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Brasil mantém protocolo sobre cloroquina, apesar de OMS suspender estudos

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Mesmo após a Organização Mundial da Saúde (OMS) suspender os testes clínicos com hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 e pesquisas apontarem até mesmo o risco de morte devido ao uso do medicamento, o governo federal disse que vai manter as orientações que ampliam o uso da droga no combate ao novo coronavírus.

“Estamos muito tranquilos e muitos serenos em relação a nossa orientação divulgada na nota”, disse a secretária de gestão em trabalho na saúde, Mayra Pinheiro, nesta segunda-feira (25/05).

Na semana passada, o Ministério da Saúde divulgou, sem base científica, um novo protocolo sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, permitindo que os medicamentos sejam administrados também em casos leves da doença. Inicialmente, a orientação era apenas para casos graves. A medida foi tomada após insistência do presidente Jair Bolsonaro.

A decisão da OMS de suspender as pesquisas, anunciada nesta segunda-feira, foi tomada com base em um artigo divulgado no jornal científico The Lancet, um dos mais conceituados do mundo. O estudo revelou que o medicamento pode causar efeitos colaterais graves, em particular, arritmia cardíaca, e elevar até mesmo o risco de morte.

Os pesquisadores examinaram registros hospitalares de 96 mil pacientes em 671 hospitais em seis continentes. “Após lermos a publicação, decidimos, em meio às dúvidas, ser cautelosos e suspender temporariamente a adesão ao medicamento”, afirmou a cientista-chefe da OMS, Soumya Swaminathan.

Apesar da abrangência do estudo, do prestígio do The Lancet e da afirmação da OMS, o governo federal não considera a publicação confiável para mudar o protocolo brasileiro. “Não se trata de um ensaio clínico, é apenas um banco de dados, coletado de vários países. Isso não entra num critério de um estudo metodologicamente aceitável para servir de referência para nenhum país do mundo e nem para o Brasil”, justificou Pinheiro.

“Nesses estudos, a forma de seleção dos pacientes, onde não havia uma dose padrão, uma duração padrão, uma medicação padrão para que possa ser considerado um ensaio clínico, nos faz refutar qualquer possibilidade de citar esse estudo como referência para que o Brasil recue na sua orientação de respeitar a autonomia ética”, disse a secretária, que coordenou a elaboração do protocolo ampliando o uso da cloroquina.

Segundo ela, a nota expedida pelo governo brasileiro segue orientação do Conselho Federal de Saúde, que dá autonomia para que os médicos possam prescrever a medicação “para aqueles pacientes que assim desejarem”.

“Isso é o que nós vamos repetir diariamente. Estamos muito tranquilos a despeito de qualquer instituição ou entidade internacional cancelar os seus estudos com a medicação”, afirmou.

Pinheiro acrescentou que o Ministério da Saúde está conduzindo e apoiando pesquisas, e se for constatado que não há comprovação dos benefícios do medicamento, o protocolo pode mudar. Também afirmou que a pasta conta com um banco de informação com 216 protocolos de hidroxicloroquina e cloroquina usados no mundo, em países como Turquia, Estados Unidos e Índia.

O secretário-executivo substituto do Ministério da Saúde, Antônio Elcio Filho, também defendeu o protocolo brasileiro e, para isso, citou o uso da droga no combate a outras doenças.

“O país já tem experiência na administração da cloroquina para várias viroses. Meu filho, por exemplo, pegou malária esse ano e tomou a cloroquina. Eu participei de uma missão em Angola em 1996 e tomei a mefloquina, que tem o mesmo princípio, durante seis meses, ininterruptos, diariamente.”

A OMS afirmou que continuará a coletar dados para confirmar o estudo publicado no The Lancet e revisará a decisão em reuniões com autoridades médicas dos países que realizam os testes dentro do programa Solidarity Trial, apoiado pela entidade, realizados em mais de 400 hospitais em 35 países, envolvendo em torno de 3,5 mil pacientes.

A hidroxicloroquina, normalmente utilizada no tratamento contra a artrite, vinha sendo alardeada pelo presidente americano, Donald Trump, como benéfica no combate à doença. Trump, inclusive, chegou a afirmar que estava se tratando preventivamente com o medicamento.

O estudo com quase 100 mil pacientes

O artigo publicado no The Lancet não é um teste específico do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, mas se trata da maior avaliação já feita sobre os resultados de suas aplicações em ambientes no mundo real.

Apesar de apenas observacional, o tamanho e a amplitude do estudo trazem um impacto significativo, segundo avalia o diretor do Centro Médico da Universidade Vanderbilt, David Aronoff. “Isso realmente nos dá um grau de confiança de que é improvável que vejamos maiores benefícios desses medicamentos no tratamento da covid-19“, afirmou.

Os pesquisadores calculam que a taxa de mortalidade entre os pacientes tratados com hidroxicloroquina é de 18% e, no caso da cloroquina, 16,4%. Sem a aplicação dessas drogas, essa taxa ficou em 9%. Já entre os pacientes que receberam os medicamentos em combinação com antibióticos, a taxa foi muito maior, chegando a 22,8% com a cloroquina e 23,8% com a hidroxicloroquina.

“Não apenas não há benefício, mas também vimos sinais muito consistentes de danos à saúde”, afirmou Mandeep Mehra, autor do estudo e diretor-executivo do Centro para Doenças Cardíacas Avançadas do Hospital Brigham and Women’s em Boston, nos EUA.

Trump fez a primeira menção à hidroxicloroquina em 21 de março, após o suposto potencial da droga ter sido propagado em círculos de extrema direita na internet que promovem teorias conspiratórias e desconfiança contra o establishment científico.

A informação teve origem em um anúncio do controverso pesquisador francês Didier Raoult, que revelou no dia 17 de março que um estudo preliminar em 24 pacientes havia apontando que a hidroxicloroquina havia sido eficaz no tratamento da covid-19. No entanto, o estudo de Raoult foi criticado em círculos científicos por causa da sua amostra limitada.

Em 23 de março, dois dias após Trump mencionar o remédio, foi a  vez do presidente Jair Bolsonaro seguir o exemplo do americano e passar a sistematicamente promover tanto a hidroxicloroquina quanto a cloroquina, mesmo sem estudos amplos que comprovem a eficácia. Ele chegou a chamar os fármacos de “cura”.

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