealmente deve incluir a participação de diversos segmentos da sociedade mundial.”
Diante das tensões geopolíticas, Adriana tem poucas expectativas de avanços significativos nas negociações da COP30:
“A expectativa é baixa para resultados relevantes na agenda oficial da COP30. Por isso, a Presidência tem dado mais destaque à agenda de ação do que às negociações formais.”
A oposição do governo Trump a acordos internacionais sobre mudanças climáticas será o maior obstáculo.
“O tema do financiamento sofre impactos pela posição dos EUA, não só pela saída do Acordo de Paris anunciada por Trump, mas também pelas mudanças de investimentos promovidas por seu governo, como a extinção da USAID e a redução do apoio militar à Europa”, conclui Adriana.

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