Movimentos em defesa dos direitos das mulheres terão trabalho na Câmara Legislativa. Um controverso projeto de lei promete acirrar os ânimos do público feminino, que luta para poder tomar decisões relativas ao próprio corpo. O PL n° 608, de 2015, de autoria do distrital Robério Negreiros (PSDB), “torna obrigatória a inclusão do exame de sangue para a detecção de substâncias químicas lícitas ou ilícitas no protocolo padrão do pré-natal”.
A proposta, que teve parecer aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), está pronta para ser votada em plenário. Segundo a justificativa do projeto, o objetivo é evitar que os fetos sofram, ainda no ventre, males que possam causar doenças crônicas e má-formação em decorrência do uso de entorpecentes.
O PL determina que, “tendo sido comprovado através do exame o uso de drogas lícitas ou ilícitas, deverá a gestante ser encaminhada para avaliação psicológica visando identificar se a mesma se encontra em situação de risco psíquico”. Contudo, não há recomendação sobre tratamento.
Embora a iniciativa vise a saúde dos bebês, a principal polêmica, segundo especialistas, é a obrigatoriedade do exame.
Flávia destaca a diferença entre um Estado onde há condições para mulheres e filhos terem um desenvolvimento saudável e um que regula a capacidade reprodutiva das mulheres, de forma a retirar sua autonomia. “Historicamente, essa regulação é dirigida à população pobre e não branca”, completa a especialista, que também é professora de ciência política na Universidade de Brasília (UnB),
A crítica é semelhante à feita pelo obstetra Gutemberg Fialho, presidente do Sindicato dos Médicos do DF (SindMédico). Embora acredite que o projeto de lei possa trazer benefícios à saúde de bebês, ele diz que a obrigatoriedade do exame toxicológico é ilegal. “O GDF pode ficar obrigado a oferecer o procedimento, mas não se pode impô-lo à paciente. Quanto mais exames que ajudem a identificar doenças ou substâncias que prejudiquem os bebês, melhor.”
OAB-DF também contesta
Na avaliação da Seção do DF da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), o PL é ilegal. A vice-presidente da entidade, Daniela Teixeira, acredita que ao ser analisada pela Justiça, o projeto de lei será considerado inconstitucional pelo fato de obrigar a mulher a realizar o exame. “Ninguém é obrigado a criar prova contra si. A mulher pode optar em fazer ou não todos os outros exames, então, o Estado não pode eleger um específico como compulsório”, ressalta.
Daniela diz, ainda, que em uma unidade da Federação na qual faltam insumos básicos, como reagentes para exames, os parlamentares “estão preocupados em fazer uma lei que não terá efeito algum”.
Deputados admitem rever proposta
Em 14 de novembro, o projeto de lei foi aprovado na CCJ pelos três membros presentes: o presidente da comissão, Reginaldo Veras (PDT), Professor Israel Batista (PV) e Robério Negreiros, suplente no colegiado, no lugar da deputada Celina Leão (PPS), relatora da proposta. Embora todos tenham votado favoravelmente ao texto, agora falam em atenuar a matéria.
Veras, por exemplo, disse que apresentará um substitutivo por não concordar com alguns pontos. “Projetos dessa natureza podem ser perigosos. Alguém pode, por exemplo, entrar com ação na Justiça para tomar o bebê da mãe, alegando que ela é viciada e não tem condição de cuidar do filho. Toda gestante já está naturalmente em risco, e isso pode fragilizar ainda mais a saúde da mãe”, argumentou.
Israel Batista também disse ser contrário à proposta, mas afirmou que ele atende aos requisitos legais. “Apesar de eu não concordar com a redação, ela é constitucional e não havia impedimento, mas o texto precisa ser visto com cuidado no plenário. Se a gestante se sentir coagida, ela pode deixar de fazer o pré-natal, prejudicando ainda mais a saúde da criança.”
A relatora do projeto e procuradora da Mulher da Câmara Legislativa, Celina Leão, também disse que apresentará substitutivo. Segundo a distrital, ela não avaliou o mérito do tema, apenas a constitucionalidade do texto. “Sou contrária ao PL no formato como está. É mais uma discriminação à mulher. Estou propondo uma emenda tornando o exame facultativo”, afirmou.
Diante da polêmica, Robério Negreiros afirma que pode fazer modificações ao PL. “A intenção é proteger as crianças, mas se está gerando polêmica, estou aberto a discussões. Nossa intenção não é expor a individualidade das pessoas. Por isso, estamos dispostos a debater em plenário o que for melhor para as crianças. Queremos encontrar uma forma de o Estado intervir para que não prejudique o desenvolvimento dessas crianças com substâncias tóxicas”, afirma Negreiros.
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