A localização estratégica do estádio Mané Garrincha, bem na área central de Brasília, foi alardeada antes e durante a Copa do Mundo de 2014 como um trunfo. Passados quatro anos, no entanto, o potencial de desenvolvimento prometido não se realizou e, quando o estádio está fechado, não há qualquer outro atrativo para o público naquele lote.
A rodoviária do Plano Piloto, a Torre de TV, os setores hoteleiros, o Parque da Cidade e o Palácio do Buriti – sede do governo local – ficam num raio de 3 km. Para chegar ao Centro de Convenções Ulysses Guimarães, que guarda o principal palco do DF para shows nacionais, basta atravessar o Eixo Monumental.
Na Copa do Mundo e nos raros eventos diurnos do Mané Garrincha, esses percursos podem ser completados a pé. No dia a dia, o estádio só é visto das janelas dos carros, pois não há bancos, lixeiras ou comércio nos arredores da arena. Como a urbanização não foi feita, também não existem árvores ou marquises para proteger os pedestres do sol e da chuva.
Sem uso permanente, a manutenção é rara e a degradação da área avança a olhos vistos.
O projeto original
Na mesa de projetos, o cenário era bem diferente. O desenho conceitual, quase tão voluptuoso quanto o próprio Mané Garrincha, previa jardim com lagoas artificiais, plantas nativas do cerrado e sistema complexo de drenagem.
A projeção foi feita pelo escritório paulista de arquitetura Fluxus Design Ecológico, a pedido do governo e a um custo de R$ 50 mil. O projeto futurista chegou a ser apresentado em congressos, mas nunca saiu do papel. Em entrevista ao portal G1 em 2016, o engenheiro responsável Guilherme Castagna disse que já não tinha “esperanças” de ver o projeto ganhar forma.
“A gente estava muito contente, recebemos prêmios. Seriam 16 milhões de litros economizados por ano, economia anual de R$ 250 mil com consumo”, afirmou. O projeto parou na fase conceitual e, por isso, a obra nunca recebeu orçamento fechado.
Para além da estética e do paisagismo, o enterro dos jardins suspensos do Mané teve impacto direto na infraestrutura da cidade. Sem as lagoas, o sistema de drenagem atual só alcança o gramado da arena. A chuva que cai no restante do lote fica empoçada e, a depender do volume, escorre para gerar alagamentos na área central de Brasília.
A realidade
Todas as intenções de urbanização do entorno do estádio foram abandonadas pelo governo Rodrigo Rollemberg (PSB), que assumiu o DF seis meses após a Copa e apontou um rombo de R$ 6 bilhões nos cofres públicos – a equipe de Agnelo Queiroz (PT) contesta o valor.
Três anos e meio depois, a gestão atual ainda tenta se livrar da herança e passar o estádio e os arredores à gestão privada. Em 2016, quando a concessão começou a ser formatada, o custo mensal de manutenção do Mané Garrincha era de R$ 13 milhões, e a renda anual, pouco superior aos R$ 2 milhões.
No raio de 3 km onde seriam feitas as melhorias, o único comércio existente é a Feira da Torre de TV. Ela já existia antes, recebeu melhorias estruturais para a Copa do Mundo, mas também sofre com a falta de manutenção.
A falta de atrativos compromete a segurança da área e o próprio “conceito arquitetônico” do Mané. O estádio foi construído com colunas expostas e um vão inferior, similar aos pilotis dos prédios residenciais. Como não há vigilância e nem fluxo de turistas, o governo teve de cercar a área com grades para evitar invasões ou mau uso do espaço.
Parte do estacionamento passou a ser usada como garagem de ônibus. Nos eventos noturnos, o público reclama da falta de iluminação e de policiamento. Sem luz, as falhas no concreto preocupam ainda mais quem precisa atravessar o lote a pé.
Além do paisagismo, o projeto original ainda previa túneis para pedestres e veículos, orçados em R$ 285 milhões. Segundo o Tribunal de Contas, R$ 6,98 milhões foram desembolsados nas obras que nunca começaram.
O novo projeto
Agora, o governo aposta na concessão do complexo esportivo ao setor privado como saída para revitalizar a área. O Mané Garrincha foi incluído em um pacote com dois vizinhos: o ginásio Nilson Nelson e o Centro Aquático Cláudio Coutinho.
A licitação lançada em dezembro prevê que o parceiro privado explore comercialmente essas estruturas por 25 anos. Em troca, teria de revitalizar, completar projetos e tornar o complexo lucrativo. Essa empreitada inclui, entre outras ideias, a construção de um “bulevar comercial” entre o estádio, o ginásio, o centro aquático e o autódromo Nelson Piquet (este, alvo de outra concessão).
“Para tornar a operação atrativa e viável, vinculamos uma operação imobiliária à arena. Dentro do estádio, não teria visibilidade. Na área externa, podemos atrair um cinema de grande porte, lojas de alimentação, além dos parceiros que trazem shows e eventos”, explica o gerente de Formatação de Negócios da Terracap, João Veloso.
A concessão foi lançada no mercado, mas o Tribunal de Contas do DF suspendeu o processo em março. A corte apontou irregularidades nos critérios, nos valores e na formatação da parceria. O governo apresentou justificativas, mas ainda aguardava nova análise até o início deste mês.
Você precisa estar logado para postar um comentário Login