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Cientistas e comunidades pedem veto ao PL da Devastação

Organizações ambientais, sociedade civil, pesquisadores e comunidades tradicionais solicitam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vete completamente o Projeto de Lei 2159/21, conhecido como PL da Devastação. A proposta foi aprovada na madrugada desta quinta-feira (17) pela Câmara dos Deputados, depois de passar pelo Senado Federal.
Após a aprovação pelo Congresso Nacional, o projeto de lei segue para a Presidência da República, que tem 15 dias úteis, a partir do recebimento, para sancioná-lo ou vetá-lo.
Segundo o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, o PL representa o maior retrocesso ambiental legislativo desde a ditadura militar.
“Os governos perdem o controle sobre mais de 80% dos empreendimentos licenciados ambientalmente. Ou seja, não haverá mais conhecimento se as propostas causarão impacto coletivo, qual a magnitude do impacto e quais riscos as populações próximas podem enfrentar”, explica.
Entre as alterações, o PL institui o licenciamento ambiental simplificado por adesão e compromisso (LAC), que poderá ser solicitado sem a obrigatoriedade de estudos de impacto.
O ente federativo definirá a dimensão e o potencial poluidor das atividades dos empreendimentos interessados na LAC, que terá validade de 5 a 10 anos. Obras como pavimentação, duplicação de rodovias e instalação ou ampliação de linhas de transmissão nas faixas de domínio poderão utilizar esse tipo de licença.
“Pequenas centrais hidrelétricas que barram rios ou mesmo barragens de rejeitos, como a de Brumadinho, poderão ser licenciadas sem avaliação de risco detalhada, pois a licença será concedida automaticamente. Isso representa um vale-tudo, degradando a base do licenciamento ambiental”, complementa Astrini.
O Observatório é uma rede de 68 organizações da sociedade civil brasileira que atuam na agenda socioambiental e climática. De acordo com Astrini, a sociedade civil permanece mobilizada pelo veto presidencial para impedir a implementação do projeto. “A mobilização social deve aumentar, pois a chance de reverter essas medidas drásticas está nas mãos do presidente da República”, afirma.
Impactos aos biomas brasileiros
O climatologista Carlos Nobre alerta que a facilitação dos licenciamentos pode acelerar um desmatamento irreversível no país. Ele foi um dos cientistas que colaboraram na elaboração do Manifesto da Ciência Brasileira contra o PL nº 2.159/2021, promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Para Nobre, muitos parlamentares “ignoraram completamente o fato de que os quatro biomas brasileiros estão próximos do ponto crítico de colapso”. Isso pode levar à transformação da Amazônia, Cerrado, Caatinga e Pantanal em áreas áridas, comprometendo até atividades produtivas como a agropecuária.
“É alarmante que grande parte desses políticos continue desconsiderando evidências científicas”, destaca.
A Fundação SOS Mata Atlântica também se manifesta sobre os riscos ao bioma que abriga 70% da população e gera mais de 80% do PIB nacional.
“Desde 2006, a Lei da Mata Atlântica reduziu em mais de 80% o desmatamento, de 110 mil para menos de 15 mil hectares anuais. Revogar os dispositivos que garantem essa proteção é abrir espaço para aumento da degradação, ameaçando compromissos do Brasil em acordos climáticos e de biodiversidade”, afirma a fundação.
Ela também solicita que o presidente rejeite integralmente o PL. “Modificar um sistema legal já comprovadamente eficaz é arriscado do ponto de vista institucional e jurídico, ameaçando compromissos assumidos pelo Brasil nos acordos climáticos”, acrescenta.
Mobilização das populações afetadas
A aprovação da proposta provocou reação das populações diretamente impactadas. Mulheres indígenas organizam uma marcha à Brasília para protestar contra o projeto e pedir seu veto.
“É uma proposta que transforma vidas em mercadoria e territórios em zonas de sacrifício, legalizando o agronegócio em terras indígenas, liberando exploração predatória como garimpos e mineração, e facilitando obras sem consulta aos povos afetados. Destrói direitos constitucionais dos povos originários e tradicionais”, afirma a diretora do Instituto Witoto, Vanda Witoto.
O Instituto Witoto é liderado por mulheres indígenas na periferia de Manaus, que defendem fortalecimento da cultura, identidade, educação e economia indígena.
Vanda Witoto também ressaltou em rede social: “A Amazônia e os biomas são cruciais para a biodiversidade. Sua destruição acelera a crise climática. Cada árvore derrubada tira um pedaço do futuro. Estamos a caminho de Brasília para marchar contra essa violência contra a natureza e nossos corpos”.
Reações de organizações internacionais
Organizações internacionais também se pronunciaram após a aprovação. A Proteção Animal Mundial, presente em 47 países, declarou que o PL representa “um dos maiores retrocessos ambientais na história do Brasil”.
“O texto enfraquece o licenciamento ambiental, abandona princípios de prevenção e participação pública, permitindo atividades baseadas em autodeclarações e dispensando estudos de impacto. Isso afasta o Estado da responsabilidade de garantir um meio ambiente equilibrado para presentes e futuras gerações”, ressalta a organização.
Sobre a fauna, a entidade alerta que autorizar empreendimentos sem cuidado resulta na perda de habitats, interrupção de corredores ecológicos e extinção de espécies. “Isso não é desenvolvimento, é negligência oficializada”, enfatiza.
A Action Aid, atuante em 75 países para justiça social e equidade, também pediu o veto. “O texto é o maior retrocesso ambiental das últimas décadas e ameaça os direitos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, principais protetores dos territórios e bens comuns do país”, afirmam.
“Permite autolicenciamento inclusive em áreas sensíveis, exclui avaliação de impacto para territórios indígenas e quilombolas não titulados, ignorando comunidades que cuidam dessas terras há gerações. Se aprovado, prejudicará a prevenção a impactos ambientais e ações de adaptação climática”, completam.
Opinões do setor produtivo
Por outro lado, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apoia a medida, afirmando que o PL moderniza, desburocratiza, garante segurança jurídica e ambiental, além de evitar perda de competitividade.
O coordenador de Sustentabilidade da CNA, Nelson Ananias, destaca que no Brasil não há lei geral de licenciamento, sendo o procedimento diverso entre estados. “O texto atende ao setor produtivo, estabelecendo clareza nas obrigações para produzir de acordo com a legislação ambiental”, explica.
Em contraste, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) manifestou preocupação.
“A agricultura familiar, responsável pela maioria dos alimentos do país, é a mais vulnerável às mudanças climáticas que agravam desigualdades sociais e econômicas no meio rural”, afirmam.
Segundo a Contag, a flexibilização do licenciamento ambiental intensificará o desmatamento, a contaminação do solo e a escassez de água, afetando diretamente a produção de alimentos saudáveis e a soberania alimentar, beneficiando economicamente apenas grandes produtores rurais com recursos para adaptação.
“Aprovado o texto, favorece quem possui grandes propriedades e recursos, em detrimento da agricultura familiar que depende do equilíbrio ambiental para produzir”, finalizam.

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