Os dias marcados pela menstruação mudam um pouco (ou muito) a rotina das mulheres. Há quem evite usar determinadas roupas ou não se sinta à vontade para frequentar praia, piscina e academia. Fora que uma parcela considerável sofre com as cólicas. Ainda assim, em uma pesquisa do Datafolha, das 2 004 participantes de 18 a 35 anos entrevistadas, 45% relataram gostar de passar por esse processo.
Mas qual a razão por trás desse curioso apreço pelo fluxo sanguíneo mensal? Para 39% delas, o fenômeno é um sinal de que o organismo está saudável. Será mesmo?
“A menstruação regular sugere o bom funcionamento de vários órgãos e sistemas. Quando a mulher não menstrua na idade esperada ou tem seus ciclos interrompidos sem intenção, é preciso descobrir o motivo e tratar o problema”, explica o ginecologista e obstetra Fernando Reis, coordenador do setor de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A questão é que esses desajustes tendem a ser puramente hormonais. “Agora, a hipótese de que a perda de sangue seja, por si só, necessária ao equilíbrio fisiológico da mulher nunca foi confirmada”, pondera o médico.
No levantamento do Datafolha, também é interessante notar que, independentemente de gostar ou não de menstruar, 74% das participantes disseram que decidir sobre o próprio ciclo menstrual daria mais controle sobre suas vidas. A busca por acabar com a inconveniência do sangramento periódico é compreensível para mulheres cujas profissões exigem se submeter a condições atípicas, como astronautas e soldadas, mas passou a ser desejada por aquelas com rotinas bem mais comuns.
“Com os métodos contraceptivos atuais, é possível espaçar e programar a data das menstruações. E sem prejuízo para a saúde”, avalia Reis. “Se há necessidade de suprimir a menstruação, existem opções seguras”, completa.
O lado bom de interromper a menstruação
Perceba que, até aqui, falamos de necessidade. Para muitos especialistas, a interrupção da menstruação não só combateria os sintomas típicos do período – cólica, dor de cabeça e por aí vai – como amenizaria certas doenças.
Uma defensora desse raciocínio é Paula Hillard, professora de ginecologia e obstetrícia da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. “Mulheres com problemas que causam menstruações muito dolorosas ou anemia vão ter efeitos positivos com a supressão. Isso também pode beneficiar portadoras de algumas condições, como epilepsia, enxaqueca e diabetes”, justifica a médica.
Novamente, a chave está nos hormônios. No caso do diabetes, as alterações que acompanham o ciclo aumentam o nível de açúcar no sangue. Já a epilepsia é agravada pela maior presença de estrogênio no organismo.
No Brasil, a paralisação do ciclo menstrual tem sido pregada com afinco pelo ginecologista baiano Elsimar Coutinho, autor do livro Menstruação, a Sangria Inútil, publicado em 2000. Seu argumento contra o fenômeno se baseia no fato de que, historicamente, as mulheres menstruavam muito menos do que hoje, já que tendiam a emendar uma gravidez na outra.
Estima-se que, em gerações anteriores, a média de ciclos menstruais ao longo da vida era inferior a 100, ante cerca de 350 atualmente. Sangrar com tanta frequência, portanto, nada teria de “natural”, na visão de Coutinho.
De olho nessa história e no apelo da conveniência, a farmacêutica Bayer lançou uma pílula de ciclo flexível, que permite à usuária escolher quando e com que frequência deseja menstruar. A promessa é que os ciclos possam ser reduzidos a um mínimo de três vezes por ano.
O produto é considerado mais seguro para períodos prolongados (de até 120 dias) do que as pílulas tradicionais, cujas cartelas até podem ser “emendadas”, embora muitos médicos não aconselhem isso. A verdade é que não existe consenso de por quanto tempo ou com que periodicidade é possível recorrer a essa estratégia.
E os lados negativos
Se o sangramento menstrual por si só não é um indício de saúde geral, recorrer a pílulas ou a outro tratamento hormonal para modificar o ciclo exige indicação e acompanhamento médico – principalmente quando é uma opção adotada por conforto e não prescrição. “Não existe motivo para interromper a menstruação de pessoas saudáveis”, acredita Reis.
Apesar de ser considerado um método seguro para quem está em idade fértil, o uso prolongado da pílula anticoncepcional é associado a efeitos colaterais, como eventuais prejuízos na fertilidade. “Ela provoca uma pequena descamação no útero, tanto que o sangramento a cada ciclo vai diminuindo. E há o risco de o endométrio atrofiar até o ponto em que não se tem mais fluxo sanguíneo”, explica a endocrinologista Elaine Frade Costa, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Por falar nisso, o sangue que surge ao final da cartela nem é menstruação de verdade, já que não inclui o óvulo não fecundado. Ou seja, quem toma pílula – mesmo sem emendar – não menstrua de fato.
No longo prazo, isso pode causar a chamada deficiência ovariana prematura. “Como o eixo hormonal reprodutivo fica bloqueado por muito tempo, existe a possibilidade de ele não voltar a funcionar normalmente ao se interromper o tratamento”, avisa Elaine. Aí é preciso fazer reposição hormonal.
Fora isso, nenhum método de supressão menstrual é infalível. “Há um intervalo em que sangramentos inesperados podem ocorrer”, aponta Paula Hillard. De acordo com a médica, o número de mulheres que conseguem chegar ao bloqueio total do sangramento ao final de um ano gira em torno de 60%.
“A supressão hormonal da menstruação não é perfeita, mas, para uma fatia expressiva da população, é capaz de trazer alívio significativo em relação à dor e a problemas médicos”, diz. Menstruar ou não deve, sim, ser uma escolha da mulher – só que bastante ponderada dentro do consultório do ginecologista.
O que mais colocar na balança
Conforto: Não menstruar permite à mulher fazer suas atividades habituais sem sentir cólicas ou dores decorrentes do ciclo. Mas a suspensão com a pílula também pode acarretar incômodos, viu? Eles vão desde dores de cabeça até inchaços.
Financeiro: se a mulher tem um fluxo curto, de três dias, o valor desembolsado com absorventes dificilmente será maior do que o necessário para bancar métodos de interrupção do ciclo. Contudo, se o sangramento for prolongado e intenso, convém fazer as contas.
Indicação médica: não se incentiva interferir no ciclo menstrual a não ser que a mulher tenha uma doença específica ou sofra muito durante o ciclo. Até porque menstruar garante a descamação e renovação do endométrio, a camada interna do útero, para uma futura gravidez.
Riscos: ainda que incite desconfortos em alguns casos, menstruar, em geral, não traz perigos. Por outro lado, decidir parar de sangrar pode ocasionar efeitos colaterais atrelados ao método utilizado, como maior risco de trombose, além de aumento da pressão arterial.
Métodos para não menstruar
DIU hormonal: é opção só para quem já iniciou atividade sexual. O dispositivo intrauterino libera, aos poucos, pequenas doses do hormônio levonorgestrel. Mas 30% das usuárias seguem menstruando porque a função ovariana não é bloqueada.
Pílula anticoncepcional: tomá-la sem interrupção é a forma mais utilizada hoje em dia para cessar o fluxo sanguíneo. Em geral, indicam-se pílulas apenas com progesterona, e o sangramento de escape é relatado em menos de 10% dos casos.
Implantes subcutâneos: trata-se de um pequeno tubo de silicone colocado no glúteo ou no braço, com duração de, em média, três anos. O acessório solta hormônios diretamente no sangue – e eles impedem a função do ovário.
Anticoncepcional injetável: tem a mesma ação da pílula. A diferença é que os hormônios são injetados no músculo da nádega e circulam por um determinado período de tempo, que fica entre 30 e 90 dias.
História manchada de polêmicas
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