Economia
Brasil depende de um milagre fiscal para ter o grau de investimento
Após melhora da nota pela Moody’s, analistas alertam que o país dificilmente vai recuperar o selo de bom pagador até o fim do mandato de Lula, como prevê Haddad. Primeiro, governo precisa voltar a entregar superavit primário
A agência norte-americana de classificação de risco Moody’s elevou a nota de crédito do Brasil, de Ba2 para Ba1, deixando o país a um degrau do selo de bom pagador. A decisão, tomada na semana passada, surpreendeu o mercado e fez o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter esperanças de que é possível que voltar a ter o grau de investimento — conquistado em 2008 e perdido em 2015 — antes do fim do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
De acordo com analistas ouvidos pelo Correio, somente um milagre fará o Brasil voltar ao grau de investimento até 2026 e deixar de figurar entre os países de grau especulativo. Eles lembram que a Moody’s sempre foi a última das agências a elevar ou diminuir a nota do país no passado e o fato de ela ter sido a primeira a fazer o upgrade do rating, uma semana depois da reunião com o presidente Lula, em Nova York, chamou a atenção.
Vale lembrar que o requisito básico para que isso ocorra é as contas públicas voltarem ao azul, e, para isso, será preciso um superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) de 1% a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Só assim a dívida pública bruta poderá se estabilizar em um momento em que a taxa básica da economia (Selic) voltou a subir e, atualmente, está em 10,75% ao ano e, até o início de 2025, deverá chegar a 12% ao ano — o que vai ajudar a frear o crescimento da economia no próximo ano.
Em 2008, quando o Brasil conquistou o grau de investimento, o país vinha registrando superavit primário desde 1998. E, agora, apesar de a maioria das projeções de crescimento do PIB deste ano estar acima de 3%, desde 2014, o Brasil apresenta deficit primário, com exceção de 2022 — um ponto fora da curva por conta de “pedaladas” no pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União). Além disso, o atual governo passou a perseguir o limite inferior da meta do arcabouço fiscal, que permite um rombo de até 0,25% do PIB, mas tem descontos adicionais de precatórios (de até 0,40% do PIB) e de gastos com as enchentes do Rio Grande do Sul, que permitem um deficit, neste ano, que poderá chegar até 0,60% do PIB.
Logo após a notícia do upgrade da Moody’s, Haddad comemorou e reconheceu que “há um trabalho a ser feito” e que o governo não pode “baixar a guarda em relação às despesas e às receitas”. E analistas não acreditam que o ministro conseguirá convencer o governo de que será possível fazer o ajuste pelo lado dos gastos na segunda metade do mandato.
“A grande maioria dos economistas se surpreendeu com a decisão da Moody’s porque ela se baseou nas indicações de crescimento da economia melhor do que se pensava, inclusive, ela própria. Mas o problema está no lado fiscal, como a agência reconhece e a segunda surpresa é falar também em uma perspectiva positiva, o que significa em uma melhora da nota entre 12 e 18 meses. Mas, na verdade, tudo indica que a Moody’s não avaliou adequadamente o risco fiscal”, destaca o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria.
Maílson da Nóbrega reconhece que o arcabouço fiscal acabou sendo um pouco melhor do que o esperado, porque foi criado pela ala mais responsável fiscalmente da esquerda, chefiada por Haddad. Contudo, historicamente, o PT e o próprio presidente Lula são contra todas as ideias de cortar gastos obrigatórios que hoje, equivale a 91% das despesas primárias e, somados aos pisos de educação e da saúde que são vinculados às receitas e as emendas impositivas dos parlamentares, esse percentual chega a 96%. “Logo, o governo dispõe apenas de 4% da despesa primária para executar outras despesas para outras atividades normais do governo, inclusive, com as Forças Armadas. Portanto, ele não tem espaço para gerar superavit primário de 1% a 1,5% do PIB por ano para estabilizar a dívida pública”, resume Nóbrega.
O economista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Simão Davi Silber também também não acredita que o grau de investimento vai vir em 2026. Para ele, o upgrade da Moody’s foi ruim. “É insustentável com a piora das contas públicas”, alerta.
Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, também reforça o coro de que será muito difícil o governo conseguir recuperar o grau de investimento até 2026. “A dívida pública em relação ao PIB vai subir, com certeza no próximo mês, e será maior do que 80%, mas ela está querendo ir para 90%, na verdade. Não tem como o país atingir grau de investimento com essa trajetória de dívida em alta e crescimento do PIB acelerando um pouco”, afirma.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, lembra que a última vez em que o Brasil esteve na mesma condição atual ocorreu em agosto de 2007, quando a Moody’s deu o upgrade para Ba1 para o país, mas as condições econômicas eram bem diferentes do que agora, como PIB, dívida pública, resultado primário, entre outros. Além disso, as outras agências de risco, Standard & Poor’s (S&P) e Fitch Ratings ainda não elevaram as notas de risco do Brasil, justamente por conta da questão fiscal. “Outras agencias, como a S&P, rejeitam uma melhora da nota do Brasil e os critérios fiscais seguem sendo os grandes pontos de desafio do governo e vão muito além do limite inferior da meta fictícia de -0,25% do PIB”, afirma Vale.
Na avaliação do especialista em contas públicas Bráulio Borges, da LCA Consultores, havia razões para muitos analistas questionarem o upgrade da Moody’s, devido ao quadro de fragilidade fiscal ainda muito elevada, com resultados primários ainda deficitários e muito distantes do nível necessário para estabilizar a relação dívida pública-PIB, que seriam superavits na faixa de 1% a 1,5% do PIB. “Havia razões para uma melhoria da nota, já que ela estava no mesmo nível desde 2015 e vários indicadores, como crescimento do PIB, inflação e contas externas melhoraram nesse período. Contudo, o quadro de fragilidade fiscal sugere que o grau de investimento ainda está mais distante do que próximo”, afirma.
No vermelho até 2030
Alexandre Andrade, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), ressalta que a entidade não vê sinais de melhora no quadro das contas públicas que justifiquem o upgrade na nota de risco do Brasil pela Moody’s, apesar de o PIB crescer acima do potencial, pois tudo indica que haverá desaceleração da atividade econômica no ano que vem, o que é um consenso entre os analistas.
“E no fiscal, além das questões envolvendo o crescimento da despesa, especialmente com as modificações na regra de correção do salário mínimo e com alguns grupos de gastos fora da regra do arcabouço, tem a dificuldade de se materializar as receitas extraordinárias incluídas na proposta orçamentária de 2025”, alerta Andrade. Pelas projeções da IFI, as contas públicas seguem no vermelho, pelo menos, até 2030, e, neste ano, a dívida pública bruta deverá passar de 80% do PIB — patamar preocupante para países emergentes.
O economista Samuel Pessoa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), avalia que a decisão da Moody’s “foi ousada, mas não é uma posição sem fundamento”. Ele destaca que as surpresas no crescimento do PIB que tem ajudado a melhorar as projeções macroeconômicas deste ano estão diretamente relacionadas com o forte estímulo fiscal que vem sendo dado desde 2023, com Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. “O desconforto dos economistas é que temos um crescimento mais forte, mas que é insustentável. E, esse mesmo grupo político, entre 2007 e 2013, quando esteve no poder, praticou uma política econômica que criou uma trajetória de crescimento que também era insustentável e, aquelas medidas estão voltando”, alerta.
Na avaliação de Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, o relatório da Moody’s chega a ser conflitante, porque uma das justificativas para a elevação da nota do Brasil foi a melhora da nota de crédito das empresas. “Isso não tem nada a ver com crédito soberano”, ressalta. Ele lembra que o fato de o PIB crescer acima do esperado não significa que haverá mais receita e, como fazia tempo que a Moody’s não mexia na nota do Brasil, vai ser mais difícil para o Brasil voltar a ter o grau de investimento do que foi em 2008.
“O crescimento econômico vai desacelerar em 2025 por conta da taxa de juros, que já está subindo. E isso vai impactar diretamente no custo da dívida pública, porque mais da metade dela é indexada à taxa Selic. E o governo não apresentou nenhum plano consistente de redução de despesas, além de ser contra, por exemplo, as privatizações. Em outro ponto, as estatais têm dado prejuízo. Então, fica muito difícil acreditar que o governo vai conseguir equilibrar as contas públicas, e atingir o superavit primário sem fazer aquela contabilidade criativa, como ele já vem tentando fazer, tentando pegar o dinheiro esquecido nos bancos”, lamenta, ele em referência à polêmica tentativa do governo de confiscar recursos privados para conseguir fechar as contas no azul.
Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, também ressalta que a decisão da Moddy’s é muito controversa, “na direção oposta do majoritário consenso dos agentes de mercado”. “A surpresa no crescimento, utilizada na argumentação, minimiza o efeito da política fiscal bastante expansionista praticada desde o choque da covid-19, adicional a reabertura sincronizada e choque positivo de commodities”, explica. Para ele, a agência minimiza a evidente deterioração das contas públicas, “tanto aquela apurada pelas estatísticas oficiais quanto pelas alternativas, em função do crescente uso da política para fiscal e expedientes por fora do Orçamento”. “A elevação da nota premia uma política fiscal inconsistente. É incompreensível. Premia a falta de transparência, a baixa credibilidade da regra fiscal, a carência de solidez e a inconsistência matemática. A elevação da nota de crédito sustenta a narrativa de como manter uma promessa crível a respeito de uma política irresponsável”, afirma.
Para o economista e consultor André Perfeito, o recado da Moody’s foi singelo e simples: “O Brasil está no pior momento, logo em termos relativos, a maior chance é de melhora do que de piora. Foi só isso que ela disse. É como se falasse que a boa notícia é que está ruim, ou seja, na margem tende a melhorar”, resume.
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