Centro-Oeste
Vídeos mostram abusos em clínica fechada: não verá sua mãe

Pacientes da unidade Lago Oeste do Instituto Terapêutico Liberte-se revelaram uma realidade de sofrimento e trabalho forçado na instituição. Segundo os relatos, quem desobedecesse as regras ficava sem contato com os familiares.
“Se ele falar para você: tem que comer aí. Se você não fizer, pronto. Ele fala é na cara: você vai ficar sem ver a sua mãe por seis meses”, disse um paciente.
“Aqui é assim ó: o banheiro está muito sujo. O paciente que toma muito remédio deixa urina no chão. Quando chegam, dizem: se você não limpar o banheiro, vai ficar sem visita”, contou outro.
Além disso, havia fios elétricos expostos, aumentando o risco de incêndio. “Se pegar fogo… Não tem para onde fugir. À noite, tudo fica trancado”, alertou um residente.
Na terça-feira (16/9), o local foi inspecionado por iniciativa do deputado distrital Fábio Felix (Psol) e da deputada federal Érika Kokay (PT), em parceria com entidades de defesa dos direitos humanos. Posteriormente, a Polícia Civil do Distrito Federal realizatou uma ação na clínica. A 35ª Delegacia de Polícia (Sobradinho 2) prendeu três responsáveis pela casa, acusados de manter pessoas em cárcere privado.
Condições de horror
Os acolhidos descreveram situações de trabalho forçado e não remunerado, tortura, maus-tratos, violência sexual, cobranças abusivas e ausência de atendimento médico adequado. Aproximadamente 100 pacientes viviam no local. A unidade do Lago Oeste é distinta da do Núcleo Rural Boqueirão (Paranoá), que sofreu um incêndio em 31 de agosto, deixando cinco mortos.
Pacientes relataram abusos sexuais frequentes, principalmente contra pessoas com transtornos mentais. Há denúncias de agressões físicas, como enforcamentos e amarrações, com pacientes confinados em quartos superlotados.
Médicos e medicamentos
A clínica do Lago Oeste não oferecia atendimento adequado. Alguns pacientes recebiam psicotrópicos, como quetiapina e rivotril, sem prescrições claras, e não contavam com psicólogos ou psiquiatras no local — quem desejasse consulta precisava pagar até R$ 300 online. A administração dos remédios ficava a cargo de monitores sem formação na saúde.
As famílias pagam mensalidades entre R$ 1.600 e R$ 1.800 e ainda custeiam alimentação e deslocamento. Consultas médicas solicitadas são cobradas entre R$ 150 e R$ 200. A unidade possui uma loja de conveniência com preços muito acima do mercado. “Um pacote de biscoito custa R$ 15, assim como um chocolate, embora fora custem cerca de R$ 3”, explicou um paciente. “São obrigados a comprar aqui, pois nas visitas os parentes só podem entrar com 10 itens.”
Trabalho forçado
O Instituto adotava uma prática chamada “laboterapia”, ou terapia pelo trabalho, com jornadas exaustivas e autoritárias, configurando trabalho forçado e não remunerado.
A visita à unidade contou com a participação da coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da CLDF, Keka Bagno, da conselheira do Conselho Regional de Psicologia, Thessa Guimarães, representantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Carolina Lemos e Camila Antero, e do professor da UnB Pedro Costa, além de membros do Ministério dos Direitos Humanos e da Comissão em Defesa da Saúde Mental da CLDF.
Prisões
Três homens, com idades entre 40 e 49 anos, foram detidos pela Polícia Civil do DF, acionada logo após a inspeção. Eles eram responsáveis pela unidade do Lago Oeste.
A 35ª Delegacia ouviu 27 pacientes e, após interrogatórios, prendeu em flagrante os coordenadores, que responderão pelo crime de cárcere privado.
Incêndio fatal e irregularidades
O Instituto ganhou repercussão quando, em 31 de agosto, a unidade no Boqueirão foi atingida por um incêndio que vitimou cinco pessoas e feriu outras 12. Os falecidos foram Darley Fernandes de Carvalho, José Augusto, Lindemberg Nunes Pinho, Daniel Antunes e João Pedro Santos.
Aquela unidade operava sem alvará, conforme a Secretaria DF Legal. Em depoimento, o proprietário do Instituto, Douglas Costa Ramos, confirmou que a porta principal estava trancada por cadeado, justificando com furtos anteriores. Também admitiu a ausência de licenças para funcionamento.
Tentativas de contato com o Instituto para esclarecimentos não foram atendidas até a última atualização desta reportagem, que permanece aberta para novos posicionamentos.

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