Em meio à crise hídrica que impôs racionamento de água à população no Distrito Federal, os produtores rurais reclamam de prejuízos financeiros e perdas nas plantações, causadas pelo que eles chamam de “omissão do Estado”.
Nesta terça-feira (24), o nível do Descoberto – maior reservatório que abastece a região – chegou a 8,7% do volume útil. A quantidade é menor do que o “gatilho” anterior para reduzir a captação de água na bacia. Na sexta, um novo limite foi fixado em 4%.
Diante da situação, o G1 conversou com alguns donos de propriedades abastecidas pelo Descoberto, e ouviu relatos de prejuízos que chegam a 90%. Ao todo, 3,7 mil famílias vivem da agricultura nesta região.
Em uma delas, localizada em Brazlândia, o produtor rural Fábio Harada diz que, depois da restrição do volume de água captada em poço, a produção de goiabas caiu 90%. Com a falta de água, ele precisou, ainda, interromper o plantio de morangos e hortaliças.
“Antes colhíamos de 100 a 120 caixas de goiabas por semana. Nesse período de falta de chuva, só colhemos 20 caixas, e sem padrão comercial.”
A produtora rural Rosany Carvalho também enumera perdas. O prejuízo estimado na plantação de flores tropicais da família, também em Brazlândia, é de pelo menos 70%. “Antes se tinha um compromisso com a área rural. Quando se trouxe mais cidades para o Descoberto, não se teve mais cuidado com a produção rural”.
“A omissão do Estado foi muito grande, nesses anos todos”.
Questionado pela reportagem, o secretário de Agricultura Argileu Martins diz reconhecer a situação “preocupante” dos produtores rurais do DF, mas fala em redução de apenas 30% na produção até agosto.
“Eles têm sofrido restrição de uso de agua há mais de um ano, e a suspensão, dia sim/ dia não, agrava ainda mais a situação”.
Por telefone, o secretário também anunciou a assinatura, nesta quarta (25), de um convênio entre o governo do Distrito Federal e a Fundação Banco do Brasil. A parceria prevê o investimento de R$ 1 milhão na revitalização da Bacia Hidrográfica do Alto Rio Descoberto.
Ao todo, de acordo com a secretaria, serão reabilitadas 224 áreas de preservação permanente (APP), construídas 1,2 mil bacias de contenção e implantadas mais de 40 unidades demonstrativas de manejo de irrigação.
Investimentos
Na tentativa de amenizar o problema da água na área rural, o convênio entre o GDF e a FBB prevê a aquisição de seis maquinários que serão utilizados na “produção de água”. As duas motoniveladoras, uma retroescavadeira e quatro caminhões, sendo dois pipa, serão entregues ainda nesta quarta.
Os investimentos, segundo Martins, são “a curto prazo” e foram obtidos a partir de emendas de parlamentares distritais e federais. A previsão é de que as máquinas sejam utilizadas na construção de bacias de contenção.
“Vamos construir caminhos para que a água reduza a velocidade, e evite assoreamento de córregos. As ‘barraginhas’ vão permitir que a água infiltre e vá até o lençol freático.”
As “barraginhas” citadas por Martins são bacias que atuam como barreiras, para conter o transporte de sedimentos para as nascentes. As intervenções da pasta da Agricultura também incluem serviços de terraplanagem das vias e criação de ondulações — chamadas de “peito de pombo”. O objetivo é amenizar os processos que deixam os córregos mais rasos e frágeis.
‘Impacto em cadeia’
Produtora de folhagens, a propriedade de Ismar de Lima, 54 anos, também foi afetada pela crise hídrica. Localizada à beira do lago do Descoberto, na região do Incra 9, a perda estimada foi de 75% da produção.
Com 50% da área sem plantar – devido ao baixo volume de água captado – Ismar diz ter demitido 4 dos 10 funcionários da propriedade; o que ele chama de “impacto em cadeia”.
“A redução não afeta só a pessoa mas tudo que está em volta: compram-se menos adubo, menos mudas. Oferecemos menos emprego e também representa menos dinheiro em nosso bolso.”
Com a diminuição da área plantada, o agricultor diz que o lucro total da propriedade caiu de R$ 40 mil para R$ 20 mil. “Tá todo mundo paralisado, ninguém tem coragem de fazer investimentos”.
“Estamos sujeitos a ser obrigados a parar total por conta de crise hídrica.”
Crise hídrica
A crise hídrica na capital do país se arrasta desde agosto de 2016, quando o nível dos dois reservatórios que abastecem o Distrito Federal – Santa Maria e Descoberto – começaram a apresentar quedas significativas.
Na segunda (23), a Companhia de Saneamento do Distrito Federal (Caesb) entregou para a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento (Adasa), o plano de ampliação do racionamento de água em Brasília. O prazo para avaliar o documento terminou na terça. Ainda no prazo, a agência afirmou que até começou a analisar o tema, mas “solicitou informações complementares” à Caesb e, por isso, não tem como cumprir o prazo informado.
“A avaliação seguirá até todas as dúvidas da equipe técnica serem respondidas para que uma decisão seja tomada”, diz a Adasa. Com isso, não há prazo para que o novo plano de enfrentamento da seca seja autorizado e implementado na capital.
A Caesb afirmou que, mesmo após a aprovação do planejamento, “ainda não tem data marcada para iniciar a ampliação do rodízio”. Na sexta (20), o presidente da companhia afirmou que, se for necessário implementar o racionamento de dois dias, “a população será devidamente informada com antecedência”.
Nesta terça (24), o volume do Descoberto alcançou 8,7%. Segundo as curvas de monitoramento projetadas pela Adasa, esse nível indicava o ponto mais baixo previsto para o Descoberto em 2017, e só seria atingido no fim desse mês.
O presidente da Caesb, Maurício Luduvice, informou que “melhorias operacionais na rede permitiram que a companhia pudesse trabalhar de forma segura com o reservatório em um nível mais baixo”. Entre essas melhorias, estão “autobombas” instaladas no Descoberto.
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