A gravidez é um momento de alegria para a maioria das mulheres, mas, às vezes, um diagnóstico pode trazer medo e preocupação, como o da trombofilia. O nome significa uma tendência, genética ou adquirida, de que o sangue forme trombos, ou seja, coágulos que entopem a circulação dos vasos sanguíneos.
“A mulher tem essa predisposição e a gravidez em si é um fator de risco para a formação de trombos”, explica David Pares, professor e chefe do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). A possibilidade de um entupimento requer atenção médica e um tratamento durante a gravidez inteira, como explicaremos mais abaixo.
O risco do quadro varia muito. Para a mulher, vai de uma trombose nas pernas e outros membros – que provoca inchaço e dores – a situações mais graves, como o tromboembolismo, quando o tal do trombo se desprende do local onde se formou e vai para o pulmão, quadro grave que pode levar a óbito. Já para o bebê, há controvérsias.
Isso porque o efeito clássico da trombofilia ligado a ele, o abortamento, costuma ocorrer no início da gravidez. Nesse período, os coágulos podem prejudicar a irrigação de sangue para a placenta e até antes dela aparecer. “O trombo pode se formar e impedir a implantação do embrião no útero”, aponta Naira Scartezzini Senna, ginecologista e obstetra do Hospital e Maternidade São Luiz São Caetano.
Mas, depois disso, alguns estudos indicam que os microtrombos poderiam ir progressivamente bloqueando o fluxo de sangue e nutrientes para o bebê. “A resposta disso é uma diminuição da velocidade de crescimento do bebê e outras intercorrências graves, como o óbito fetal”, explica Pares. Há, ainda, a possibilidade do trombo obstruir de vez a passagem para a placenta e ocorrer um descolamento placentar, que também ameaça a vida de mãe e filho.
Só que não há consenso oficial sobre esse assunto. “Não existem evidências fortes o suficiente para afirmar que a trombofilia causa restrição de crescimento fetal e outros eventos obstétricos adversos”, contrapõe Ana Kondo, obstetra do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
De fato, uma das revisões mais recentes sobre o assunto, feita pela Universidade de Melbourne, na Austrália, avaliou 12 estudos e concluiu que a maioria dos casos de trombofilia não está ligado a eventos do tipo. Até por isso, nem todo mundo precisa investigar a presença dessa condição.
A investigação
Segundo as diretrizes, somente mulheres com histórico familiar de trombofilia descoberta na gestação ou doenças tromboembólicas, como o tromboembolismo e a trombose venosa profunda devem fazer a pesquisa. A partir de três abortos espontâneos, o exame também pode ser solicitado.
Outras condições elevam o risco. “Mulheres com obesidade ou restrição séria de movimento, como cadeirantes, também estão em maior risco de desenvolver uma trombose durante gestação”, aponta Naíra. Mas, para essas, não há a recomendação formal do teste, assim como nos casos de restrição de crescimento e descolamento de placenta em gestações anteriores.
“O custo do tratamento é alto e o diagnóstico pode gerar uma angústia desnecessária, pois nem sempre ter a propensão resultará em algum problema”, explica Ana Kondo. A posição é reforçada pelas sociedades médicas, que contraindicam o rastreamento em massa.
O teste é feito via exame de sangue, que procura as mutações genéticas relacionadas à coagulação sanguínea – são duas as que provocam a trombofilia. “Outras alterações autoimunes fazem o organismo produzir enzimas que atuam na coagulação e também aparecem no resultado”, aponta Pares.
Depois do diagnóstico, a mulher pode ser encaminhada para a avaliação de um cirurgião vascular, mas não necessariamente terá que fazer acompanhamento com essa especialidade. Tudo depende da familiaridade do obstetra com o tema.
Tratamento contínuo
Não há fórmula mágica, exceto a aplicação diária de injeções de enoxaparina, princípio ativo que freia a coagulação. Elas são administradas em casa, pela própria mulher ou familiares, na barriga ou na parte interior da perna, e o médico pode aumentar a dose se for o caso, como antes de uma viagem de avião ou de outras situações em que o risco de coágulos esteja maior.
O tratamento é oferecido pela rede pública, mas pode demorar para vir, o que faz com que as portadoras da condição tenham que arcar com um custo elevado, de mais de R$ 200 a caixinha com duas seringas. Infelizmente, medidas como repouso, alimentação ou outras relacionadas ao estilo de vida pouco interferem no desenvolvimento da doença.
“Não há muito a fazer quando a alteração é genética, mas ela pode evitar fatores associados, como a obesidade, mantendo-se no peso ideal e fazendo atividades físicas, que, aliás, não são contraindicadas, pelo contrário”, explica Pares.
Já em viagens longas, de avião ou ônibus, ou períodos de maior imobilidade, é recomendado usar meias elásticas especiais e levantar a cada hora para se movimentar – ou pelo menos esticar e dobrar o pé. “Mas isso deveria ser feito também por outras grávidas, pois a gestação por si só carrega esse risco”, explica Pares.
Hora do parto
O fato da gestação aumentar o perigo de trombos é justamente uma tática de proteção do organismo para o nascimento natural. “Depois do parto, os fatores de coagulação aumentam para evitar hemorragias e sangramentos maiores”, destaca Ana Kondo. Então na trombofilia, assim como na maioria das situações, o parto normal é a melhor escolha, exceto quando há alguma contraindicação ou o parto precisa ser antecipado.
“Em alguns casos, o parto deve ser programado e discutido, mas isso depende muito de qual é a alteração genética e gravidade, assim como outros problemas de saúde”, orienta Pares. Independente da via de escolha, é preciso fazer um ajuste dos remédios algumas horas antes do parto, pois eles atuam justamente como anticoagulantes e, assim, aumentam o risco de sangramentos.
O medicamento é mantido até dias depois do parto, entre 7 ou 40, pois o risco de trombos segue mais alto.
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