Mural de Di Cavalcanti no centro de São Paulo pode ser restaurado

Ao ar livre, uma das obras mais importantes da arte brasileira integra a história do centro de São Paulo. Trata-se do mural Os Operários, criado pelo pintor modernista Di Cavalcanti. Composto por pastilhas de vidro, está localizado no Edifício Triângulo, que foi projetado por Oscar Niemeyer na década de 1950, também no centro da cidade.

Além do desgaste natural, o painel tem sido alvo de depredações causadas por pessoas. Segundo Everaldo Santos, zelador do prédio há quase 30 anos, o mosaico já foi pichado mais de 10 vezes.

Projeto de restauração

Formada em arquitetura em Lisboa, Portugal, e com mestrado pela Universidade de São Paulo (USP), Isabel Ruas é autora de um livro sobre mosaicos na arquitetura paulista. Ela destaca a importância da obra de Di Cavalcanti.

“A obra vem de um tempo em que arquitetos e artistas modernistas valorizaram a integração entre arte e arquitetura, além da relação entre o edifício e a cidade. Muito dessa relação estava na obra exposta na fachada, que atraía o olhar e oferecia algo à rua”, explica a pesquisadora.

O artista expressou a realidade dos trabalhadores no mosaico. “O painel retrata a preocupação de Di Cavalcanti com os operários. O prédio faz parte da história local”, define a fundadora da Oficina de Mosaicos.

Para conservar e valorizar o mural Os Operários, Isabel Ruas submeteu em julho um projeto ao Programa Municipal de Apoio a Projetos Culturais (Promac), com uma previsão de arrecadação de R$ 300 mil. Caso a proposta seja aprovada, pessoas físicas e jurídicas poderão contribuir via incentivos fiscais pelo site Porta de Entrada da Prefeitura.

A especialista ressalta que o restauro deve incluir também ações que conscientizem a população sobre a importância da arte, especialmente quem frequenta a região.

“Além de restaurar o mosaico, é preciso remover elementos que comprometem a originalidade, como a porta de ferro e instalações elétricas improvisadas. Também é necessário trocar a iluminação e substituir o corrimão, que não é original, recuperando a arquitetura autêntica. Está previsto ainda um projeto de iluminação para melhorar a visibilidade noturna, pois o local fica bastante escuro à noite”, detalha Ruas.

De todas as depredações, quatro ocorreram durante a Virada Cultural. Em maio deste ano, a pichação mais recente atingiu o painel. Mesmo após limpezas específicas, a tinta deixa marcas no rejunte.

Everaldo Santos lamenta a situação: “Um dos movimentos pichou o painel e eu chorei ao ver à noite. Me sinto impotente. Trabalhar em um prédio projetado por Niemeyer, com um painel de Di Cavalcanti, é motivo de orgulho, mas também de tristeza pelo estado atual.”

Síndico, subsíndica, restauradora e zelador

O painel Os Operários foi tombado em 2004 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp). Por isso, a administração do Edifício Triângulo acredita que a prefeitura deveria participar da preservação da obra.

Segundo o síndico Davi Pillon, que tem um escritório de advocacia no prédio, a Prefeitura deveria assumir a responsabilidade pela restauração.

“Embora o edifício seja particular, o painel fica exposto à via pública e possui um valor cultural para a cidade de São Paulo e para o Brasil, já que Di Cavalcanti é uma figura reconhecida no meio artístico”, destaca.

A subsíndica Elaine Massaro, cuja empresa familiar está no edifício desde 1955, também afirma que o painel tem valor afetivo e histórico. “É muito mais que um simples restauro. Trata-se de cultura que deve ser compartilhada com o público e a cidade.”

Porém, a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa (SMC) afirma que a responsabilidade pelo cuidado é do proprietário, sendo necessária avaliação prévia pelo Departamento de Patrimônio Histórico para qualquer intervenção na fachada.

Outras obras de Di Cavalcanti restauradas

Isabel Ruas já coordenou o restauro de outro painel de Di Cavalcanti no Teatro Cultura Artística, que reabriu no ano anterior após mais de 15 anos fechado. Ainda no centro de São Paulo, outra obra do artista pode ser vista no Hotel Nacional Inn Jaraguá.