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Morte de Assata Shakur reacende debate sobre racismo nos Estados Unidos

A ativista negra Assata Shakur, ex-militante do movimento dos Panteras Negras, dos Estados Unidos, viveu por quatro décadas exilada em Cuba após ser condenada à prisão perpétua pelo homicídio de um policial em Nova Jersey, ocorrido em 1973. Na semana passada, sua morte foi anunciada aos 78 anos, em Havana, pelo Ministério de Relações Exteriores de Cuba, devido à sua idade avançada e problemas de saúde.
A trajetória de Joanne Deborah Chesimard, conhecida como Assata Shakur, está intimamente ligada à história dos Estados Unidos. Durante sua vida, travou-se uma intensa disputa sobre sua memória e legado. Para muitos, ela simboliza a luta contra o racismo no país.
Para o FBI, a agência de inteligência dos EUA, ela foi considerada uma perigosa “terrorista” — sendo a primeira mulher incluída, em 2013, na lista dos terroristas mais procurados, com uma recompensa de US$ 2 milhões por informações que levassem à sua captura.
Após o anúncio de seu falecimento, o Sindicato dos Professores de Chicago prestou homenagem à ativista numa rede social, destacando sua luta como revolucionária e líder da liberdade negra. Entretanto, grupos conservadores do Conselho Municipal de Chicago criticaram a homenagem. O governador de Nova Jersey, Phil Murphy, expressou sua forte oposição a qualquer tentativa de retorno dos restos mortais de Shakur.
A extradição de Assata foi uma antiga demanda dos Estados Unidos em negociações com Cuba para aliviar o embargo econômico à ilha, mas Havana sempre recusou a solicitação. Madrinha do rapper estadunidense Tupac Shakur, assassinado em 1996, ela também fez parte do Exército da Libertação Negra, alvo da repressão do FBI nas décadas de 1960 e 1970.
“Ninguém na história conquistou sua liberdade apelando para o senso moral de seus opressores”, é uma de suas frases mais célebres.
Segundo a coordenadora da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, Cleusa Silva, a vida de Shakur é uma inspiração para ativistas nas Américas. Ela destacou que Assata combateu o racismo patriarcal, além das injustiças de gênero e classe, revolucionando seu tempo e merecendo reconhecimento não como criminosa, mas como uma mulher que pagou alto preço por sua luta.
O Caso do Assassinato
No dia 2 de maio de 1973, Assata Shakur e dois companheiros foram abordados pela polícia, resultando na morte do agente Werner Foerster e do militante Zayd Shakur. Embora Assata tenha sido considerada culpada pelo homicídio em 1977, evidências médicas indicaram que ela estava ferida e impossibilitada de disparar a arma no momento dos fatos.
Em 1979, ela fugiu da prisão com auxílio de aliados e viveu em esconderijos até se exilar em Cuba em 1984, onde permaneceu até seu falecimento. Defensores argumentam que sua condenação foi motivada pelo contexto de perseguição a lideranças negras nos Estados Unidos.
Repressão e Memória
O advogado Lennox S. Hinds, fundador da Conferência Nacional de Advogados Negros, destaca que o FBI criou uma campanha sistemática para desacreditar e perseguir Assata, inclusive fabricando acusações e difamações.
A ativista e escritora Angela Davis sublinha que militantes negros eram vistos como inimigos do Estado. Ela critica a distorção da imagem de Assata, que é apresentada hoje como uma simples criminosa, o que justifica a manutenção do sistema prisional vigorizado nos EUA.
Cleusa Silva recorda seu encontro com Assata Shakur em Havana, onde ela relatou as dificuldades e sofrimentos enfrentados para escapar dos Estados Unidos e o acolhimento recebido em Cuba, lamentando não poder retornar à sua comunidade.
Disputa pela Memória
O embate sobre o legado do antirracismo no país se intensifica no contexto político atual. O segundo governo de Donald Trump buscou censurar museus que expunham a escravidão e pressionar para que o conteúdo fosse alinhado à sua visão histórica.
Uma nova controvérsia surgiu ao decidir-se pela restauração do nome anterior da base militar maior do país, o que implica homenagear um general confederado ligado à defesa da escravidão, em contraste com a decisão do governo Joe Biden de renomear várias bases que antes exaltavam figuras racistas.

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