Economia
Aumento dos juros comprometem crescimento e competitividade da indústria, dizem entidades
Presidentes dos órgãos da classe cobram alinhamento entre a autoridade monetária e o governo após o Copom elevar Selic em 1 p.p. e sinalizar nova alta de juros para março
O setor industrial brasileiro reagiu com preocupação ao novo aumento da taxa Selic, que subiu um ponto percentual, alcançando 13,25% ao ano. Para entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), o aumento amplia as dificuldades de financiamento da atividade industrial e restringe o crescimento econômico.
“Com a decisão, o Banco Central mostra que continua ponderando equivocadamente os fatos econômicos mais relevantes do cenário atual, principalmente no que diz respeito ao quadro fiscal e à desaceleração da atividade do país”, afirmou Ricardo Alban, presidente da CNI, classificando a elevação como “injustificada” em nota após o anúncio nesta quarta-feira, 29.
A decisão pelo aumento da taxa de juros era amplamente esperada pelo mercado após os diretores do BC sinalizarem, na reunião de dezembro, que elevariam a taxa para 14,25% até março.
O Comitê de Política Monetária (Copom) justificou o aperto monetário como um “compromisso de convergência da inflação à meta”.
Mas, apesar de reconhecer a importância do controle da inflação para a estabilidade econômica, o presidente da FIEMG, Flávio Roscoe, defendeu que “a elevação da Selic a níveis tão altos tende a restringir os investimentos produtivos, aumentar os custos de produção e reduzir a competitividade da indústria brasileira e mineira”.
Roscoe observou que sobre a indústria já pesa o Custo Brasil “excessivamente elevado, com gargalos logísticos, carga tributária elevada e crédito mais caro”.
A possibilidade de alta da Selic já era criticada pela Abit que, um dia antes da confirmação, também publicou uma nota de preocupação sobre a medida.
No documento, a entidade chamou atenção para o impacto em pequenas e médias empresas, considerado “ainda mais severo” devido ao “acesso limitado ao mercado de capitais e aos consumidores, que encontram dificuldades no parcelamento das compras”.
“Após 31 anos do Plano Real, iniciativa bem-sucedida quanto à estabilidade dos preços, ainda não conseguimos estabelecer juros compatíveis com nosso potencial e necessidade de desenvolvimento. Em raros momentos alcançamos taxas que viabilizassem a elevação necessária do investimento de 17% para 25% do PIB, essencial para um crescimento sustentado e sustentável em torno de 4% ao ano”, declarou.
Com o aumento, a taxa de juros real do Brasil chega em 7,8% ao ano. Esse total é 2,8 pontos percentuais acima da taxa de juros neutra, de 5% ao ano, estimada pelo Banco Central.
O setor industrial também argumenta que a decisão do BC não considera a desaceleração da atividade econômica.
A Pesquisa Industrial Mensal (PIM) do IBGE apontou que, em novembro de 2024, a produção industrial caiu 0,6% em relação ao mês anterior, acumulando uma queda de 0,8% pelo segundo mês consecutivo. No mesmo mês, as vendas no varejo também registraram uma variação negativa de 1,8%.
O IBGE também identificou um recuo de 0,9% no setor de serviços em novembro, praticamente anulando a alta que tinha sido obtida em outubro. Para a CNI, os resultados negativos também podem ser atribuídos à política monetária do Brasil, que vem sendo contracionista desde fevereiro de 2022.
“Fica evidente que o aumento representa mais custos financeiros para as empresas e os consumidores, e perda adicional e desnecessária de emprego e renda”, resumiu a confederação.
Ambiente externo também preocupa
O setor industrial também teme os impactos da transição do governo nos Estados Unidos.
O país não só manteve os fed funds na faixa entre 4,25% a 4,50%, como comunicou o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) nesta quarta, como também vem ameaçando a aplicação de medidas protecionistas que podem afetar a indústria do Brasil e do mundo.
“Uma guerra comercial é prejudicial para todo mundo. Precisamos ver o que os EUA realmente farão neste sentido. Por ora, temos muitas ameaças, alíquotas virão, mas não sabemos ainda em que amplitude e intensidade”, disse Rafael Cagnin economista do Iedi.
Um estudo do instituto mostrou que a indústria de transformação brasileira registrou um ritmo de alta duas vezes maior do que o crescimento mundial do setor, do que foi de 2,3%, segundo os últimos dados da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO).
O Brasil conseguiu reverter uma queda de -1,0% no 3º trimestre de 2023 em expansão de +4,6% no 3º trimestre de 2024. O resultado é associado à redução das taxas de juros no ciclo anterior que melhorou as condições de crédito e incentivou investimentos.
Para este início de 2025, Cagnin avalia que há alguns mitigadores do efeito negativo da alta da Selic, como a depreciação superacelerada e as emissões de Letra de Crédito do Desenvolvimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que tendem a fortalecer o funding do banco.
“Por esses efeitos mitigadores, o setor deve manter certo dinamismo, mas vai perder fôlego, o que é muito ruim para um setor que praticamente não cresceu na última década e que precisa se modernizar em direção a digitalização e a sustentabilidade. Desde 2014, nos poucos anos que a produção industrial cresceu, isso não ocorreu na intensidade necessária para compensar a queda anterior. E 2024 foi a primeira vez que isso ocorreu e agora já existe esta tendência de desaceleração”, afirmou Cagnin.
Em comum, as entidades industriais defendem um pacto nacional para a queda dos juros no Brasil.
A CNI argumentou, porém, que a “busca pela disciplina fiscal deve vir acompanhada de medidas de incentivo à inovação, à infraestrutura, à educação e à tecnologia, garantindo uma elevação do PIB no médio e longo prazo, gradual e sustentada”.
Enquanto a Abit ressalta que o cumprimento das metas inflacionárias e a estabilização da relação dívida/PIB são determinantes para permitir juros reais mais baixos. “Na ausência dessas condições, permaneceremos em um ciclo de taxas elevadas, pois o descompasso entre as políticas fiscal e monetária limita o potencial de crescimento de nossa economia”, afirma.
“[É preciso um] alinhamento de discurso entre a autoridade monetária e o governo para que o Custo Brasil seja menos danoso para a economia e sociedade”, finaliza o presidente da FIEMG.
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