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De muleta a Rolex: motel de Brasília faz bazar com objetos esquecidos
Dinheiro garante festas de aniversário e empréstimos a funcionários. Artigos não podem ser devolvidos por questão de sigilo, diz gerente.
Sem poder devolver objetos esquecidos nos quartos, um motel de Brasília resolveu montar um bazar com o que os clientes deixam para trás. O catálogo vai desde calças usadas a relógios de luxo, passando por fichas de sinuca, muletas abandonadas e algemas de sex shop. Com o dinheiro da revenda dos artigos, o motel Flamingo banca – há mais de dez anos – comemorações internas, ajuda na compra de material escolar das famílias de funcionários e até empresta para trabalhadores endividados.
Por questão de sigilo, só é possível tentar devolver os bens até o limite das dependências do motel. “Passou da garagem, não tem mais jeito de a gente ir atrás porque pode expor o cliente”, afirma a gerente Elza Bezerra, que administra o local desde a construção – há 15 anos. A mulher coleciona histórias de gente “esquecida”.
“Aconteceu de um casal que saiu sem pagar esquecer a dentadura dentro da suíte. A gente até devolveu, mas lembrou que tinham esquecido também a conta.”
Se alguns clientes levam na brincadeira, outros têm vergonha em voltar para recuperar os pertences. “Já teve gente que esqueceu o carro porque eles estavam em dois casais e acabaram entrando no mesmo veículo. Esses riam muito. Mas alguns ficam constrangidos, principalmente quando esquecem objetos eróticos, como boneca inflável. Eles ligam falando baixinho.” Segundo o motel, são devolvidos 70% dos acessórios abandonados.
O bazar acontece quase todos os anos. Só com a venda dos objetos esquecidos, o motel consegue tirar, em média, R$ 2,8 mil. Quando fazem reforma, móveis das suítes temáticas também são colocados à venda, somando mais R$ 1,2 mil ao caixa. Em 2014, conseguiram lucrar R$ 6 mil com o evento. A previsão é de que o novo bazar ocorra no final deste mês, em um shopping vizinho ao motel, onde o dono do estabelecimento também tem loja.
De acordo com a gerente, não é preciso anunciar os produtos. “Esgota tudo rapidinho”, conta. “É como se fosse um brechó, que está muito na moda.” Segundo ela, os produtos são lavados, “ficam limpinhos” e são revendidos com mais de 50% de desconto.
“Tudo vai para o fundo dos funcionários, tirando as despesas que a gente tem com montagem e a máquina do cartão. Assim a gente garante as festinhas de aniversário e as confraternizações, por exemplo.” Parte das roupas e sapatos largados também é doada em campanhas de solidariedade.
Ao todo, o motel conta com 75 funcionários – 85% sendo mulheres. São 25 a menos do que há um ano e meio atrás.
“Não ficou nenhum setor que se livrou da crise. A gente se preocupa muito para manter o padrão de atendimento”, diz Elza. “Mas por outro lado, no que a gente puder ajudar, a gente ajuda. Fazemos até empréstimo para que o funcionário não entre no cheque especial.”
Histórias no motel
O espaço recebe cerca de 5 mil clientes por mês. São 69 suítes. Duas horas na mais simples custam R$ 110. A mais cara, não sai por menos de R$ 680 por quatro horas. Na grande maioria, os clientes são casais de classe alta.
Políticos e famosos costumam frequentar o motel, considerado o melhor de Brasília no ano passado por uma publicação especializada. “Tem gente conhecida que faz festa, faz tudo e fecha muitas suítes. Temos clientes de todas as áreas governamentais”, revela a gerente do motel.
“Mas todos [os funcionários] são orientados a nunca encarar o cliente. Sempre de cabeça baixa”, explica a mulher. “Os mais ricos são os que mais esquecem objetos caros: são joias, [relógios da marca de luxo] Rolex, anéis”, cita.
Para a gerente, trabalhar em motel significa abrir mão da rotina. Duas vezes por ano, em média, a polícia é chamada para intervir em brigas. “A maior parte da confusão acontece quando bebem e tem mais de duas pessoas na suíte”, comenta Elza.
“Também já vi muita gente andando pelado. Tem, por exemplo, os clientes exibicionistas que fazem o pedido só para as recepcionistas verem ‘no ato’. E claro, é comum darem em cima da gente.”
Como o “cliente é rei”, as funcionárias são orientadas a providenciar os desejos dos casais. Até quando se trata de modinha. “Nunca vi pedirem tanto gelo e tanta corda quanto na época do filme ‘50 tons de cinza’. A gente procura não frustrar o cliente, então é preciso acompanhar os modismos”, expõe a gerente. “Também deixamos sempre à disposição réguas novas porque os clientes têm costume de querer ‘medir o instrumento’.”
“Já aconteceu de um homem pegar a mulher no flagra com outro. O amante veio atrás da gente achando que fosse morrer. Depois o marido perdoou a mulher quando ela disse que só o traiu porque ficou com o pior carro da família”, lembra a gerente.
“Teve outro caso que deu muita confusão: o homem saía do motel com um homem quando foi pego pela mulher, que chegava com outro. Era um carro saindo e outro entrando”, continua.
“Tem que ficar preparado porque aqui se ouve de tudo.” Intervir, só em último caso: “Já rolou de gritarem tanto que a gente precisou entrar na suíte. Mas não era nada. Aí tivemos de fazer a noite de graça.”
Bastidores
As suítes temáticas são projetadas por arquitetos, e fazem alusão a uma cultura ou país. Por exemplo, a suíte “Taj Mahal” é decorada com móveis comprados na Índia. De acordo com a direção do Flamingo, o investimento foi uma forma de se desagarrar da visão antiga que marcava o tipo de estabelecimento.
“O conceito mudou. Agora é menos tabu, mais sofisticado, como um hotel”, explica Elza. Segundo ela, o espaço virou até porto seguro de uma juíza, que escolheu o local para estudar processos sozinha.
Por lá, também são feitos diversos pedidos de casamento. “Daqui sai muita história de amor. Por isso eu digo que é uma experiência muito boa. Apesar de ainda haver discriminação, são famílias que trabalham aqui”, complementa. “Quem vem no motel não vê ninguém, mas existe toda uma logística por trás.”
Ainda de acordo com a gerente, a convivência em um ambiente voltado para o sexo tem provocado mudanças profundas na vida das funcionárias. “Pelo menos 20 camareiras se separaram dos maridos porque passam a questionar a vida em casa. Elas começam a se perguntar por que não sentem prazer com o marido, como as outras mulheres que vêm aqui.”
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