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Economia

“A livre troca de moedas no Brasil é só para daqui a 10 anos”, diz gestor

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Especialista em câmbio da MZK, Gustavo Menezes fala sobre o projeto do BC que pretende modernizar o câmbio

Gustavo Menezes, da MZK Investimentos: o BC sabe que é bom ter uma moeda 100% conversível, mas o processo é complexo. (MZK Investimentos/Divulgação)

Um país com um pé no passado e outro no futuro. Em outubro, o Banco Central enviou ao Congresso um projeto de lei que moderniza as regras para operar moedas no Brasil. Entre as mudanças previstas, o texto abre caminho para facilitar as operações com moeda estrangeira – um avanço frente à legislação atual, vista como defasada. Hoje, o BC autoriza várias instituições a enviar dólares para fora ou trazer para cá, como bancos, corretoras de câmbio e correspondentes cambiais. Mas o objetivo é ampliar esse escopo para empresas como as fintechs, as startups que atuam no sistema financeiro, e, com isso, baratear as operações de câmbio para empresas e pessoas físicas.

Mas permitir a livre troca de moedas no Brasil é um salto muito mais complicado e lento do que se pode imaginar, defende Gustavo Menezes, especialista em câmbio e sócio fundador da gestora independente MZK Investimentos. Ele acredita que há muito “chão” pela frente no Brasil até que o real tenha condições de ser uma moeda de fato conversível, como acontece em economias maduras na Europa ou nos Estados Unidos. “Se tudo der certo no Brasil, a convertibilidade é algo para daqui a 10 anos”, avalia.

Formado em administração pela PUC-SP, Menezes Iniciou a carreira no Santander Asset Management e foi trader sênior de moedas e derivativos na tesouraria do Banco HSBC por 12 anos. Em seguida, coordenou a mesa de mercados internacionais do Bradesco antes de atuar na MZK. Ele admite que a atual legislação sobre o câmbio está ultrapassada e pode trazer avanços, mas ela precisa acompanhar mudanças mais profundas na economia brasileira.

As regras sobre o câmbio no Brasil precisam mudar?

A atual legislação é muito antiga. Ela faz parte de um país que ainda está preso a coisas ultrapassadas. No dia a dia de uma empresa, é muito complexo o processo de fechamento de câmbio, seja para importação ou exportação, pagamentos de serviços no exterior ou o aumento de capital de uma empresa estrangeira no Brasil. O câmbio é cheio de regras e qualquer passo em direção à modernização ajuda.

A flexibilização da atual legislação vai permitir negociar moedas com mais facilidade no Brasil?

A convertibilidade, que permite negociar uma moeda livremente, é algo muito mais complexo porque depende não só de como funciona o mercado de câmbio, mas de várias outras coisas. Por exemplo, de como o Brasil se encaixa no contexto global. Hoje, se você vai viajar para os Estados Unidos nas férias e compra 5 mil dólares, tem que prestar contas ao BC. Existe um controle bem rígido do que vai fazer com o dinheiro. Para todas as finalidades em que alguém vai fechar o câmbio, existe um código para identificar essa operação. Para uma moeda ser 100% conversível, você poderia comprar e vender outra moeda sem nenhum impedimento. Um europeu pode trocar euros por dólares quando quiser, sem precisar prestar contas de qual a finalidade da operação.

Por que é tão difícil tornar uma moeda 100% conversível?

Assim como no Brasil, existem muitos países em que a moeda também não é conversível, como o Chile, Colômbia e a maioria dos países asiáticos. Diz respeito à maturidade da economia, o grau de abertura do comércio e se há dependência do capital externo. O Brasil ainda engatinha nisso. Temos uma lição de casa muito grande antes de virarmos uma economia madura com um controle exemplar. E da perspectiva comercial, ainda somos uma economia muito fechada e protegemos demais a indústria local. Como ter uma moeda conversível se ainda temos o monopólio do setor de exploração de petróleo?

Você não acha que regras rígidas demais no câmbio elevam o risco de uma dolarização da economia, como acontece na Argentina, especialmente em momentos de crises mais profundas?

A Argentina está vários problemas macroeconômicos muito sérios como inflação alta e dependência do FMI. Em situações como esta, se você negociar a moeda livremente, a economia vai se dolarizar facilmente. Vivemos crises na última década que provaram que estamos em outro nível e podemos dar um passo além. Depois da crise de 2008, que foi muito focada no setor financeiro, se provou que essa onda de deixar os mercados operarem livremente não funciona tão bem. Tem que haver certos tipos de controle. Num contexto global, ter esse controle sobre a moeda, restringindo operações, faz com que você tenha mais informações e consiga combater problemas como lavagem de dinheiro.

O BC brasileiro saberá dosar os riscos ao propor mudanças nas regras cambiais?

Na minha opinião, o BC nunca permitiria um risco de descontrole deste tipo. Eles são os maiores especialistas para conduzir isso da melhor maneira possível. Existem inúmeros benefícios de ter uma moeda 100% conversível, eles sabem que isso é bom, mas existe uma etapa bem complexa a ser cumprida. Está em desencontro com a agenda do ministério da Economia. O BC e o governo sabem que, como nas reformas, isso acontece de forma muito gradual e depende de política. Neste primeiro passo, o BC tem que zelar por sua independência, e através deste projeto é preciso ter o controle e habilidade para implementar estas mudanças quando acharem apropriadas. Se tudo der certo no Brasil, acho que a convertibilidade é algo para daqui a 10 anos. Isso se todas as reformas forem feitas e se o país provar que está tomando rumos diferentes.

Permitir que mais instituições sejam autorizadas a operar com câmbio ajudará a estimular este mercado e tornar estas transações mais acessíveis?

A tecnologia das fintechs pode ajudar o mercado financeiro a se modernizar, mas com a legislação vigente é difícil fechar o câmbio porque existe uma série de documentos a apresentar. O que for feito para diminuir esse trabalho vai reduzir a barreira de entrada para novos players. Se facilitar o trâmite, vai ficar mais barato para todo mundo. Os bancos e corretoras vão precisar de uma estrutura menor para fazer o que fazem hoje. Hoje é preciso ter um departamento de contabilidade enorme que existe simplesmente para cumprir a legislação.

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