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Gastei toda minha rescisao em jogos online, diz diarista de Sao Paulo
A diarista Wanessa Silva aceita qualquer serviço que esteja ao seu alcance. Residente em Guaianases, na zona leste de São Paulo, atualmente ela realiza trabalhos de faxina voluntariamente, embora já tenha trabalhado como camareira e atendente de telemarketing. Nos últimos dois anos, a pequena quantia que ganha é destinada exclusivamente para apostas em jogos de azar.
Wanessa faz parte das 114 pessoas que buscaram tratamento para dependência em apostas nas unidades públicas de saúde da cidade em 2025, um número que triplicou em relação a 2023, quando foram registrados 35 casos. Ela também é uma entre os 40 milhões que participaram de pelo menos uma aposta ou jogo online no último ano, conforme dados da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil).
Em conversa com o Metrópoles, Wanessa relatou que começou a apostar após ver a publicação de uma amiga nas redes sociais.
“Perguntei se era verdade que ela ganhava R$ 200 por dia e ela explicou. Eu estava sem dinheiro, fiz um cadastro e depositei R$ 40. Depois disso, começou a confusão”, contou.
Uma trajetória difícil
Inicialmente, a experiência parecia ser positiva: em um só dia, chegou a ganhar R$ 2 mil, mas rapidamente gastava tudo em novas apostas. O que inicialmente visava aumentar a renda se tornou um vício difícil de controlar.
Wanessa desenvolveu o transtorno do jogo, caracterizado pela dificuldade em controlar o tempo e dinheiro investidos. Isso gera problemas familiares e financeiros, além de transtornos como ansiedade, depressão e pensamentos suicidas.
A situação financeira da diarista colapsou. Embora não tenha calculado as perdas totais, afirma ter depositado cerca de R$ 8 mil em uma única plataforma. Além disso, perdeu o emprego de camareira por causa do vício.
“Eu fingia passar mal para voltar para casa e poder apostar. Pedi demissão para continuar jogando. Toda minha rescisão de R$ 6 mil foi gasta em jogos de azar.”
Impactos financeiros e sociais
O problema financeiro não é isolado. Pesquisa da CNDL/SPC Brasil mostrou que 19% dos apostadores comprometem sua renda com jogos; 17% deixam de pagar contas e 29% tiveram nome negativado devido a apostas online.
Além disso, 27% dos R$ 13,7 bilhões do Bolsa Família foram usados em apostas em janeiro de 2025, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Em uma tentativa de controle, Wanessa transferiu o aplicativo do benefício para o celular da filha de 13 anos, que agora controla suas finanças.
O vício também afetou seu casamento. Wanessa relatou que no início o marido ajudava, mas as dificuldades financeiras causaram tensão, e ele ameaçou pedir separação caso ela continue apostando.
Busca por tratamento
Apesar de continuar apostando, recentemente Wanessa percebeu que trabalhava muito para pouco retorno, e procurou ajuda nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) em Guaianases. Contudo, não se sentiu acolhida no grupo, onde seus colegas riam ao saber que seu vício era em jogos, e não em álcool ou drogas.
De acordo com o psicólogo Edilson Braga, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a falta de preparo dos profissionais para tratar o vício em jogos é um obstáculo significativo: “Faltam profissionais capacitados para lidar com essa dependência, tanto medicamentosa quanto psicoterapêutica. Muitas vezes, encaminham os pacientes para nós sem assistência adequada no SUS.”
Wanessa tentou usar ferramentas para bloquear aplicativos de aposta, mas encontrou maneiras de burlar quando recaía. Ela afirmou que quando não joga, sente dores de cabeça e mal-estar, e que as propagandas nas redes sociais são um gatilho para o vício.
Ela acredita que a única solução concreta seria a proibição completa das plataformas de apostas online no país, onde estas são legais desde 2018 e regulamentadas em 2023.
Reconhecendo o vício
O Ambulatório do Transtorno do Jogo do Hospital das Clínicas desenvolveu doze perguntas para ajudar a identificar a dependência em jogos de azar. Caso a pessoa responda afirmativamente a cinco ou mais, é recomendado procurar ajuda profissional.
Ações das autoridades
A Secretaria Municipal da Saúde informou que capacita continuamente as equipes da Atenção Primária e dos Caps por meio de educação permanente, que inclui discussões de casos, acompanhamentos conjuntos e treinamentos conforme as diretrizes do Ministério da Saúde.
Em São Paulo, as 479 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) funcionam como a porta de entrada para acolhimento, avaliação e encaminhamento para projetos terapêuticos quando necessário. A Rede de Atenção Psicossocial (Raps) conta com 103 Caps que oferecem atendimento inicial sem necessidade de agendamento.
A Secretaria de Estado da Saúde declarou que apoia a política voltada ao tratamento do vício em jogos, promovendo capacitação e suporte às equipes de saúde mental da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e da Atenção Básica em todo o estado. Nos próximos meses, haverá ações focadas na formação de profissionais e no fortalecimento de parcerias para melhorar o atendimento.


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