Centro-Oeste
Atentados causam prejuízos que vão além do patrimônio histórico da cidade
Especialistas ouvidos afirmaram que, além da sensação de insegurança, os movimentos radicais ocorridos nos últimos anos podem prejudicar o turismo e, consequentemente, a economia. GDF vai criar divisão na PCDF para tentar antecipar os ataques
O atentado ocorrido no Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana ligou um alerta, especialistas e moradores do Distrito Federal ouvidos pelo Correio estão preocupados em como esses eventos podem afetam a sensação de segurança, a economia e o turismo no centro de Brasília. O secretário de Segurança Pública (SSP-DF), Sandro Avelar, ressaltou à reportagem que as explosões que ocorreram recentemente não foram algo isolado.
“Tivemos muitos episódios em que percebemos que são movimentos radicais e causam imensa preocupação”, comentou. “É importante que todas as forças de segurança, tanto do DF quanto nacionais, trabalhem para investigar e prevenir novos movimentos como esses”, pontuou Avelar. Depois do último episódio, o governador Ibaneis Rocha (MDB) determinou a criação de uma divisão antiterrorismo na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
Segundo o chefe do Executivo local, a nova divisão incluirá policiais civis especializados no combate ao crime organizado. O secretário da SSP-DF explicou como deve funcionar a divisão. “A ideia é tentar se antecipar a esse tipo de episódio, ajudando a Políci Federal (PF) no monitoramento, utilizando as ferramentas necessárias para identificar as ameaças”, esclareceu.
Ibaneis também determinou o reforço do policiamento ostensivo na Esplanada, com especial observância à Praça dos Três Poderes. “Vamos trabalhar, sempre, com um efetivo muito grande da Polícia Militar (PMDF). Também estamos retornando com as grades em volta da praça, enquanto é apurado se esse foi um ato isolado. Queremos sempre zelar pelo excesso de cuidado”, disse Sandro Avelar.
Patrimônio
Especialista em segurança pública e professor do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), Júlio Hott afirmou que Brasília é o “centro nervoso” político do Brasil e, por isso, é alvo desse tipo de ataques. “É onde repercute toda a polarização e insatisfação política, fazendo com que surjam movimentos como os que temos visto nos últimos anos”, ressaltou.
Na opinião de Hott, a Praça dos Três Poderes está um pouco fragilizada, em relação à segurança pública. “É preciso melhorar tanto a parte ostensiva, abordando e identificando pessoas que transitam na região, quanto a inteligência, monitorando ininterruptamente as redes sociais para identificar qualquer manifestação que caracterize risco de atentado contra os poderes”, pontuou. “Investir na área central de Brasília, nos aspectos segurança, social e infraestrutura, também é muito importante e a capital está descuidada, nesse sentido”, lamentou o especialista.
Guia de turismo há 40 anos, Lúcio Montiel trabalha mostrando os grandes monumentos que chamam a atenção dos visitantes. De acordo com ele, acontecimentos, como atentados, bombas e vandalismo, afetam o bom andamento do turismo na cidade, em diferentes graus. “Depois do 8 de janeiro, por exemplo, ficamos, durante muito tempo, sem poder estacionar em frente à Praça dos Três Poderes”, recordou.
Segundo Montiel, aquele episódio atrapalhou, e muito, o turismo local. “Pessoas que pensavam em vir a Brasília, cancelaram viagens, pois tudo ficou fechado e paralisado durante um bom período, afetando diretamente todas as atividades que envolvem o turismo”, comentou.
Ele concorda que medidas precisam ser tomadas para melhorar a segurança desses locais históricos, porém, coloca-se contra o cercamento. “Tanto o governo federal quanto o local precisam entender que Brasília é patrimônio cultural da humanidade e nós, guias de turismo, precisamos mostrar isso para quem visita a cidade”, opinou. “O cercamento cria um ambiente pesado, desanimador, dificultando para o turista ver melhor a cidade”, avaliou Montiel.
Tendência
Economista e professor do Ibmec, William Baghdassarian destacou que a primeira coisa que acontece em uma situação como essa, do ponto de vista da economia, é uma certa insegurança. “Fica a dúvida se o que ocorreu é um fato isolado ou se, de fato, vamos passar a viver essa realidade mais vezes”, explicou. “Se for percebido que há uma tendência de repetição, certamente haverá impactos, principalmente nas áreas públicas mais visadas pelos vândalos”, analisou.
O especialista lembrou que grande parte do turismo de Brasília está ligada à visitação da Esplanada dos Ministérios. “Possíveis restrições, com certeza, podem impactar o turismo e, consequentemente, a economia do DF. Uma pessoa que pensa em vir à capital para conhecer, pode ficar mais receosa, temendo pela segurança”, disse.
Além disso, o turismo de eventos, outro ponto forte do DF, segundo Baghdassarian, também pode ser afetado. “Empresas que têm a cidade como um possível local de realização de congressos e shows, podem não considerar mais, caso tenham a percepção de que esses atos possam voltar a ocorrer”, ressaltou. “Tudo isso traz grandes impactos econômicos, pois, sem turistas e eventos, há menos reservas em hotéis e restaurantes, além de diminuir o número de contratações”, acrescentou Montiel.
Receios
Dois dias depois do último atentado, o Correio foi a Praça dos Três Poderes para saber como a população estava se sentindo. A autônoma Raimunda Rodrigues, 62 anos, trabalha no local há quase 50 anos e disse que esse tipo de situação prejudica, tanto a imagem de Brasília quanto quem depende da movimentação de pessoas em pontos turísticos. “Tenho receio de que as pessoas deixem de aparecer. Eu, particularmente, não tenho medo, mas é algo que, com certeza, é algo que vai nos prejudicar”, lamentou.
Moradora do Guará, a servidora pública Flávia Regina Ramos, 43, estava na praça com a mãe e os três filhos. Ela contou que, quando acontece esse tipo de ataque, fica preocupada. “Além disso, me sinto prejudicada, de certa forma, porque quando estou recebendo parentes, em um momento mais descontraído, fico com receio de levá-los em pontos turísticos ligados aos poderes, por medo de acontecer alguma coisa, principalmente por causa das crianças”, comentou.
A mãe de Flávia, Sandra Silva, 69, não mora no DF. Ela veio de Recife para prestigiar a formatura de uma das netas e aproveitou a viagem para conhecer a Praça dos Três Poderes. “Como uma pessoa de outro estado, posso garantir que se eu não tivesse parentes em Brasília, pensaria duas vezes antes de viajar para cá”, afirmou. “Minha filha (Flávia) também morou no Rio de Janeiro e, se não fosse por isso, também não teria visitado a cidade, por causa da escalada da violência”, comparou a aposentada.
Memória
12 de dezembro de 2022 — Por volta das 20h, a área central de Brasília foi tomada por centenas de bolsonaristas, saídos do acampamento em frente ao Quartel-General do Exército em direção sede da Polícia Federal (PF) e promoveram uma série de depredações sob o pretexto da prisão do indígena José Acácio Tserere Xavante, apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro. Carros foram queimados e um ônibus quase foi jogado de um elevado na pista que passava abaixo;
24 de dezembro de 2022 — Na véspera de Natal, funcionários da Inframerica encontraram, nas proximidades do Aeroporto de Brasília, material explosivo dentro de uma caixa, após um caminhão tê-la deixado na via pública. À época, foi descoberto que os bolsonaristas George Washington, Wellington Macedo e Alan Diego dos Santos foram os responsáveis por planejar o ataque;
8 de janeiro de 2023 — Um grupo formado por cerca de 3 mil extremistas invadiu e depredou as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Ao todo, o prejuízo material é calculado em mais de R$ 20 milhões. Uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito foi formada no Congresso e uma CPI na Câmara Legislativa do DF para investigar os fatos. Mais de 2,1 mil pessoas foram presas;
13 de novembro de 2024 — Ao menos duas explosões foram ouvidas na Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos Ministérios, centro de Brasília. Uma delas se deu em frente à estátua da Justiça, no Supremo Tribunal Federal. Francisco Wanderley Luiz, é apontado como o responsável por explodir os artefatos. Ele morreu em frente ao STF.
Correio Braziliense
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