O cenário de crise hídrica vivido pelo Distrito Federal ao longo das últimas semanas contrasta com atitudes tomadas pelo próprio governo no início do ano. Em março, no fim da temporada de chuvas, gestores chegaram a comemorar o transbordamento da barragem do Rio Descoberto – na última sexta (30), o nível da água chegou a 33,82%, o mais baixo dos últimos 30 anos.
A barragem começou a transbordar em 15 de março, após uma sequência de chuvas fortes. Dois dias depois, o governo divulgou entrevista com o gerente do centro de controle da Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb), Ulisses Pereira. O texto dizia que o transbordamento “garantia mais conforto aos moradores”.
“O DF não passa por preocupações sobre disponibilidade de água”, dizia Pereira nadivulgação do governo. Em 2014 e 2015, a barragem do Descoberto também superou os 100% de armazenamento e verteu água, exigindo a abertura das comportas.
Em outro ponto do DF, no Lago Paranoá, o governo teve que “jogar água fora” em janeiropara manter o equilíbio da barragem. Neste caso, o reservatório não é usado para abastecimento humano, e sim para a geração de energia. As comportas foram abertas em 50 centímetros para escoar o excedente, que foi direcionado à área mais baixa do lago.
O governo tenta construir um sistema de captação para até 600 mil pessoas no Lago Paranoá, com nove reservatórios, mas as obras ainda não começaram. A ideia é captar, logo na estreia, cerca de 2,1 mil litros por segundo. Para comparação, a vazão do Descoberto é pouco superior a 5 mil litros por segundo.
Trajetória
No início de agosto, os reservatórios atingiram 60% da capacidade – fruto da estiagem que sempre é registrada no DF entre junho e setembro, com maior ou menor intensidade. As chuvas abaixo do esperado no primeiro semestre, o período de estiagem e a baixa dos córregos já causavam perdas na agricultura em Brazlândia e em Planaltina mas, em 8 de agosto, a Adasa afirmou que o DF não corria risco de racionamento no curto prazo.
No dia 18 daquele mês, a barragem do Descoberto chegou a 54% da capacidade, e a de Santa Maria, a 56%. Com isso, o DF entrou em estado de atenção e a Adasa reforçou as campanhas pela economia de água, embora continuasse a afastar a hipótese de racionamento.
Em 16 de setembro, o “estado de atenção” foi convertido em “estado de alerta”, e os reservatórios caíram abaixo dos 40%. Nesse nível, se não houver chuva adicional, o estoque de água é suficiente apenas para 73 dias de consumo.
Portaria da Adasa em vigor permite que, nesse estágio, o governo crie uma “tarifa de contingência” para forçar a redução do consumo. Nesta quarta (28), o GDF informou que adotará a cobrança extra se os reservatórios atingirem 25% da capacidade, o que pode tornar a conta de água até 20% mais cara.
Racionamento
Frente à possibilidade de escassez hídrica, a Adasa decidiu proibir a irrigação de jardins de postos de combustível e o uso de água nas limpezas de para-brisas feitas por frentistas. As novas regras foram anunciadas após reunião entre representantes dos estabelecimentos e técnicos da instituição.
Os postos também tiveram que trocar maquinário. Atualmente, cada um dos 320 estabelecimentos da capital gasta em média mil litros de água por hora, número considerado alto pela Adasa.
A agência informou ainda que revisa as autorizações de motoristas de caminhões-pipa para a retirada do recurso em córregos que já tenham níveis baixos. Eles só poderão recarregar seus tanques nos córregos entre 6h e 14h. O intervalo servirá para que os mananciais d’água “descansem”. O horário foi sugerido pelos próprios motoristas.
Os caminhões serão usados pelo governo do DF para garantir a água em hospitais, postos de saúde, centros de diálise e UPAs das regiões citadas, durante a fase de racionamento. O Complexo Penitenciário da Papuda, em São Sebastião, também será abastecido por caminhões. O plano não prevê envio de caminhões às escolas dessas áreas.
A represa do Descoberto é responsável pela água de 2 em cada 3 moradores do DF. Ela atende as regiões de Águas Claras, Candangolândia, Ceilândia, Gama, Guará, Núcleo Bandeirante, Park Way, Recanto das Emas, Riacho Fundo I e II, Samambaia, Santa Maria, Taguatinga e Vicente Pires.
A barragem fica às margens da BR-070, entre Brazlândia, Ceilândia e a cidade goiana de Águas Lindas. Em razão da ocupação urbana e da produção rural próxima, o reservatório também é ameaçado por problemas ambientais como a contaminação por lixo e a falta de vegetação ao redor. Nesse sentido, a barragem Santa Maria (responsável por 27% do abastecimento) é mais “protegida” por estar aninhada no Parque Nacional de Brasília.
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