Mesmo com a maior renda por habitante do país, o governo do Distrito Federal sentiu os efeitos da crise e tem enfrentado dificuldades para fechar as contas. Nos últimos dois anos, o Palácio do Buriti atrasou e parcelou salários, cortou investimentos, suspendeu obras, ficou em dívida com fornecedores e pediu socorro à União.
Em 2015, faltaram R$ 2,5 bilhões nos cofres do DF – é o chamado “déficit primário”, quando o gestor público gasta mais do que consegue arrecadar. Segundo o governo, a meta para 2016 é de um “rombo menor”, de R$ 1,4 bilhão – correspondente a 4,3% do orçamento total para o ano.
“Ainda é grave, mas já reduzimos o quadro de déficit. Eliminamos cargos comissionados, reduzimos e renegociamos contratos, reduzimos os gastos gerenciáveis. Isso economizou mais de R$ 800 milhões de 2015 para cá, na comparação com o que se gastou em 2014”, diz a secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão do DF, Leany Lemos.
Segundo ela, a “fórmula da crise” no DF foi a mesma enfrentada por outros estados. “Na época de bonança, quando a arrecadação estava ‘bombando’, ninguém fez reforma estrutural. Os ingressos de receita que estavam acontecendo foram destinados a despesas continuadas. Quando a receita caiu, não tínhamos de onde tirar”, afirma.
As despesas continuadas citadas por Leany incluem a contratação de servidores e o reajuste às categorias. Em 2014, o ex-governador Agnelo Queiroz (PT) assinou 27 leis que previam aumentos escalonados a 32 categorias do funcionalismo, com parcelas até 2016. Duas das três cotas foram suspensas por Rollemberg, que disse não ter caixa para arcar com o custo.
Segundo dados do próprio governo, mesmo sem os reajustes prometidos, o DF gasta 77% de toda a verba anual para pagar salários. A conta inclui o Fundo Constitucional, fornecido e gerido pela União, destinado ao pagamento de salários da segurança pública e a complementação de verbas de saúde e educação.
Em valores nominais – ou seja, sem descontar a inflação –, a arrecadação de impostos do DF cresceu 6,9% no primeiro semestre, fruto de reajustes no IPVA, no ICMS e nas contas de luz e água, por exemplo. O governo diz que essa alta foi anulada pela inflação e pela queda dos repasses de fundos e convênios.
Entenda o cálculo
Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, os estados e o DF não podem gastar mais que 60% da receita corrente líquida – a arrecadação do governo, descontados os fundos e algumas outras contribuições menores – com o salário dos servidores. Segundo o Tesouro, em 2015, o DF usou 64,19% das verbas com esse objetivo.
Dentro desses 60%, além da estrutura do Poder Executivo, o DF também precisa financiar a Câmara Legislativa (1,7% da receita líquida), o Judiciário local (6%), o Tribunal de Contas (1,3%) e o Ministério Público (2%). Juntos, esses percentuais correspondem a 11% da receita.
Como esses órgãos têm autonomia para gerenciar as próprias folhas de pagamento, o Palácio do Buriti não reúne esses balanços em seus relatórios. Assim, os balanços fiscais emitidos a cada quatro meses adotam um limite menor, de 49% da receita líquida do período.
Em 2015, esse limite particular do Executivo também foi estourado. No balanço dos 12 meses, o DF usou 49,3% da receita corrente líquida para pagar salários e benefícios. Neste ano, as projeções variam entre 46% e 47%.
Para evitar que os governadores sejam “pegos de surpresa” por esses índices, a LRF criou um dispositivo que funciona como gatilho – é o limite prudencial, que corresponde a 95% do valor do teto. Para a base de 49% usada pelo GDF, esse gatilho é ativado quando o gasto chega a 46,55%. O DF está acima desse número desde janeiro de 2015.
Salários
No primeiro semestre de 2015, logo que chegou ao Buriti, Rollemberg chegou a parcelar os salários de funcionários públicos que ganhavam acima de R$ 9 mil. A medida foi contestada pela Justiça, mas vigorou por três meses.
Em outubro deste ano, após anunciar o cancelamento dos reajustes, o governo voltou ao discurso de que poderia não ter dinheiro em caixa para pagar salários. O depósito foi garantido uma semana depois. Segundo Leany, isso acontece porque soluções usadas pelo governo estão próximas ao esgotamento.
“A sociedade não enxerga que, todo mês, é um sufoco danado. Você represa pagamentos a partir do dia 25, não paga mais ninguém pra conseguir pagar servidor”, diz.
Em 2015, o DF conseguiu receitas extras de R$ 1,7 bilhão com iniciativas como o refinanciamento das dívidas de contribuintes (Refis), o uso de fundos distritais e do superávit do Iprev (fundo de previdência dos servidores). Neste ano, as ideias do governo não surtiram efeito.
“O próprio Refis vem arrecadando muito pouco, tem um esgotamento. De outro lado, só o Fundo Constitucional caiu R$ 380 milhões. O repasse para educação e saúde caiu R$ 1,1 bilhão”, afirma Leany. O GDF conseguiu autorização para vender R$ 500 milhões em imóveis, mas só vendeu R$ 130 milhões, parcelados. Até o início de novembro, só R$ 7 milhões tinham sido pagos.
Questionado pelo G1, o governo disse não saber se terá dinheiro para pagar a segunda parcela do 13º dos servidores comissionados – a primeira foi paga em julho. Funcionários de carreira recebem o salário extra no mês seguinte ao aniversário e, ao longo dos últimos anos, tiveram esse pagamento atrasado em pelo menos cinco ocasiões.
Reajustes
Apesar de toda a dificuldade para pagar em dia e da suspensão dos reajustes, o GDF considera que os funcionários ainda estão “no lucro”. Segundo o Planejamento, há categorias que tiveram valorização salarial de 300% nos últimos 10 anos, quando a inflação acumulada girou em torno de 100%.
“A folha de pagamento está em R$ 19,2 bilhões. Há sete anos, era de R$ 10 bilhões […] Como não temos agricultura, indústria, quando se injeta dinheiro para os servidores, a economia fica mais movimentade, é claro. Mas quando se faz isso sem base consistente, você não consegue sustentar serviços públicos”, diz Leany Lemos.
Além dos 77% gastos com pessoal, o GDF emprega 20% das receitas no custeio de serviços públicos como coleta de lixo, merenda escolar, medicamentos, vigilância de escolas e de hospitais. Feitas as contas, sobram 3% para investimentos. O governo diz ter investido R$ 670 milhões em 2015 e estima empregar R$ 900 milhões neste ano, em obras e em melhorias nos serviços.
“Muitas despesas que nós temos são despesas que, geralmente, ficam a cargo dos municípios. A poda das árvores, a varrição das ruas, por exemplo. O Plano Piloto tem status de cidade-parque, então, esse custo fica ainda mais alto”, diz a chefe do Planejamento.
O acúmulo de atribuições também tem impacto negativo na previdência, de acordo com o governo. Na educação, por exemplo, o Buriti abriga os ensinos infantil e fundamental, que a Constituição atribui aos municípios, e o ensino médio, de responsabilidade dos estados. O mesmo acontece na saúde, com a atenção básica (municipal) e a rede hospitalar (estadual).
“Hoje, a gente tem uma média de R$ 2,2 bilhões de déficit, que a gente precisa tirar do Tesouro para pagar os inativos. Isso vai aumentando, é um sistema insustentável”, declara Leany. Qualquer mudança nesse sistema dependeria de uma reforma da Previdência, que segue travada no Congresso Nacional.
Pedido à União
Sem uma saída doméstica para a crise, Rollemberg tem enviado pedidos ao governo federal, mas as negociações surtiram pouco efeito com a ex-presidente Dilma e ainda não avançaram no governo Temer. Dívidas cobradas pelo DF não têm previsão de pagamento, e obras vinculadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram interrompidas.
Um dos pedidos feitos pelo GDF é o saldo da Compensação Previdênciária (Comprev), resultado da diferença entre o regime geral do país e o regime próprio de aposentadorias do governo local. “O governo federal tem uma dívida de R$ 740 milhões, a gente tem tentado negociar, ver formas de parcelamento”.
Se a dívida fosse quitada, o dinheiro teria destinação obrigatória para pagar aposentadorias e pensões. Ainda assim, na prática, o aporte poderia reduzir a necessidade de complementação do GDF, liberando o mesmo valor para investimentos ou custeio.
Sem verba em caixa, o GDF também resolveu contratar operações de créditos para “alavancar” – ou seja, pegar dinheiro emprestado para pagar empréstimos anteriores, convênios e contrapartidas de obras. “Temos tido mais sucesso nisso, porque o DF tem um bom rating [nota de crédito no mercado financeiro]”, diz o Planejamento.
Mesmo com todas essas alternativas, grande parte das obras anunciadas por Rollemberg em 2015 está atrasada ou interrompida. A expansão do Metrô, vinculada ao PAC, ainda não começou. O programa de drenagem pluvial no Plano Piloto (Drenar-DF) não saiu do papel, assim como viadutos, parques e espaços de lazer espalhados pelas regiões administrativas.
Prejuízos
Os prejuízos causados pela crise econômica se acumulam desde 2015. A falta de verba para obras de infraestrutura levou o governo a cancelar a Universíade 2019 e a Fórmula Indy, previstas para acontecer no DF. Com isso, projetos de modernização do Autódromo Internacional Nelson Piquet, do ginásio Nilson Nelson e da Universidade de Brasília (UnB) foram engavetados.
Com a suspensão dos reajustes, cerca de 140 mil trabalhadores do DF estão com salários congelados há dois anos. A taxa de desemprego em setembro era de 18,4%, bem acima da média nacional de 11,8%, indicando que havia 290 mil pessoas em “idade ativa” e buscando ocupação.
O setor cultural também teve prejuízos. Em 2015 e 2016, o governo suspendeu os repasses às escolas de samba da capital, que foram obrigadas a cancelar os desfiles – além da diversão, a festa gera emprego e renda no Plano Piloto e nas demais regiões administrativas. As reformas da Biblioteca Demonstrativa (ligada ao Ministério da Cultura) e do Espaço Cultural Renato Russo estão atrasadas, e os prédios não têm previsão de reabertura.
Na saúde, um estado de emergência foi decretado pelo DF em janeiro de 2015 e segue vigente, após três prorrogações. Com isso, o governo consegue burlar restrições legais, fazer compras emergenciais (mais caras) e sem licitação, contratar pessoal para além dos limites da LRF e prorrogar contratos por meio de aditivos. Em nota, o Buriti afirmou que esse estado de emergência “não causa impacto financeiro-orçamentário”.
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