Economia
Cortes forçados na geração de energia fazem empresas suspenderem projetos

O crescimento acelerado da energia solar e eólica no Brasil nos últimos anos criou um desafio inédito. O Operador Nacional do Sistema (ONS) tem imposto cortes obrigatórios na geração dessas fontes renováveis para evitar sobrecarga no sistema elétrico, prática conhecida como curtailment.
Esse fenômeno acontece porque a produção de energia supera a demanda, ameaçando o equilíbrio do Sistema Interligado Nacional (SIN). A impossibilidade técnica de desligar rapidamente termelétricas e hidrelétricas faz com que o sacrifício recaia sobre as usinas solar e eólica.
Em 2025, o corte obrigatório atingiu 18,5% da geração combinada dessas fontes, segundo a consultoria Volt Robotics, causando perdas significativas e levando empresas a paralisar investimentos. Foram 4,3 mil GWh não gerados, volume que equivale ao consumo mensal do Paraná e é 230% maior do que o total de cortes forçados de todo o ano de 2024.
Relatórios de instituições financeiras como Itaú BBA e BTG Pactual apontam que os cortes cresceram constantemente, chegando a mais de um quarto da geração solar e eólica apenas em agosto.
As entidades representativas do setor, como Absolar e Abeeólica, informam que as perdas financeiras somam R$ 6,6 bilhões entre 2024 e 2025, já com um aumento de quase 40% em relação ao ano anterior. O impacto negativo elevou o grau de incerteza, fazendo com que muitas empresas revisem ou até cancelem projetos, temendo o risco financeiro.
Fábio Bortoluzo, da Atlas, destaca que até R$ 30 bilhões em investimentos correm o risco de não se concretizar, com diversos projetos sendo cancelados ou adiados devido à instabilidade causada pelos cortes.
Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar, denuncia que usinas recentes enfrentam cortes de até 70% da geração, comprometendo seus contratos e financiamentos, o que gera um prejuízo enorme ao setor.
Donato Filho, da Volt Robotics, acrescenta que os estados com maior incidência dos cortes são Minas Gerais, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco, e que a situação atual compromete gravemente o futuro da geração renovável no país.
Os cortes são aplicados em tempo real pelo ONS para prevenir sobrecargas no SIN, prática que se intensificou após o apagão de agosto de 2023. Isso obriga usinas renováveis a adquirirem energia no mercado para cumprir contratos, elevando os custos operacionais.
A frequência dos cortes coincide com os horários de maior produção solar (9h às 16h) e é ainda mais acentuada nos fins de semana, quando a demanda diminui. Em situações extremas, como no Dia dos Pais de 2025, o corte chegou a 98,5% da capacidade de algumas usinas.
Rubens Brandt, CEO do Grupo Energia, destaca que o atual cenário, com juros altos e consumo em retração, dificulta ainda mais o equilíbrio do sistema, levando ao adiamento ou cancelamento de grandes projetos, como o parque solar Apia na Bahia.
Especialistas consultados apontam que essa situação deverá persistir ao menos até 2035, exigindo adaptações estratégicas por parte do setor.
Empresas consumidoras de energia renovável, como Gerdau e Votorantim, manifestam preocupação com os impactos dos cortes nos custos futuros, o que pode refletir no aumento das tarifas.
O setor busca soluções que envolvem a expansão da transmissão, o estímulo ao uso da energia durante períodos de menor demanda e a implementação de tecnologias de armazenamento, como baterias de grande escala.
Jean Paul Prates, ex-presidente da Petrobras, ressalta a contradição entre o avanço das renováveis e os cortes obrigatórios, apontando para a necessidade de modernização do sistema elétrico e adoção de ferramentas digitais para melhor gestão.
A geração distribuída por meio de sistemas fotovoltaicos residenciais também complica a situação, pois o ONS não consegue controlá-la eficazmente, aumentando o desafio do equilíbrio da rede.
O Ministério de Minas e Energia estabeleceu um grupo de trabalho para estudar o tema e buscar soluções regulatórias e operacionais, priorizando obras de transmissão e tecnologias que aumentem a confiabilidade do sistema.
Em resumo, o Brasil enfrenta um momento delicado na integração das fontes renováveis à sua matriz elétrica, demandando investimentos estratégicos em infraestrutura e inovação para garantir a segurança energética, minimizar perdas e viabilizar o crescimento sustentável do setor.

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