Até o fim deste semestre, o Distrito Federal deve se tornar a primeira unidade da Federação a vistoriar, com scanner corporal e de bagagens, todos os adolescentes que entram e saem das unidades de internação. Os equipamentos foram contratados no fim de dezembro, e a empresa tem prazo de 120 dias para concluir a instalação nas oito unidades do socioeducativo do DF.
Responsável pela gestão do sistema, a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude diz que o escaneamento dos jovens vai substituir a revista humana – considerada vexatória – e ajudar a combater um dos principais problemas das unidades de internação: o fluxo de drogas para dentro dos prédios.
Em 2016, a pasta registrou 883 ocorrências ligadas à presença de entorpecentes nas unidades. Em 2017, o índice ficou praticamente estável: foram 879 casos anotados. As cifras são maiores que o número de adolescentes internados em toda a rede – são 815, segundo o governo – e indicam entre 2 a 3 flagrantes por dia.
Os registros são mais frequentes na Unidade de Internação de Saída Sistemática (Uniss) – espécie de “semiaberto”, que permite saídas eventuais dos internos – e na Unidade de Internação do Recanto das Emas, a maior da rede.
“Todo adolescente que entrar ou sair de uma unidade vai passar pelo scanner corporal. Caso tenha suspeita de alguma droga no organismo, você passa ele no scanner e identifica”, explica o secretário da Criança do DF, Aurélio Araújo.
“A punição depende do caso. Se for consumo, aquilo será tratado internamente, para que esse jovem seja acompanhado no programa de internação. Se for tráfico, se ele tiver tentado entrar com essa substância na unidade, isso é tratado como tráfico, nos termos da lei.”
Para isso, o governo investiu pouco mais de R$ 1 milhão em cada conjunto de scanners (um corporal, e um de volumes). Ao todo, o contrato custou R$ 8,16 milhões, custeados pelo Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente. Além da instalação, a empresa será responsável pelos testes, pelo treinamento e pela garantia de cada dispositivo.
Circular polêmica
O consumo de drogas nas unidades do sistema socioeducativo esteve no centro de uma polêmica, no fim de 2017. Em julho, a Secretaria da Criança emitiu uma circular autorizando as equipes de saúde a elaborar “relatório descritivo, detalhando os sinais corporais e sintomas relativos ao possível uso de substância pelo adolescente ou jovem atendido”.
No documento, a pasta diz que o exame é suficiente para gerar uma “ocorrência disciplinar”, e que a decisão leva em conta “o elevado número e a gravidade de ocorrências envolvendo o uso de drogas ilícitas por adolescentes/jovens dentro das unidades”.
Em agosto, o texto foi contestado por membros do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do DF – os argumentos ficaram registrados na ata da reunião. Segundo eles, o relatório descritivo só poderia ser desqualificado “por meio de perícia custeada e arcada pelo adolescente”.
Ainda de acordo com os conselheiros, a constatação do uso de drogas por exame visual inverte a lógica do estado de direito. “A única constatação de uso de drogas é o exame do IML”, diz um dos membros do conselho, segundo a ata.
O secretário da Criança negou as interpretações. Segundo ele, o relatório feito pela equipe médica e anexado à ficha dos jovens não tem função punitiva, e serve unicamente para melhorar o acompanhamento das medidas socioeducativas.
“Não é pra punir, mas é obrigação nossa descrever o estado daquele adolescente, inclusive do ponto de vista da saúde. Temos muitos jovens que apresentam sintomas do uso de drogas, ficam mais agressivos, e as equipes de saúde precisam acompanhar isso.”
Aurélio Araújo diz que os médicos e enfermeiros das unidades de internação são capacitados para identificar sinais de drogadição – pontas dos dedos amareladas, olhar perdido, pupilas dilatadas, odor característico das drogas e reatividade, por exemplo.
Se houver contestação, o exame laboratorial é custeado pela rede pública de saúde, diz ele. A portaria enviada pela Secretaria da Criança não traça nenhuma regra específica sobre o custeio desses testes.
“O profissional pode descrever indícios, da mesma forma que um policial faz na blitz de trânsito, quando o motorista não quer soprar o bafômetro. O adolescente não é processado por isso, não tem aumento de pena. Isso vai para avaliação, para a equipe debater a situação do jovem”, diz o secretário.
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