Samira Bueno, diretora do FBSP, interpretou os resultados com preocupação: “Para sofrer violência basta existir como mulher no Brasil. É no ônibus, no trem, em casa…”.
Ana Paula Braga, advogada especialista em direito das mulheres do escritório Braga & Ruzzi, explica que o problema não é a falta de leis, mas sim a garantia da efetividade delas.
“As legislações brasileiras são boas e deveriam ser capazes de fornecer a proteção jurídica esperada. É preciso que ela seja aplicada adequadamente. Não adianta termos uma lei que trata de violência doméstica se a justiça ainda acredita que esses casos se resumem a briga de marido e mulher”, afirma.
A violência contra a mulher se alastra para todas as esferas de sua vida, principalmente a profissional e a social. Um levantamento feito por pesquisadores da Universidade do Ceará, em 2016, mostrou que a renda perdida anualmente por conta da violência pode chegar a 975 milhões de reais.
Leis para as mulheres: garantias e problemáticas
Sem dúvidas, a Lei Maria da Penha (11.340/06) é a principal legislação do Brasil de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica.
Ela determina a prisão do suspeito de agressão, trata a violência em casa como agravante para aumento de penas, ordena o afastamento do agressor da vítima e de sua família e garante assistência econômica em caso de dependência econômica da mulher.
“A Lei Maria da Penha trouxe inúmeros benefícios para a questão da violência doméstica. Contudo, o problema social é tão grande, que as mulheres ainda são violentadas no Brasil. Mesmo quando a legislação é boa, as políticas públicas não dão respaldo para a execução dessa questão”, afirma a advogada Monica Sapucaia, especialista em direito político e econômico e co-autora do livro Women’s Rights International Studies on Gender Roles.
A reflexão da especialista é reforçada quando se olha os dados de feminicídio(assassinato de mulheres em decorrência do gênero) registrados no Brasil neste ano.
Levantamento do pesquisador da Universidade de São Paulo Jefferson Nascimento mostra que nos dois primeiros meses do ano, 201 casos de feminicídio foram contabilizados. Se as tentativas forem levadas em conta, o número salta para mais de 300.
“Quando o feminicídio vai a julgamento no júri, o caso, normalmente, é tratado como ‘crime passional’”, diz Ana Paula Braga.
Em 2018, a Lei da Importunação Sexual (13.718/2018) entrou em vigor e define como crime a realização de ato libidinoso na presença de alguém e sem seu consentimento, como toques inapropriados ou beijos “roubados”, por exemplo.
Neste carnaval, o primeiro em que o ato foi criminalizado, só em Minas Gerais foram presas 27 pessoas por descumprirem a lei — outras cidades ainda não divulgaram o balanço das operações do feriado.
Há, ainda, outras leis brasileiras que defendem os direitos das mulheres, como a da Cota Eleitoral de Gênero (9.504/97), que estabelece a obrigatoriedade de partidos preencherem o mínimo de 30% de candidatas do gênero feminino.
“A lei é muito pouco eficaz. Entre os quatro maiores países de língua portuguesa (Angola, Brasil, Moçambique e Portugal), o parlamento brasileiro é o que menos tem mulheres. Agora chegou em 15%, mas Angola, por exemplo, já tem 39% de representantes femininas”, diz Monica Sapucaia.
Lacunas jurídicas
Para garantir a igualdade entre homens e mulheres, ainda é necessário que o Brasil caminhe diversos passos.
A advogada Monica Sapucaia sugere que a legislação aprimore, antes de tudo, a lei das cotas eleitorais. “É dentro dos espaços de poder que você muda o olhar”.
Ela também cita a elaboração de uma lei de paternidade, que obrigue os homens a ficar mais tempo em casa para garantir mais espaço para as mulheres, além da divisão do trabalho parental.
“É necessário dividir os trabalhos, porque as mulheres ainda vivem em dois, três turnos durante o dia. Falta legislação para a questão central da desigualdade”, conclui.
Fonte Exame
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