Economia
Conjuntura: dívida pública dispara, apesar dos juros baixos
Com a economia estagnada, a relação entre o endividamento do governo e o PIB deve chegar a 80% até o fim do ano
Pela primeira vez desde outubro de 2014, os gastos com o pagamento dos juros da dívida pública ficaram abaixo do equivalente a 5% do Produto Interno Bruto (PIB). No acumulado de 12 meses, até agosto, o governo desembolsou R$ 349,2 bilhões ou 4,96% do
PIB para remunerar os títulos que emite para financiar o deficit das contas públicas
Em março de 2001, essa despesa chegou a 9,45% do PIB, no acumulado de 12 meses. Mas apesar da taxa Selic estar no menor patamar histórico, 5,5% ao ano, a relação dívida-PIB não para de crescer e deve subir dos atuais 79,8% para 80% do PIB até o fim do ano, nos cálculos do secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida.
Com as contas no vermelho, o Tesouro Nacional está sendo obrigado a emitir títulos para a rolagem da dívida pública bruta, que bate recorde e chegou a R$ 5,6 trilhões em agosto, de acordo com o Banco Central. A dívida bruta abrange o total dos débitos federal, estaduais e municipais junto aos setores privado, público e externo. Os números mostram que o desequilíbrio fiscal ainda persiste, apesar dos esforços do Tesouro em cortar as despesas.
Para o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, entre os principais motivos para a dívida bruta continuar avançando está o baixo crescimento econômico. “Quando olhamos a dívida em relação ao PIB, que é o relevante, o denominador da operação está crescendo pouco. É uma questão matemática”, disse. A projeção do Banco Central, divulgada semanalmente pelo Boletim Focus, é que o crescimento econômico em 2019 fique em 0,87%.
Segundo Freitas, o índice mais relevante para medir a dívida pública é o crescimento em relação ao PIB. “É como se fosse a dívida de uma pessoa física medida em relação à sua renda. O mais rico pode ter uma dívida maior do que o mais pobre, mas, em relação à renda, o valor devido pode ser insignificante. O PIB é uma medida de renda interna do país”, comparou.
O economista explicou que a dívida bruta cresce em função de três fatores: da taxa de juros, do crescimento do PIB e do resultado primário (diferença entre receitas e despesas do governo, sem contar as despesas com juros). “Quanto mais positivo o resultado primário, menos a dívida cresce. Assim como quanto maior o crescimento do PIB, menos a dívida avança. Com juros mais baixos, deveria ser menor, mesmo o crescimento da dívida bruta. Mas, com pouco crescimento econômico, apesar da taxa de juros reais baixa, a dívida continua subindo. O ideal seria um resultado primário mais robusto”, disse.
O deficit primário do setor público foi de R$ 13,4 bilhões em agosto. Apesar de estar abaixo dos R$ 16,9 bilhões do mesmo mês no ano passado, ainda pesa, considerando o ajuste fiscal necessário. Como o país possui resultado primário negativo desde 2014, é preciso rolar parte da dívida em títulos públicos, que estão para vencer e contrair novas dívidas.
Para José Júlio Senna, ex-diretor da Dívida Pública e Mercado Aberto do Banco Central e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o fato de o Brasil ainda ter um deficit primário e precisar de reformas deixa o país longe da solução dos problemas fiscais. “O crescimento da dívida é mais um sinal importante de que não se pode desistir do ajuste das contas. É um esforço permanente”, destacou. Na visão dele, o denominador (PIB) da equação também define a relação de crescimento ou não da dívida bruta.
Ainda na análise de Senna, o Banco Central tem apontado alguns sinais de melhora, no entanto, ele acredita que a economia não vai deslanchar tão cedo. “Não devemos esperar uma redução fantástica a curto prazo. Para que haja uma solução para a dívida bruta, é importante não esmorecer no esforço de fazer as reformas necessárias, que vão permitir o ajuste das contas e a retomada do crescimento, que é essencial”, comentou.
Momento favorável
Na avaliação do professor Senna, o momento atual é favorável para que o BC contribua para os ajustes por meio da política monetária. “Nunca houve um momento tão propício para isso. Ao longo das últimas décadas, o BC operou remando contra a maré, fazendo um esforço gigantesco. Queria trazer a inflação para baixo, mas usava uma política apertada e o gasto público continuava crescendo. Com isso, tinha dificuldade de produzir resultados”, disse.
Para Senna, a estratégia iniciada em 2016 foi importante por ancorar a expectativa da inflação para depois mexer na taxa de juros. “Isso mostrou muita firmeza e não cedeu à tentação, que era enorme, de reduzir o juros para estimular a atividade econômica”, afirmou.
De acordo com ele, baixar os juros antes de estabilizar a expectativa da inflação seria uma solução de curto prazo, não uma vitória permanente. “As expectativas ficaram bem ancoradas, dando tranquilidade para o mercado e para a redução de juros”.
Para Senna, entre outras medidas—como o teto de gastos e o menor desembolso do BNDES—, o acúmulo de reservas internacionais coloca o país em uma posição confortável externamente. “Em várias frentes, foram tomadas medidas que ajudam muito o lado fiscal e o monetário. O novo ambiente externo, com juros baixos e inflação no chão, estimula investimento em papéis brasileiros. O prêmio de risco dos nossos papéis lá fora diminuiu. As expectativas são mais favoráveis”, avaliou.
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