Argentina depende do humor dos mercados após apoio condicionado de Trump

Os mercados financeiros reagiram nesta quarta-feira (15) às oscilações dos anúncios de ajuda dos Estados Unidos ao seu aliado Javier Milei, enquanto a população aguarda ansiosa o desfecho das negociações confusas a poucos dias das eleições legislativas nacionais.

Na terça-feira, o presidente Donald Trump condicionou o apoio financeiro à vitória de Milei nas eleições de 26 de outubro: “Se não vencerem, nós saímos”, declarou, afirmação que o governo argentino tentou minimizar sem sucesso.

No entanto, na quarta-feira o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, comunicou que o governo americano trabalha em uma linha de crédito adicional à ajuda já anunciada, duplicando o resgate para 40 bilhões de dólares (R$ 218 bilhões na cotação atual), provocando um impacto imediato nos mercados.

Enquanto o mercado financeiro oscila conforme as declarações dos EUA, a população segue vivendo em clima de incerteza.

Segundo Fernando Román, de 61 anos, proprietário de uma oficina metalúrgica em Buenos Aires que opera em capacidade reduzida, “há um atraso em todas as decisões financeiras, desde a compra de um veículo até a reserva de férias”.

O dólar, que começou o dia em alta, moderou a valorização após o anúncio de Bessent e a Bolsa de Buenos Aires apresentou ganhos. Contudo, a desconfiança persiste, refletida na demanda por divisas.

O peso argentino enfrenta uma corrida desde o revés do governo nas últimas eleições na província de Buenos Aires, a mais populosa do país, onde pesquisas indicam nova derrota de Milei perante o peronismo.

Além disso, o Congresso vetou decretos presidenciais e convocou para interrogar a irmã de Milei, Karina, por suspeitas de corrupção.

A economia do país mostra fragilidades: a inflação, que é a principal promessa de Milei para ser reduzida a um terço em dois anos, acumulou alta por três meses consecutivos, registrando 2,1% em setembro, maior índice desde abril.

A queda do consumo, a desaceleração industrial e as taxas de juros superiores a 100% ao ano reforçam o cenário de recessão.

Relatórios privados alertam para o risco de desvalorização da moeda.

A consultoria britânica Capital Economics afirmou que “se o partido de Milei tiver um desempenho ruim nas eleições, o risco de uma desvalorização abrupta e descontrolada do peso aumentará”.

Em abril, a Argentina recebeu cerca de 20 bilhões de dólares do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Milei aposta no resgate milionário dos EUA para afastar o risco de inadimplência, conforme declarou à rádio El Observador antes de seu encontro com Trump na Casa Branca.

O país enfrenta vencimentos de aproximadamente 4 bilhões de dólares em janeiro.

Iván Schuliaquer, cientista político da Universidade Nacional de San Martín, afirmou que “o governo depende cada vez mais do financiamento externo, pois seu plano econômico está sem dólares”.

A oposição interpreta o anúncio de Trump como uma interferência política, com o senador Martín Lousteau declarando que ele “não quer ajudar o país, mas sim salvar Milei“.

Schuliaquer também comentou que o governo “não soube aproveitar o superávit gerado e enfrenta uma crise política e econômica que o deixam em um dilema. A qualidade de vida da população não melhorou”.

Segundo ele, “o governo necessita formar alianças, mas até o momento mostrou falta de capacidade de negociação”.

O cenário internacional favorece os EUA, avaliou o analista político Carlos Germano.

O apoio incomum dos Estados Unidos “deve ser interpretado como uma mudança estratégica na aproximação com a América Latina”, disse à AFP.

Ele ressaltou que “essa mudança coincide com a afinidade ideológica entre Trump e Milei, podendo ultrapassar o resultado eleitoral”.

Germano mencionou que “nas negociações com os EUA, já se fala de um governo de coalizão”.

Para o governo, o grande desafio será superar a inflexibilidade do partido de Milei, A Liberdade Avança, simbolizada pela cor violeta, buscando assim abrir espaço para negociações mais amplas.