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Cúpula de Gaza vira espetáculo, dizem diplomatas

A reunião sobre Gaza realizada no Egito tinha como objetivo principal a consolidação do cessar-fogo entre Israel e Hamas. No entanto, conforme relatos de alguns diplomatas, o encontro acabou se tornando mais uma celebração da imagem renovada do presidente americano, Donald Trump, como pacificador, do que uma verdadeira negociação política.
Trump e os líderes de Egito, Catar e Turquia — responsáveis pelo acordo entre Israel e Hamas — assinaram na segunda-feira (13) um documento que, segundo um diplomata, estava mais para uma declaração de intenções do que um compromisso concreto.
O cessar-fogo continua válido na Faixa de Gaza, entretanto, muitos detalhes do plano de paz de 20 pontos proposto por Trump ainda precisam ser implementados. Entre esses pontos contam-se desafios significativos, como o desarmamento do grupo islamista palestino Hamas, a futura administração do território palestino e a criação de uma “Junta de Paz” para supervisionar o processo.
Enquanto Trump fazia uma celebração simbólica no Knesset, o parlamento israelense, mais de vinte líderes mundiais — incluindo o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, o chanceler alemão, Friedrich Merz, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o secretário-geral da ONU, António Guterres — aguardavam durante todo o dia a chegada do presidente americano ao balneário egípcio de Sharm el-Sheikh.
Evento marcado por formalidades
Antes da chegada de Trump, os líderes discutiam estratégias para pressioná-lo a tratar da ajuda a Gaza e da administração da região. Contudo, o presidente americano chegou com quatro horas de atraso e praticamente todos os líderes formaram uma fila para cumprimentá-lo, em um clima que muitos diplomatas qualificaram como um espetáculo.
O que deveria ser uma reunião diplomática comum transformou-se em um desfile, com líderes caminhando por um tapete vermelho para saudar um radiante Trump, que estava sob um grande banner escrito “PAZ 2025”.
“Foi um dia bastante estranho… o espetáculo, o discurso com todos esses líderes na fila, foi uma loucura”, declarou um diplomata à AFP, mantendo seu anonimato. “Nunca havia presenciado algo assim, e acredito que muitas pessoas também não.”
Enquanto Trump e o presidente egípcio, Abdel Fattah al Sissi, proferiam seus discursos, a maioria dos líderes ficou posicionada atrás deles, o que não é habitual em tais encontros.
Alguns líderes, como Macron, o rei Abdullah II da Jordânia e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, recusaram-se a participar da fila, permanecendo sentados durante o evento.
Reconhecimento e controvérsias
Durante a cúpula, o presidente egípcio elogiou Trump, destacando-o como o único líder capaz de promover a paz na região. A cidade de Sharm el-Sheikh foi decorada com cartazes do presidente americano e do líder egípcio sorridentes, acompanhados de slogans pela paz.
O avião da Força Aérea dos Estados Unidos recebeu escolta de caças F16 egípcios ao entrar no espaço aéreo egípcio, e Trump brincou dizendo que o Egito fez um bom negócio ao adquirir essas aeronaves.
Al Sissi anunciou que Trump havia sido agraciado com a Ordem do Nilo, a mais alta condecoração civil do Egito, logo após receber uma honraria similar em Israel.
Fontes egípcias indicaram que o documento assinado tinha como propósito celebrar os esforços pela paz atribuídos ao presidente americano, mas que a inclinação de Trump para o espetáculo quase comprometeu o evento.
Em uma ligação telefônica surpreendente feita enquanto estava em Israel, Trump pressionou Al Sissi para convidar o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, à cúpula, gerando desconforto entre os líderes presentes, cuja maioria não mantém relações com Israel.
Relatos de diplomatas apontam que Al Sissi entrou na chamada para demonstrar alinhamento, tentando se mostrar como o “melhor aluno” para Trump.
Alguns participantes ficaram incomodados com a possibilidade de compartilhar o espaço com Netanyahu, que enfrenta uma ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional por alegados crimes de guerra e contra a humanidade.
Observadores notaram que o avião do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, fez voltas antes de pousar, e a imprensa local relatou que o mandatário se recusou a desembarcar após saber do convite a Netanyahu.
Temendo ter que sair sem se pronunciar, líderes da Alemanha, Itália e dos Países Baixos deixaram a área restrita para conceder entrevistas à imprensa.
Outro diplomata qualificou o dia como “ridículo”, ecoando a sensação de incredulidade compartilhada pelos presentes.
Apesar disso, sublinhou que “estamos em uma situação melhor do que antes. A questão é se ele [Trump] continuará firme e manterá a posição contra Netanyahu daqui para a frente.”

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