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Governo Lula retira Brasil de aliança internacional em memória do holocausto

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu deixar a Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), uma organização global criada para combater o antissemitismo e preservar a lembrança do massacre dos judeus.
O Ministério das Relações Exteriores de Israel divulgou a informação na quinta-feira, 24, e foi confirmada por fontes do Itamaraty. O governo avalia que a adesão à IHRA em 2021, feita na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi realizada de forma descuidada.
Fontes do Itamaraty apontam que a saída do Brasil, ainda não formalizada (o país aparece no site da IHRA como membro observador), se deve a obrigações que envolveriam aportes financeiros para a aliança.
No dia 23, o governo brasileiro oficializou sua participação na ação judicial movida pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça, que acusa Israel de genocídio contra palestinos na Faixa de Gaza. O Itamaraty nega conexão direta entre essa adesão e a saída da IHRA.
A nota do Itamaraty criticou duramente as ações militares de Israel na Faixa de Gaza, território palestino devastado após quase dois anos de conflito, e também na Cisjordânia, onde frequentes atuações militares e a presença de colonos judeus são alvos de críticas.
“O Brasil entende que não há mais espaço para ambiguidade moral ou omissão política. A impunidade compromete a legalidade internacional e a credibilidade do sistema multilateral”, declarou o Itamaraty.
A postura do governo brasileiro recebeu forte reprovação de Israel, que classificou as ações como uma falha moral grave. Desde o início da guerra em Gaza em 2023, as relações entre o país judaico e o Brasil se agravaram. Em fevereiro de 2023, Lula comparou as operações militares israelenses ao Holocausto, o que lhe rendeu o título de persona non grata em Israel.
Esse episódio levou à retirada do embaixador brasileiro em Israel, Frederico Meyer, em maio. O cargo ainda está vago e as relações diplomáticas permanecem tensas, também pela recusa do Itamaraty em aceitar o diplomata Gali Dagan como embaixador de Israel no Brasil. Atualmente, o posto é ocupado por Daniel Zonshine.
A saída da IHRA e a adesão à ação da África do Sul coincidem com uma crescente pressão internacional sobre Israel, incluindo o reconhecimento recente do Estado da Palestina feito pelo presidente francês Emmanuel Macron, e denúncias de organizações humanitárias sobre a fome entre os palestinos. O Itamaraty saudou a decisão de Macron, mesmo ela tendo sido criticada por Israel.
Criticismo à IHRA
A Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA) é uma união de governos e especialistas com o objetivo de fortalecer e promover a educação, a memória e a pesquisa sobre o Holocausto. Fundada na década de 1990, conta com 35 membros e 8 observadores, entre eles o Brasil (que ainda figura como observador no site oficial).
Para a organização, é essencial que seus membros reconheçam a importância da coordenação política internacional para combater a crescente distorção do Holocausto e o antissemitismo.
No entanto, a IHRA enfrenta críticas de setores do judaísmo e de grupos de direitos humanos, que afirmam que a entidade usa a memória do Holocausto para proteger o Estado de Israel em casos de violência. A definição de antissemitismo adotada pela IHRA, seguida por vários países, é apontada por críticos como um instrumento para classificar como antissemitismo críticas legítimas à Israel.
Em 2023, um conjunto de mais de 100 organizações de direitos humanos, incluindo B’TSelem, Human Rights Watch, Anistia Internacional e União Americana pelas Liberdades Civis, pediu à ONU que rejeitasse a definição de antissemitismo da IHRA.
Um dos principais autores da definição, o advogado especializado em direitos humanos Kenneth Stern, também critica o uso da mesma. Segundo ele, embora a definição seja vista como essencial para combater o antissemitismo, tem sido usada para classificar injustamente protestos pacíficos, ativismo e discursos críticos a Israel ou ao sionismo, limitando a liberdade de expressão nos EUA e Europa.
O maior problema está em sete dos onze exemplos contemporâneos de antissemitismo incluídos na definição da IHRA, que orientam sua aplicação. Entre esses exemplos estão acusações que consideram o Estado de Israel um projeto racista ou a aplicação de critérios duplos a Israel em comparação a outras democracias, o que pode silenciar críticas legítimas.

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