Jiangxi, o ‘El Dorado’ das terras raras que oferece à China uma vantagem estratégica

O solo vermelho do sul da China contém uma força poderosa: uma grande reserva de minerais de terras raras, constantemente explorada por uma indústria estratégica que opera com grande sigilo e sob rigorosa supervisão.

As colinas da província de Jiangxi abrigam a maior parte dos depósitos chineses dessas terras raras, essenciais em uma variedade de produtos, desde smartphones até tecnologias avançadas de mísseis guiados.

Em novembro, jornalistas da AFP visitaram a região, acompanhados por pessoas que preferiram manter anonimato. Empresas do setor se recusaram a conceder entrevistas.

O setor está crescendo rapidamente: o número de locais de processamento de terras raras na China saltou de 117 em 2010 para 2.057 em 2017, segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS).

Atualmente, o USGS lista 3.085 pontos de extração em todo o país, com a maioria localizada nas colinas de Jiangxi.

Uma das minas funciona quase sem interrupções, conforme relatos dos residentes locais.

“Opera 24 horas por dia, sete dias por semana”, afirmou um morador do vilarejo de Banshi.

Essa intensa atividade minera decorre de décadas de esforços do governo chinês para consolidar sua posição nesse setor vital.

Este ano, a China fez uma trégua temporária na guerra comercial com os Estados Unidos, ao flexibilizar o controle rígido sobre as exportações de terras raras.

Washington, por sua vez, busca alternativas para suas cadeias de suprimentos com intuito de reduzir a dependência chinesa, mas especialistas alertam para o longo prazo dessa transição.

Como sinal da preocupação no Ocidente, a União Europeia anunciou medidas para diminuir sua dependência da China nesses materiais essenciais.

O bloco europeu planeja investir quase 3 bilhões de euros para apoiar mineração, refino e reciclagem desses recursos, além de propor um centro europeu de abastecimento.

Terras raras “pesadas”

“O Oriente Médio possui petróleo, já a China detém as terras raras”, declarou Deng Xiaoping, então presidente da China, em 1992.

Desde então, a China explorou suas reservas naturais para dominar a produção e inovação nessa área.

A indústria chinesa se concentra em dois grandes centros.

• Bayan Obo, na Mongólia Interior, que possui terras raras “leves” usadas em ímãs e produtos cotidianos.

• O polo de Ganzhou, na província de Jiangxi, focado nas terras raras “pesadas”: mais difíceis de extrair, porém muito valiosas para ímãs resistentes ao calor, motores de aviões militares, sistemas de mísseis e lasers.

As colinas acidentadas ao redor de Ganzhou abrigam as maiores operações globais de extração e processamento desses elementos estratégicos “pesados”, como disprósio, ítrio e térbio.

Uma equipe da AFP em Longnan acompanhou as filas de fábricas de processamento de terras raras em um parque industrial próximo às minas.

Mover montanhas

Esses elementos pesados se formaram durante milhões de anos, quando a chuva desgastou rochas ígneas, concentrando os minerais próximos à superfície.

As chuvas abundantes e as rochas naturais das colinas de Jiangxi fazem da região um local privilegiado para o surgimento desses químicos.

As autoridades denunciam os métodos prejudiciais anteriores à extração e lutam para controlá-los.

Uma dessas práticas, conhecida como “mover montanhas”, foi classificada em 2015 pelo órgão regulador industrial da China como um processo que causa danos irreversíveis.

Com o tempo, a mineração ilegal foi drasticamente reduzida. Placas em áreas rurais alertam contra a extração não autorizada e oferecem recompensas para denúncias.

A indústria hoje está dominada por duas grandes estatais.

Na “Avenida Terra Rara” de Ganzhou, está sendo construída a sede da China Rare Earth Group, uma dessas empresas líderes.

Porém, as marcas das antigas práticas de mineração ainda estão visíveis nas colinas da província, com veios de solo vermelho expostos em meio à vegetação que luta para se renovar.