Saúde
Comida como medicação: a importância da alimentação saudável
Estudos norte-americanos aprofundam a compreensão sobre a relação de determinados alimentos com o estímulo de processos orgânicos que podem acelerar o desenvolvimento da doença de Alzheimer
Atribui-se ao grego Hipócrates a frase “você é o que come”. Embora exagerada, pois muitos fatores, além da alimentação, influenciam no risco de doenças em geral, hoje, a ciência começa a avançar na compreensão de que as escolhas dietéticas têm, de fato, um peso importante na saúde, incluindo a do cérebro. Há seis anos de o mundo alcançar, segundo projeções da Organização Mundial da Saúde (OMS), a marca de 82 milhões pessoas com Alzheimer, pesquisas aprofundam a relação entre nutrientes e neurodegeneração.
“Hoje, já sabemos que aproximadamente metade dos casos de demência em geral poderiam ser evitados controlando fatores de risco como surdez não tratada, depressão, obesidade, atividade física e doenças, como as cardiovasculares e o diabetes não controlados”, afirma o médico geriatra Otavio Castello, professor de psiquiatria e psicologia médica da Universidade de Brasília (UnB). A dieta, embora não seja o principal, é um importante componente do estilo de vida modificável.
Diferentemente de genética e envelhecimento — fatores de risco da demência sobre os quais não se tem controle —, adaptar a alimentação para reduzir a probabilidade de desenvolver a doença é possível. Recentemente, um artigo publicado no Journal of Alzheimer’s Disease lançou luz sobre a questão, ao detalhar, com base na revisão de dezenas de estudos multinacionais, os nutrientes que parecem aumentar ou reduzir o risco de se desenvolver Alzheimer. Os autores não apenas elencam aqueles que mais favorecem o surgimento da enfermidade, mas explicam como isso acontece.
Inflamação
O trabalho, conduzido por William B. Grant, da Universidade da Califórnia, em San Francisco, e Steven M. Blake, da Clínica da Memória Maui, no Havaí, revela quais alimentos e produtos estão mais associados ao risco de demência. Gorduras saturadas, carne vermelha (especialmente as de hambúrgueres e de churrasco), carne processada (cachorro-quente e salame, por exemplo), grãos refinados (como arroz branco) e alimentos ultraprocessados ricos em açúcar (biscoito recheado, sorvete industrial, entre outros) estão no topo da lista.
Do lado oposto, folhas verdes, frutas, legumes, nozes, ácidos graxos ômega-3 e grãos integrais parecem proteger o cérebro da degeneração. Nos estudos avaliados, dietas baseadas em um cardápio de vegetais, como a dos países mediterrâneos, da China, do Japão e da Índia mostraram-se especialmente benéficas.
Por outro lado, os alimentos protetivos têm efeito contrário, evitando os processos orgânicos que prejudicam o cérebro. “Os autores demonstram que o consumo de alimentos que promovem a resistência à insulina, a obesidade e o estresse oxidativo, entre outros fatores, interagem com a neuroinflamação e desempenham um papel importante na origem da doença de Alzheimer”, observa o professor de nutrição e epidemiologia da Universidade de Harvard Edward Giovannucci.
“Relação da dieta com a demência”
Considerados o padrão-ouro da pesquisa clínica, os estudos randomizados — quando os participantes são divididos aleatoriamente em grupo terapêutico e placebo — são um desafio na ciência da nutrição. Há questões éticas: não se pode, por exemplo, alimentar uma pessoa com ingredientes que sabidamente fazem mal, como ultraprocessados e gorduras saturadas, para comparar com outras dietas. Há, também, as de ordem prática: o efeito da alimentação no organismo exige um acompanhamento de longo prazo, e é impossível ter o controle do que o indivíduo vai comer por anos ou décadas.
Porém, diante da explosão de casos de demência e do conhecimento de que fatores ambientais influenciam na doença, muitos pesquisadores conseguem driblar as dificuldades e produzir estudos de qualidade sobre a relação da alimentação com a neurodegeneração. Em artigo publicado na revista Dementia & Neuropsychologia, da Academia Brasileira de Neurologia, a nutricionista Sophia Moreira explica um estudo que conduziu na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no qual fez a revisão de 32 pesquisas clínicas de diversas partes do mundo sobre como o que se come pesa na saúde do cérebro. “Na ciência, não há 100% de certeza, mas o que temos até hoje aponta, sim, para uma relação da dieta com o risco de demência”.
O que já é certo sobre a associação entre alimentação e a doença de Alzheimer?
Está bem estabelecido que o estilo de vida, no qual se incluem os hábitos alimentares, é um dos principais fatores de risco modificáveis para demência e pode contribuir para a prevenção ou retardo da progressão em até 40% dos casos. Vários estudos observacionais com um número grande e representativo de participantes já demonstraram a associação de padrões dietéticos, como as dietas mediterrânea, Dash (Dietary Approach to Stop Hypertension ou Medidas Dietéticas para Interromper a Hipertensão) e Mind (Mediterranean-Dash Intervention for Neurodegenerative Delay), com a redução do risco de comprometimento cognitivo leve e doença de Alzheimer, que é a principal causa de demência no mundo.
É desafiador fazer estudos controlados e de longa duração na área nutricional?
Ensaios clínicos randomizados controlados com dietas específicas e de longa duração apresentam como desafios, entre outros, a perda de seguimento e a dificuldade em controlar a ingestão alimentar e manter a adesão ao protocolo de intervenção. Ainda assim, as evidências atuais apontam para um importante potencial preventivo com um elevado consumo de azeite, frutas, vegetais, peixes, grãos integrais e castanhas, além do consumo reduzido de açúcares e alimentos de origem animal e com alto teor de gorduras saturadas. Na ciência da nutrição, como em outras, não há 100% de certeza, mas o que temos até hoje aponta, sim, para uma relação da dieta com o risco de demência.
Nos estudos que a sua equipe analisou, o que pareceu mais certeiro sobre a relação entre alimentação e demência?
Na revisão sistemática que conduzimos, avaliamos o efeito de intervenções dietéticas específicas na cognição de indivíduos já com o diagnóstico de doença de Alzheimer. No nosso trabalho, incluímos apenas ensaios clínicos randomizados controlados, que são estudos que podem nos oferecer o melhor grau de evidência. Dos 32 estudos incluídos em nossa revisão, 12 demonstraram benefícios na performance cognitiva dos pacientes, incluindo intervenções com ômega-3, ginseng, probióticos e alguns suplementos e fitoquímicos. Porém, como os estudos foram bastante heterogêneos, poucos avaliaram uma mesma intervenção e alguns ainda apresentaram amostras pequenas e falhas metodológicas. O certo é que ainda temos muito a estudar até conseguirmos evidências o suficiente para recomendar algum suplemento para pacientes com demência de Alzheimer.
Há evidências de que suplementos nutricionais influenciem na demência?
Poucas. Arrisco dizer que, no momento, há mais marketing do que evidência científica robusta para muitos destes suplementos. Talvez, no futuro, possamos dizer o contrário, mas, no momento, ainda que alguns nutrientes, componentes dietéticos ou fórmulas nutracêuticas mostrem potenciais benefícios em indivíduos com demência, ainda são necessários mais estudos, especialmente ensaios clínicos de boa qualidade metodológica, para comprovar o real custo-benefício desses produtos e o perfil de pacientes que seriam beneficiados com o uso. Isso ficou bastante evidenciado no estudo conduzido pelas professoras Ann Kristine Jansen (UFMG) e Flávia Mores Silva (UFCSPA).
Pelo que se sabe, até agora, sobre a associação de determinados alimentos com a demência, é possível traçar diretrizes de prevenção?
A adesão aos padrões alimentares mediterrâneo, Dash e Mind tem sido fortemente associada à redução do risco de demência e de outras doenças, como as cardiovasculares, diabetes e hipertensão. A adesão a esses padrões alimentares deve ser fortemente encorajada na população, pois têm um grande potencial preventivo. Em um país tão desigual econômica e socialmente como o nosso, há o desafio do acesso a esses alimentos. Azeite, peixes, castanhas e grãos integrais ainda não estão, infelizmente, dentro da realidade econômica de muitos brasileiros.
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