Destaque
Falta de estrutura no Entorno provoca pressão sobre serviços públicos do DF
Os problemas se concentram em saúde, educação e urbanização, reforçado pelo jogo de empurra entre os governos
As famílias de Jéssica Moreira, 27 anos, e de Iraci Maria de Souza, 65, caminham no acostamento da estrada próxima ao povoado de Monte Alto, pertencente ao município de Padre Bernardo (GO) e distante cerca de 100km do centro de Brasília. Elas precisam ficar atentas. Como não há sinalização de trânsito, veículos desviam dos buracos da pista e podem atropelá-las. Há 15 dias, as duas optaram por percorrer um trecho maior do que o habitual para esperar o ônibus escolar das crianças e pegar os coletivos que as leve a Brasília, onde costumam usar serviços públicos essenciais como os de saúde.
O motivo da caminhada mais extensa é o acesso a uma parada confortável e segura, construída por vizinhos cansados de esperar pelo poder público. “Moro aqui há 11 anos, desde que vim de Ceilândia, e sempre foi muito escuro. Pedimos iluminação pública e nunca foi feita. Nós nos cotizamos e colocamos esse poste de luz. Agora, estamos construindo o abrigo, pois as crianças tomavam sol e chuva”, comenta a aposentada Marisete Nunes, 57 anos, responsável pela obra.
Sem assistência, os moradores aprendem a se virar, seja se unindo e melhorando a própria qualidade de vida, seja procurando serviços básicos inexistentes na cidade em outras localidades, como Brasília. Jéssica Moreira, moradora de Monte Alto, conta que há apenas um posto de saúde no povoado, e o médico atende duas horas semanais. “Prefiro ser atendida em Brazlândia, que tem mais médico e especialidades”, explica. Já Marisete acompanha o marido no Hospital Regional do Gama, desde que ele sofreu um Acidente Vascular Cerebral. Ela também vota no DF.
Dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) mostram que 94,1% da população de Monte Alto usa a estrutura hospitalar do Distrito Federal. Nos 12 municípios adjacentes a Brasília, o índice é de 33,7%. Em relação ao local de trabalho em Monte Alto, 72% estão empregados na capital federal. Nos outros 12 municípios, são 45%. “Brazlândia está muito ruim de médico. Muita gente tem de ir a Ceilândia, que também está cheio. Quem tem dinheiro, paga a consulta”, comenta a auxiliar administrativa Débora Freitas, 42 anos, moradora da Vendinha (GO).
Diferenças
Antes ambiente de chácaras, Monte Alto vem se transformando em mais uma cidade-dormitório do Entorno. A história se assemelha a localidades como Girassol, em Cocalzinho de Goiás, a 107km do centro de Brasília. Outras cidades nasceram de forma similar, como Águas Lindas e Valparaíso de Goiás. O problema é que o povoado também sofre da mesma falta de estrutura e de vulnerabilidade que acompanha os municípios goianos e mineiros vizinhos ao Distrito Federal.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cinco dessas cidades vizinhas sofrem com a vulnerabilidade social. São elas: Planaltina de Goiás, Padre Bernardo, Cocalzinho de Goiás, Santo Antônio do Descoberto e Novo Gama. Além disso, segundo o Mapa da Violência de 2016, três municípios do Entorno estão entre os 100 com maior índice de homicídios por arma de fogo do Brasil.
Em 20 anos, a população dos 19 municípios goianos próximos ao DF praticamente duplicou: soma 1,2 milhão, segundo o Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos, ligado ao governo de Goiás. Atualmente, a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (Ride) conta com o DF e 22 cidades, sendo três mineiras. Está no Senado o projeto de inclusão de mais 13 cidades à região.
A disparidade social e econômica do Distrito Federal com as cidades vizinhas também é intensa. O Produto Interno Bruto (PIB) do DF é 13 vezes maior do que somados os de todos os 19 municípios goianos que compõem a Ride. A renda per capita da capital do Brasil é de R$ 73.971,05, enquanto em cidades vizinhas, como Santo Antônio do Descoberto (GO), é de R$ 8.174 e de Águas Lindas (GO), R$ 8.248.
Integração só no papel
Apesar de fazerem parte da mesma região de desenvolvimento — a Ride —, as ações em conjunto entre DF e Entorno são raras e, quando ocorrem, se mostram ineficazes para resolver problemas urbanos, sociais e econômicos. Com isso, as dificuldades se acumulam em velocidade maior do que a operação estatal. Sem solução a curto prazo, a questão vira jogo de empurra.
Nos últimos anos, não faltaram encontros entre governadores, prefeitos e representantes do governo federal. Mesmo assim, a população vê pouco resultado prático. Sem uma atividade econômica expressiva, as prefeituras do Entorno não se sustentam com a própria arrecadação, fecham as contas às custas dos repasses de fundos, como o de Participação dos Municípios (FPM), e dependem dos estados de Goiás e de Minas Gerais para obras mais caras, como as de infraestrutura. Águas Lindas, por exemplo, tem uma despesa de cerca R$ 200 milhões anuais, mas não consegue arrecadar R$ 20 milhões por ano em recursos próprios. Só de FPM, a cidade recebe uma ajuda de R$ 60 milhões, de acordo com o Instituto Mauro Borges.
Embora a Ride tenha a função de promover uma série de melhorias — desde infraestrutura a habitação popular e segurança pública —, ela tem sido mais uma ideia do que um conjunto de ações. Para o advogado e professor de direito urbanístico do UniCeub Rodrigo Ferreira, a Ride é um instrumento legal, que pode ser usado para avançar na integração e amenizar as distorções. “Estamos falhando na implementação das políticas e na gestão”, avalia o especialista.
Soluções
Sem recurso próprio, a Ride recebe dinheiro da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco). Verba que, segundo Hildo do Candango, prefeito de Águas Lindas e presidente da Associação dos Municípios Adjacentes à Brasília (Amab), é difícil de ser acessada. “Quase sempre se exige a contrapartida de as cidades estarem sem problemas com a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que é quase impossível”, diz. Para ele, a Ride poderia investir em subsídios para o transporte público e em isenções no óleo diesel.
Na análise do geógrafo e professor emérito da UnB Aldo Paviani, a integração real é imprescindível. “É preciso um entendimento entre Goiás e DF com aporte do governo federal”, defende. “Os hospitais do DF estão sobrecarregados por gente da periferia metropolitana. Eu não sou contra, mas é preciso resolver a questão e dar mais qualidade de vida para essa população.” Para ele, uma possibilidade seria a implantação de indústrias.
O governo de Goiás informou que investe na Ride. Entre 2016 e 2017, foram gastos R$ 519 milhões em habitação, hospitais e saneamento. Desde 2015, o Ministério das Cidades destinou R$ 1,4 milhão em projetos. As cidades mais beneficiadas foram Águas Lindas, Luziânia, Valparaíso, Novo Gama e Santo Antônio do Descoberto.
Fonte: Flávia Maia/ Correio Braziliense
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