Economia
Brasil precisa de autonomia tecnológica para soberania digital

Enquanto o Brasil não investir em estratégias para desenvolver sua própria tecnologia, mesmo que seja necessário regulamentar os mercados digitais, continuará totalmente dependente das grandes empresas de tecnologia, que dominam as principais plataformas da internet, como Google, Meta e Microsoft. Essa foi a análise do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), durante um debate no 60º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado na tarde de quinta-feira (17), em Goiânia.
“É importante regulamentar para garantir moderação de conteúdo, proteger crianças e adolescentes e assegurar a competição justa no mercado, pois estas empresas formam oligopólios que dominam o mercado e a esfera pública. Mas, tão essencial quanto leis eficazes, é termos autonomia tecnológica para que a soberania digital seja real”, afirmou o deputado à Agência Brasil, antes de conversar com os estudantes.
Orlando Silva é uma das principais vozes no debate sobre direitos digitais no Congresso Nacional. Ele foi relator do Projeto de Lei (PL) 2.630, que propunha regulamentação das plataformas no Brasil, mas o projeto perdeu força no Legislativo.
O tema ganhou nova relevância diante das tarifas comerciais impostas pelos Estados Unidos ao Brasil, que revelam interesses nos mercados financeiros e digitais. Uma investigação conduzida pelo representante de Comércio dos EUA, Jamieson Greer, por ordem do presidente Donald Trump, mira diretamente o Pix, sistema brasileiro de pagamentos eletrônicos criado pelo Banco Central.
“Essa ofensiva contra o Pix não é isolada. Bancos digitais e grandes empresas de tecnologia apoiam esse movimento de Trump e vice-versa. Para eles, seria ideal que operações como as do Pix fossem feitas pelo WhatsApp Pay, por exemplo”, explicou o deputado.
Dependência tecnológica
No setor de pagamentos digitais, o Pix mostrou um caminho viável, mas na infraestrutura tecnológica, o desafio é enorme, alertou Orlando Silva.
“Todo o sistema de cabeamento que transmite dados está controlado por empresas multinacionais. Os data centers pertencem a multinacionais americanas e chinesas.”
Na camada das aplicações, onde operam as plataformas digitais, a dependência é ainda maior e preocupante, segundo o deputado.
“Se as cinco grandes empresas do Vale do Silício, que dominam o mercado, desligassem seus servidores no Brasil, haveria um apagão digital no país. Não temos tecnologia suficiente para garantir a continuidade dos serviços.”
Plano de soberania
Na semana anterior, enquanto Trump oficializava as tarifas comerciais, um evento chamado Soberania Já, em Brasília, reuniu movimentos sociais, pesquisadores e entidades para discutir um plano de soberania digital para o Brasil. O encontro mobilizou coletivos de cultura digital, sindicatos, movimentos sociais e organizações de direitos digitais, que dialogaram com parlamentares e setores do governo federal.
Os grupos se reuniram com o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Sidônio Palmeira, e o secretário de Políticas Digitais, João Brant. Eles trabalham em propostas estratégicas para que o Brasil invista em tecnologia própria.
“É possível organizar uma rede de data centers sob controle brasileiro, a partir das universidades, garantindo a soberania dos dados. Além disso, apostar na cooperação com países do Sul Global, como na estrutura do BRICS, pois China, Índia e Rússia possuem tecnologias desenvolvidas. Assim, garantiríamos autonomia tecnológica para o Brasil”, explicou Orlando Silva.
Outra iniciativa importante é o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), lançado em julho do ano passado durante a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Com previsão de investimento de R$ 23 bilhões em quatro anos, o objetivo é colocar o Brasil como referência mundial em inovação e uso eficiente da inteligência artificial, especialmente no setor público.
Taxação das big techs
No congresso da UNE, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o Brasil irá cobrar impostos das grandes empresas de tecnologia americanas, em resposta à interferência dos EUA em questões comerciais brasileiras.
Embora sem detalhar como será a tributação, o governo está elaborando um projeto antitruste para o setor digital, visando defender a concorrência e combater práticas que prejudiquem o mercado. Também está em análise um projeto para combater crimes e violações contra crianças e adolescentes no meio digital.
União estudantil
Com o tema “Da universidade às ruas: um canto de luta pelo Brasil”, o 60º Congresso da UNE, que acontece até domingo (20) na Universidade Federal de Goiás (UFG), reúne cerca de 10 mil estudantes de todo o país.
O evento foi marcado por uma tragédia: um grave acidente na Rodovia BR-153, em Porangatu (GO), com um ônibus de estudantes do Pará a caminho do congresso deixou cinco mortos e cerca de 70 feridos. Durante todos os debates, as vítimas, incluindo três estudantes universitários, foram lembradas pelos participantes.

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